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postado em: 7/11/2008
Um Deus sanguinário?
Saber por que Deus mandou matar no tempo do Antigo Testamento evita mal-entendidos
Numa época em que o terrorismo e o fundamentalismo religioso estão sendo amplamente discutidos, surgem algumas dúvidas e confusões com relação a certos textos bíblicos. Robert Wright, autor de O Animal Moral: Psicologia Evolucionária e o Cotidiano, chegou a escrever que “se Osama bin Laden fosse cristão e quisesse destruir o World Trade Center, citaria a reação violenta de Jesus contra os vendilhões do templo”.
Exageros à parte, Wright não é o único escritor contemporâneo a comparar a postura de terroristas com certas passagens das Escrituras, especialmente aquelas em que Deus aparece intervindo de forma drástica na vida humana ou ordenando a morte de pessoas. Mas o Deus do Antigo Testamento não é menos amoroso do que o Deus revelado por Jesus.
Para Chris Blake, autor de Searching for a God to Love [Procurando um Deus para Amar], “figuras de doenças em um livro de medicina não refletem o médico; elas ilustram a grande necessidade de cura”. A comparação é boa, uma vez que conhecer o contexto do Antigo Testamento – e as “doenças espirituais” do povo de Deus – ajuda e muito a entender certas reações divinas.
Blake faz outra comparação: “Deus Se revelava ao povo do Antigo Testamento como uma persiana num quarto escuro – uma lâmina por vez – para que eles se acostumassem aos poucos com a luz. Se Ele houvesse aberto totalmente a persiana e revelado Sua deslumbrante ternura e tremenda bondade, a luz teria cegado os antigos. Eles não teriam visto coisa alguma.”
Quando se conhece o contexto cultural da época, pode-se perceber que, na verdade, o Deus do Antigo Testamento é o mesmo no Novo. Senão, note este texto bíblico: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” São palavras de Jesus, certo? Certo. Mas elas estão registradas em Levítico 19:18, como tendo sido ditas primeiramente por Yahweh ao povo de Israel. Ainda que tenham sido necessárias atitudes extremas da parte de Deus em alguns momentos da História, uma coisa fica clara para o estudante da Bíblia: indiscutivelmente, do Gênesis ao Apocalipse, “Deus é amor” (1ª João 4:8).
Ordem Para matar
Por que Deus mandou matar? Esta é a pergunta que se impõe quando certas passagens bíblicas são analisadas. A primeira dificuldade em se lidar com essa questão é justamente a pequena compreensão que o ser humano tem do caráter de Deus.
As pessoas formam seus valores e tomam suas decisões através do paralelismo ou comparação. Escolhem este ou aquele produto comparando cores, formas, sabores, preço. Com relação ao divino, não há com o que ou com quem compará-lo. Diante do Senhor, não há paralelos que permitam identificar aquilo que Lhe é natural.
Por isso, não podemos definir para o Criador padrões ou parâmetros do que seja justo, correto, bom e adequado. Os padrões da dimensão terrena e finita não podem ser parâmetros ou projeções para aquilo que está infinitamente acima da percepção e do conhecimento humanos.
A Bíblia fornece algumas pistas sobre a pessoa de Deus. Ela diz que Deus é puro, santo, justo e amoroso. Sua santa lei também possui esses atributos, pois é a expressão de Seu caráter. Assim, a conseqüência negativa surge porque o padrão divino para a vida humana é rompido. O “castigo”, antes de ser um ato isolado de um Ser superior e rigoroso, nada mais é do que o exercício zeloso e exigente da própria virtude que foi desprezada.
Pureza
A não observância da virtude divina da pureza foi a causa de muitas conseqüências negativas para o ser humano. O Dilúvio é uma delas: “E disse o Senhor: Destruirei da face da Terra o homem que criei [...] porque a Terra está cheia da violência dos homens; eis que os destruirei juntamente com a Terra” (Gên. 6:7 e13).
A impureza que se alastrava condenou toda a geração de Noé, numa oportunidade para um novo começo da raça humana. Note-se a grande longanimidade de Deus: Noé pregou por 120 anos que viria a destruição, mas os antediluvianos preferiram assumir as conseqüências.
Outro exemplo de extrema impureza: Sodoma e Gomorra. A destruição destas duas cidades evidencia a conseqüência do pecado. É uma das páginas mais tristes sobre o ponto a que pode chegar a depravação do ser humano. Não havia outro jeito! A impureza, cujo clamor subira aos Céus, tinha que ser exemplarmente condenada, como a um câncer que precisa ser extirpado, sob o risco de comprometer aquilo que ainda está são.
Por outro lado, Deus poupou a cidade de Nínive em circunstâncias semelhantes, devido ao arrependimento de todo o povo. Isso deixa evidente a misericórdia divina (ver Jonas 3:1-10).
A impureza na vida impede o ser humano de se aproximar de Deus. Foi o que aconteceu com Nadabe e Abiú. Por serem filhos do grande sacerdote Arão, julgavam que poderiam apresentar-se diante de Deus da forma como lhes convinha, e não de acordo com os preceitos divinos. As cerimônias do santuário apontavam para a obra intercessória de Cristo, e tinham um caráter sagrado. A impureza dos dois hebreus foi castigada: “Ora, Nadabe e Abiú [...] ofereceram fogo estranho perante o Senhor, o que Ele não ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor, e os devorou; e morreram perante o Senhor” (Lev. 10:1 e 2).
Posteriormente, por não ter outro alimento, Davi comeu dos pães da proposição, o que não era permitido (ver I Sam. 21:4-6). Mas Deus não o matou. Isso demonstra que a irreverência é mais uma disposição do coração do que meramente atos exteriores.
A impureza no coração faz desencadear uma série de atitudes e procedimentos contrários à vontade de Deus. Salta à vista a ingratidão do povo hebreu que, por mais de 400 anos, havia sido escravo dos egípcios e que agora, depois de libertado, ainda murmurava contra seu Libertador.
O maná caía do céu diariamente, provendo-lhes o sustento necessário para a caminhada no deserto. Mas eles não estavam satisfeitos. Preferiam a comida que tinham no Egito. Foi preciso que Deus lhes permitisse comer carne e que muitos morressem, para que aprendessem a importante lição (Núm. 11:32-34). Ainda hoje o ser humano come aquilo que deseja e, depois, sofre os resultados de sua intemperança.
As trágicas mortes foram, portanto, o preço cobrado pela opção da impureza. As ocorrências terríveis relatadas na Bíblia tiveram suas causas em si mesmas explicadas. Não seria, na verdade, preciso que Deus atuasse diretamente para que cada um daqueles fatos ocorresse, pois, pela falta de pureza no viver, eles naturalmente iriam acontecendo.
Santidade
Santidade e pureza andam de mãos dadas. Enquanto pureza é eliminar tudo aquilo que prejudica o viver, santidade é somar tudo aquilo que exalta e dignifica o ser humano; enquanto pureza é retirar do viver ético tudo aquilo que rebaixa a vida moral, santidade é acrescentar padrões divinos à vida, pela comunhão com Jesus.
Santidade é o segundo padrão pelo qual o ser humano deve caminhar. Assim, a quebra deste padrão também traz consigo desgraças inevitáveis.
Israel estava diante da sonhada terra prometida. O grande confronto da santidade exigida do povo teria início a partir do momento em que a terra começasse a ser conquistada. Isso porque os povos que ali viviam não eram nada santos. Pelo contrário, eram imorais, violentos e idólatras, praticando toda sorte de profanação e ofensas ao nome de Deus. Essa diferença teria que ser clara e evidentemente absorvida pelo povo de Israel.
O padrão divino de santidade começou a ser mostrado através da cidade de Jericó e tudo o que nela havia: “A cidade, porém, com tudo quanto nela houver, será anátema ao Senhor; somente a prostituta Raabe viverá, ela e todos os que estiverem em casa” (Jos. 6:17). Raabe aceitou os termos do Senhor e foi salva, da mesma maneira que aqueles que aceitarem a Palavra de Deus serão salvos.
O Senhor ainda advertira Israel para não tomar nada do que fosse de Jericó – símbolo do pecado. A ambição de Acã foi maior e ele tentou esconder consigo algumas riquezas. Resultado: foi apedrejado e suas coisas queimadas (Jos. 7:15, 24 e 25).
Como escreveu Chris Blake, “Deus levantou Sua voz freqüentemente no Antigo Testamento para atrair a atenção dos filhos de Israel”. De fato, Deus precisava ser “duro” com Seu povo; afinal, Ele os havia conduzido até ali para serem luz para outros povos.
O perigo da paganização era constante. As nações vizinhas possuíam divindades de caráter fundamentalmente violento e imoral, que conduziam o povo à guerra e à depravação. Os cultos eram verdadeiras orgias, com sacrifícios até de vidas humanas. Não havia como compactuar. O povo que deveria ser santo porque o seu Deus é santo tinha que lutar e eliminar por completo tais pecados.
Nos anos seguintes, Israel passaria por uma sucessão de altos e baixos espirituais. E Deus permitiria que Seu povo enfrentasse dificuldades e até humilhações com o objetivo de corrigi-lo. Deus, como sempre, seria constantemente mal entendido, enquanto o único responsável pelas desgraças continuava sendo o ser humano.
Justiça
A justiça é outro padrão para o qual não temos paralelismo. Por isso, hoje, nem sempre é possível entender exatamente o porquê de certas coisas terem acontecido. Como exemplo da quebra deste padrão, tomemos apenas uma passagem: “Estando, pois, os filhos de Israel no deserto, acharam um homem apanhando lenha no dia de sábado. E os que o acharam apanhando lenha trouxeram-no a Moisés e a Arão, e a toda a congregação e o meteram em prisão, porquanto ainda não estava declarado o que se lhe devia fazer. Então disse o Senhor a Moisés: ‘Certamente será morto o homem; toda a congregação o apedrejará’” (Núm. 15:32-36).
Será que foi agradável para aquelas pessoas apedrejarem o homem? E por que “toda a congregação” deveria participar da terrível cena? Os preceitos para a vida de obediência e adoração a Deus já tinham sido declarados por Moisés, que os recebera do próprio Deus. O Senhor queria que o povo entendesse a importância de Seus mandamentos.
Foi a desobediência que levou Lúcifer à ruína, privou Adão e Eva do Éden e traria desgraça ao povo. O transgressor do sábado, certamente não arrependido de seu feito, foi morto como exemplo da justiça divina e da gravidade do pecado. Se Deus perdoasse o homem em rebelião consciente, Satanás seria o primeiro a acusá-Lo de injusto.
É preciso que entendamos que o caminho da justiça de Deus se faz muitas vezes de forma incompreensível para nós, e que o Senhor não tem “prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva” (Eze. 33:11).
Amor
A quarta razão pela qual as manifestações negativas de Deus estão registradas na Bíblia é decorrente não da falha do ser humano diante de qualquer padrão divino, mas de uma decisão soberana e amorosa de Deus.
Por incrível que pareça, apenas uma vez o Senhor vai Se manifestar negativamente por causa do amor, e esta única vez é contra Ele mesmo: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o Seu Filho único, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16, Bíblia de Jerusalém). A palavra “entregou” poderia ser substituída por “matou”. Sim, porque não foi nada mais, nada menos do que isso.
Deus amou tanto a cada um dos seres humanos que deu o que mais amava: Seu único Filho. Quando Deus comissionou os anjos para guiar os pastores até Belém em forma de uma linda estrela, sabia que ela apontava para o Gólgota. Quando fez com que um exército de anjos cantasse “Glória a Deus nas alturas!”, sabia que esse coro celestial mais tarde se quedaria mudo, para ouvir o brado solitário e tenebroso do Calvário: “Por que Me desamparaste?”
Quando permitiu que os magos do Oriente levassem ouro, incenso e mirra a Cristo, também sabia que os judeus e os romanos Lhe dariam a coroa de espinhos e a cruz. Ele sabia de tudo isso desde os tempos de Adão, passando por todas as épocas, porque já havia dado o Seu Filho, pelo grande amor com que nos amou.
O Pai Celestial sempre visou ao bem da humanidade. E para isso não poupou esforços, correndo mesmo o risco de ser mal interpretado. Por que Ele Se afligiu até suar sangue e morreu por decisão própria? Porque Deus, o Senhor, é puro, santo, justo e amoroso.