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postado em: 5/2/2015
O Incluindo a Morte na Agenda de Assuntos Importantes De acordo com a mitologia grega, houve uma época em que as pessoas sabiam com antecedência o dia exato da morte. Todos sobre a terra viviam com a profunda sensação de melancolia, pois a mortalidade era como uma espada suspensa sobre eles. Tudo isso mudou quando Prometeu introduziu a dádiva do fogo. Agora os humanos podiam ir além de si mesmos e controlar seus destinos; eles podiam se empenhar para ser como os deuses. Tomadas pela emoção causada pelas novas possibilidades, as pessoas logo perderam o conhecimento do dia da morte. Será que nós, modernos, perdemos ainda mais do que isso? Será que perdemos totalmente a percepção de que vamos morrer? Apesar de alguns autores afirmarem exatamente isso (tal como o teórico social Ernest Becker em “A Negação da Morte”), descobri por trás do ruído da vida cotidiana rumores de outro mundo que ainda podem ser ouvidos. Os sussurros da morte persistem e os ouvi, creio, em três lugares inesperados: numa academia, num grupo de ativistas políticos e num grupo de terapia de grupo de um hospital. Detectei até mesmo nuanças — mas apenas nuanças — de teologia nesses lugares inesperados. Entrei para uma academia em Chicago depois que uma lesão no pé obrigou-me a buscar alternativas para a corrida. Levei um tempo para me adaptar à artificialidade do local. Os clientes ficavam em fila para usar equipamentos cheios de tecnologia, que simulavam a prática do remo. Eram completos, com telas de vídeo e barcos a remo animados, embora o lago Michigan, um lago real que exige remos reais, permanecesse vazio a apenas quatro quadras de distância. Em outra sala, as pessoas se exercitavam em equipamentos Stair Master, que imitavam o ato de subir escadas — isso numa região com grande concentração de prédios enormes. Eu ficava maravilhado com a tecnologia que adiciona diversão programada por computador à façanha cotidiana de andar de bicicleta. Também me maravilhava com os corpos humanos que usavam todos esses equipamentos: a bela mulher com estampas pretas e rosa, imitando as pintas de um leopardo; a grande concentração de testosterona que se juntava ao redor dos aparelhos de musculação. Apropriadamente, havia espelhos cobrindo as paredes, e uma rápida olhada revelava dúzias de olhos verificando os resultados de todo esse suor e grunhidos, em si mesmos e nos vizinhos. A academia é um templo moderno completo, com ritos de iniciação e rituais elaborados, seus objetos de adoração à mostra de forma constante e gloriosa. Detectei um rastro de teologia ali, pois tal devoção à forma humana é uma evidência da genialidade de um Criador, que se valeu de sua aptidão para a estética em seus projetos. Vale a pena preservar a pessoa humana, Mas, no fim, a academia se mantém como um templo pagão. Seus membros se empenham para preservar apenas uma parte da pessoa: o corpo, a parte menos duradoura de todas. Ernest Becker escreveu seu livro e morreu antes que a mania de exercícios tomasse conta da América, mas imagino que ele veria as academias como um sintoma inconfundível da negação da morte. As academias — junto com a cirurgia plástica, retardadores de calvície, cremes para a pele, e uma proliferação infindável de revistas sobre esportes, moda de praia e dietas — nos ajudam a desviar a atenção da morte para a vida. Se todos nós, juntos, nos esforçamos para preservar o corpo, então, talvez algum dia, a ciência realize o impensável: talvez vença a mortalidade e nos permita viver para sempre, assim como a raça desdentada, sem cabelo e sem memória dos Struldbruggs na história de Gulliver. Certa vez, enquanto pedalava em direção a lugar nenhum, numa bicicleta computadorizada, pensei no comentário de Kierkegaard de que o conhecimento sobre a morte é o fato essencial que nos distingue dos outros animais. Olhei à minha volta, para a sala de ginástica, me perguntando se nós, seres humanos modernos, somos assim tão diferentes dos outros animais. A atividade frenética da qual estava participando naquele momento era meramente mais um jeito de negar ou de adiar a morte? Nós, como nação, ficamos mais esguios e saudáveis para não ter de pensar no dia em que nosso corpo musculoso — em vez de estar “malhando” estará retesado num caixão? Martinho Lutero disse a seus seguidores: “Mesmo no melhor de nossa saúde, devemos manter a morte sempre diante de nossos olhos, para que não fiquemos esperando permanecer eternamente nesta terra, mas tenhamos, por assim dizer, um pé flutuando no ar”. Essas palavras parecem um tanto antiquadas hoje, quando muitos de nós, tanto quanto os pagãos, passam os dias pensando em qualquer coisa que não seja a morte. Mesmo a igreja mantém seu foco principal nas coisas boas que a fé pode nos oferecer agora: Saúde física, paz interior, segurança financeira, um casamento estável e – prometem algumas – um mar de prosperidade material. O treinamento físico tem algum valor, foi o conselho de Paulo ao protegido Timóteo, mas a santidade tem valor para todas as coisas, sustentando a promessa tanto para a vida presente quanto para a vida no porvir. Se queremos viver uma vida cheia de propósitos, cujo resultado final vá além do próprio quinhão da existência atribulada aqui neste Planeta, precisamos parar de negar a morte e, com equilíbrio, passar a considerá-la como uma possibilidade sempre presente. É neste momento que as palavras do homem mais sábio que já existiu adquirem um novo significado e relevância: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração” (Eclesiastes 6:2). - Extraído e adaptado do livro “Descobrindo Deus Nos Lugares Mais Inesperados”, de Philip Yancey.