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postado em: 22/5/2017
Nos tempos do velho Oeste, EUA, surgia de vez em quando a chamada "febre do ouro", que arrastava multidões para determinado lugar, atraídas pela ilusão da riqueza imediata. Um exemplo disso foi a Corrida do Ouro na Califórnia (1848–1855) que começou em 24 de janeiro de 1848, quando foi anunciada a descoberta do ouro em Sutter's Mill. Ao se espalharem as notícias do achado, cerca de 300.000 pessoas, oriundas do restante dos Estados Unidos e até do exterior, rumaram à Califórnia. Alguns chegavam pelo mar mas um grande número vinha em carroções, enfrentando muitas dificuldades. Alguns ganhavam milhares de dólares por dia enquanto que outros, voltavam com pouco mais do valor com o qual haviam chegado. Danos foram causados à natureza e os principais atingidos, os indígenas, morriam vítimas das doenças dos brancos ou em defesa de suas terras, que eram invadidas.
No Brasil, nos anos 80' houve algo parecido em Serra Pelada, localidade do Sudoeste do Estado do Pará. Pude assistir a documentários nos quais se apresentavam pais de família que se afastaram da esposa e dos filhos, algemados ao sonho da riqueza. Alguns nunca voltaram. Outros, chegaram a morrer sem o objetivo alcançado.
Para falar de algo mais recente, uma brincadeira espalhada nas redes sociais envolvendo um garimpo da Serra do Caldeirão, próximo às cidades Pontes e Lacerda, na divisa de Mato Grosso com a Bolívia, custou muito caro para muita gente. Um grupo de amigos pintou uma pedra comum com a cor dourada, anunciando que era um achado no garimpo. Essa mentira atraiu mais de 2.000 garimpeiros, que acorreram às redondezas da cidade, atingidos pela "febre". Muitos deixaram a segurança do emprego, outros fizeram empréstimos e gastaram o que não tinham para chegar até a Serra do Caldeirão em busca da riqueza. A notícia é de que médicos, professores, comerciantes, empresários e até policiais abdicaram de sua vocação e estavam lá, cavando incansavelmente, noite e dia, atrás de alguma pedra amarela. Mas logo descobriram que vieram atrás de uma mentira. Alguns queriam voltar, mas estavam em dificuldades até mesmo para recuperar os custos de sua viagem até o local.
Na verdade, essa ânsia materialista, essa febre da busca da riqueza acima de qualquer valor, ainda existe e pode nos arrastar a todos, se não vigiarmos. Ela ainda está presente na ideologia capitalista dos tempos de hoje. E creia: ela tem afetado até mesmo os cristãos, e destroçado muitas famílias. Basta ver que em muitos cultos cristãos, o altar a Mamom desde muito tempo tem substituído o símbolo da cruz de Cristo. Tudo tem girado em torno da busca da riqueza. Deus é apenas um objeto usado para um fim materialista.
Sobre a moral e o comportamento, é notório a falência dos valores e tradições que sustentaram a família durante muitos anos. A educação do lar, com a presença materna junto aos filhos em seus primeiros anos, por exemplo, já se tornou um valor descartável na sociedade hodierna. Na estrutura social, já perdemos a vocação para o chamado ao serviço, e especialmente, para priorizar as pessoas acima das coisas.
Isso não tem nada a ver com a perspectiva bíblica. Isso tem raízes ideológicas profundas. Vem desde o século dezoito. A Revolução Industrial e o advento do Iluminismo a partir do sec. XVIII impuseram uma ideologia que afetou diretamente os valores cristãos do sistema educacional, gerando uma estrutura de aprendizado mormente com base na "técnica", com foco no preparo das pessoas apenas para o "mercado", e não mais para uma vida em "comunidade", onde as tradições e valores comuns eram um bem precioso que deveria ser perpetuado. Essa medida que atinge o cerne da vocação e do propósito de vida alterou todo o comportamento cristão, deslocando a figura de Deus de seu centro. Era o Humanismo que invadia de forma velada, os arraiais de Deus.
Fruto disso, passou-se a aspirar simplesmente um diploma e o ingresso num emprego confortável a fim de ganhar "muito dinheiro". Este padrão de pensamento sistematizou a prática capitalista do "sonho americano". E o resultado é que essa ética tipicamente hedonista tem gerado tanto prejuízo para a família, que não se sabe quando ou se haverá remédio para essa geração de cristãos. Se as estruturas da família e da educação não vão bem, que se dirá da sociedade como um todo? Basta ver o modo como dissociada dos valores tipicamente cristãos e da vida em família, a sociedade vai se confundindo mais e mais, perdendo as referências morais e históricas que lhe deram sustento no correr dos anos. Na verdade, a sociedade de nosso tempo desaprendeu muitas coisas.
No entanto, foram aprendendo outras. A vida foi adquirindo novos sentidos. Veja que reformularam os símbolos do "sucesso". Antigamente, "ter sucesso" para um jovem crente era ser feliz numa vocação, vista como um propósito único de Deus para sua a vida e para a comunidade. Na atualidade, o sucesso é medido apenas pelo luxo ostensivo que o dinheiro pode comprar. Isso tem criado toda uma geração disposta a optar por uma "profissão" e se entregar ao trabalho apenas pela sedução do ganho, da posse, do poder, do status, apesar de que nisso tudo, muitas vezes, o chamado de Deus para o serviço às pessoas fiquem em segundo plano.
Não que eu seja um cínico ou contra o capital financeiro. É preciso trabalhar em busca de sustento da família. Isso é bíblico. Não há mérito em optar pela pobreza. O assunto aqui é o propósito da vida. Nesse aspecto, o pensamento de um Teólogo que muito admiro, o Joseph Comblin, pode ajudar a esclarecer.
Comblin escreveu certa vez que a "esperança" é o motor que move a história e unifica todas as ideologias e culturas da humanidade. Esperança de melhoras e de crescimento material não são más em si mesmas. A esperança mal alojada, sim, é o problema. E o problema em questão é a perda de foco naquilo que é o mais importante; é a perda das coisas eternas em favor da dedicação à construção de sonhos apenas para esta vida. O problema é que Deus ainda está sentado em um trono no espaço, detrás das nuvens, além dos projetos e aspirações mundanas. Enquanto cá na Terra, o dinheiro se tornou o centro de tudo.
É nessa altura que eu pergunto: Onde o contraponto disso tudo, o resgate dos velhos paradigmas, os novos influenciadores para a nova geração? Onde estão aqueles a quem Deus chamou para buscar "as coisas do alto onde Cristo está assentado? (Col 3:1). Onde estão aqueles que entenderam o chamado para ajuntar tesouros no Céu e não na Terra onde a ferrugem e a traça destroem no correr dos anos? (Mat 6:20). Onde estão aqueles a quem Deus orienta pela sua Palavra que devem se desembaraçar de todo peso a fim de correr a carreira que está proposta? (Heb 12:1). Porque estamos a acumular mais cargas desnecessárias nesse tempo no qual se espera dos crentes mais sobriedade e desprendimento? Estamos treinando a nós mesmos e a nossos filhos para o dia da crise, quando teremos de abandonar, se preciso, a todo tipo de conforto, em favor do Reino de Deus? Tudo isso carece de um olhar renovado de nossa parte.
Mas creio que Deus levantará uma nova geração para reerguer seu altar. Nesse tempo de reformas e avivamentos, haverá aqueles que entenderão que há tesouros mais preciosos do que o ouro e as riquezas dessa vida. Família é um desses tesouros. Haverá aqueles que aceitarão a proposta de "vocação" como um chamado divino para o serviço, e serão um instrumento a fim de transformar as vidas à sua volta. Eles compreenderão que a vida, vivida como um ministério dado por Deus, o uso das habilidades para o fortalecimento da comunidade exige seu engajamento nos princípios eternos do Reino de Deus.
Concluo com uma ponderação: Creio que como no tempo em que Deus chamou a Elias para a reerguimento de Seu altar, estamos em um tempo que clama por restauração. Tempo que exige famílias bem edificadas, que busquem a realização maior no estabelecimento do Reino de Deus em seu lar, para assim impactar a sociedade. Tempo de preparo para o encontro com Jesus. E como o Senhor disse a Isaías, Ele diz a cada um ainda hoje: "Quem há de ir por nós?"
Os que teimam em permanecer presos aos tesouros desse mundo, verão, embora muito tarde, à semelhança dos atingidos pela febre do ouro em Serra do Caldeirão, que em tempo de perigo, viveram correndo atrás de uma mentira. - [Claudio Sampaio, MoC].