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postado em: 9/14/2015
Quando os Grilos o Irritarem
Perdoe se este capítulo está desordenado. Ao escrever, estou irritado. Estou irritado por causa de um grilo. É barulhento. É detestável. Está escondido. E vai estar em grandes dificuldades se eu o achar.
Cheguei ao meu escritório cedo. Duas horas antes que soasse meu despertador, estava aqui. As mangas arregaçadas e o computador zunindo. Ganha dos telefones, pensei. Adiante-se à manhã, planejei. Sobe ao dia.
Porém põe as mãos sobre esse grilo, é o que não deixo de murmurar.
Pois bem, nada tenho contra a Natureza. A melodia de um canário me encanta. O prazeroso zunido do vento nas folhas me é agradável. Mas o raack-raack-raack de um grilo antes do amanhecer me incomoda.
De modo que fico de joelhos e percorro o escritório guiando-me pelo som. Espio embaixo de caixas. Tiro livros das prateleiras. Jogo-me de barriga no chão e olho debaixo de minha escrivaninha. Humilhante. Fui sabotado por um inseto de dois centímetros e meio.
Que coisa é este insolente e irritante que reduz o homem à posição de perseguidor de insetos?
Céus, ele está atrás de uma prateleira. Fora de meu alcance. Oculto num esconderijo de madeira compensada. Não posso alcançá-lo.
A única coisa que posso fazer é lançar canetas na base da prateleira. De modo que faço isso. Pop. Pop. Pop. Uma após a outra. Uma metralhadora de canetas.
Finalmente silencia. Porém, o silêncio dura somente um minuto.
Assim que, perdoem-me se meus pensamentos estão fragmentados, mas estou descarregando a artilharia parágrafo por meio.
Esta não é minha forma de trabalhar. Esta não é forma de começar o dia. O chão está bagunçado. Minhas calcas, sujas. Minha linha de pensamento descarrilou. O que tento dizer é: Como pode alguém escrever sobre a ira quando há um estúpido inseto em seu escritório?
Opaaa... Acho que, depois de tudo, estou no contexto mental adequado...
Ira. Esta manhã é fácil de definir: o barulho da alma. Ira. O irritante invisível do coração. Ira. O invasor implacável do silêncio.
Assim como o grilo, a ira irrita.
Assim como o grilo, a ira não se pode aplacar com facilidade.
Assim como o grilo, a ira tem o costume de ir incrementando seu volume até chegar a ser o único som que ouvimos. Quanto mais forte fica, mais nos desesperamos.
Quando nos maltratam, nossa resposta animalística é sair a caçar. Instintivamente fechamos nossos punhos. Procurar vingança é algo muito natural. O que, em parte, é o que constitui o problema. A vingança é natural, não espiritual. Vingar-se é a lei da selva. Conceder graça é a lei do reino.
Alguns estarão pensando: É fácil para você dizer isso, Max, ali sentado no seu escritório, sendo um grilo sua principal causa de irritação.
Você deveria tentar viver com minha esposa – aquela “goteira”, “iracunda” para quem Salomão compôs até uns versinhos.
Ou deveria ter vivido o que vivi no meu passado. Ou deveria criar meus filhos. Não sabe como fui maltratada pelo meu ex. Não tem idéia de quão difícil tem sido a minha vida.
E você tem razão, não sei. Mas tenho uma idéia muito clara sobre quão triste será o seu futuro se não resolver a sua ira.
Faça uma radiografia da alma do vingativo e contemplará o tumor da amargura: preto, ameaçador, maligno. Carcinoma do espírito. Suas fibras fatais silenciosamente vão rodeando as margens do coração e o destroem. O ontem não pode ser alterado, mas sua reação perante ele, sim. O passado não pode ser mudado, mas sua resposta ao seu passado, sim.
Impossível, você diz? Permita-me que tente demonstrar-lhe o contrário.
Imagine que provêm de uma família grande... aproximadamente uma dúzia de filhos. Uma família mais misturada que a família Brady. Todas as crianças são do mesmo pai, mas têm umas quatro ou cinco mães diferentes.
Imagine também que seu pai é um trapaceiro e tem sido assim por muito tempo. Todos o sabem. Todos sabem que por meio de arapucas roubou de seu tio sua parte da herança. Todos sabem que saiu correndo como covarde para impedir que o pegassem.
Imaginemos também que seu tio-avô, mediante enganos, fez que seu pai casasse com a irmã de sua mãe. Embebedou seu pai antes da boda e fez com que fosse para o altar sua filha feia antes que sua filha bonita, com a qual seu pai pensava que se casava.
Porém, isso não freou seu pai. Simplesmente casou com as duas. A que ele amava não podia ter filhos, então deitou com sua mucama.
Alias, ele tinha o costume de deitar com a maioria das ajudantes de cozinha; como resultado, a maioria de seus irmãos se parecem com as cozinheiras.
Por último, a esposa com a qual seu pai teria desejado casar-se em primeiro lugar fica grávida... e nasce você.
Você é o filho preferido... e seus irmãos o sabem. Os pais lhe dão um carro. A eles não. Eles o vestem de um terninho Armani; a eles, de Wallmart. Vai a acampamentos de verão; eles trabalham duro no verão. Você se educa; eles se irritam.
E se vingam. O vendem para algum projeto de serviço no estrangeiro, o colocam num avião cujo destino é o Egito, e dizem a seu pai que um franco-atirador o matou.
Você está rodeado de pessoas desconhecidas, aprendendo um idioma que não compreende e vivendo numa cultura que jamais viu.
História imaginária? Não. É a história de José. O filho preferido numa família estranha; tinha toda a razão de estar irritado.
Tentou tirar o maior proveito possível. Converteu-se em servo principal da máxima autoridade do Serviço Secreto.
A esposa do chefe tentou seduzi-lo e, quando ele se negou, ela protestou e ele acabou na prisão. Faraó soube do fato que José podia interpretar sonhos e lhe deu a oportunidade de interpretar os dele mesmo.
Quando José os interpretou, o promoveram da prisão do palácio para ocupar o posto de primeiro ministro. A segunda posição em importância em todo o Egito. A única pessoa diante da qual José se inclinava era o rei.
Enquanto isso, surge uma grande fome e Jacó, o pai de José, envia seus filhos ao Egito para obter um empréstimo do estrangeiro. Os irmãos não sabem, mas estão em frente ao próprio irmão que venderam aos ciganos por volta de uns vinte e dois antes.
Não reconhecem a José, porém ele os reconhece. Um pouco mais carecas e com barriga, mas os mesmos irmãos. Imagine os pensamentos de José. A última vez que viu esses rostos foi do fundo de um poço. A última vez que ouviu estas vozes, estavam rindo dele. A última vez que pronunciaram seu nome, o xingaram de toda forma possível.
Agora é sua oportunidade de vingar-se. Ele tem o controle total. Basta estalar os dedos para que seus irmãos estejam mortos. Melhor ainda, algemem-nos e coloquem grilhões em seus pés e que vejam como é um calabouço egípcio. Que durmam no lodo. Que limpem os pisos. Que aprendam egípcio.
A vingança está ao alcance de José. E há poder na vingança. Poder embriagador.
Por acaso não o experimentamos? Não temos sentido a tentação de vingar-nos?
Ao entrar na corte acompanhando o ofensor, anunciamos: "Ele me machucou!". As pessoas do júri meneiam suas cabeças com desgosto. "Ele me abandonou!", explicamos, e as câmeras ecoam nossa acusação. "Culpado!", rosna o juiz ao bater com seu martelo. "Culpado!", concorda o júri. "Culpado!", proclama o auditório. Nos deleitamos neste momento de justiça. Saboreamos esta bisteca saborosa.
Assim prolongamos o acontecimento. Relatamos a história uma e outra e outra vez. Agora congelemos essa cena. Tenho uma pergunta. Não para todos, mas para alguns. Alguns de vocês estão perante a corte. A corte dá queixa. Alguns expõem reluzente a mesma ferida em cada oportunidade diante de qualquer um que esteja disposto a ouvir.
A pergunta é para vocês: "Quem os converteu em Deus?" Não tenho a intenção de ser arrogante, mas, por que fazem o que corresponde a Ele?
"Minha é a vingança", declarou Deus, "eu darei a recompensa" (Hebreus 10:30, ACF).
"Não digas: Vingar-me-ei do mal; espera pelo SENHOR, e ele te livrará" (Provérbios 20:22, ACF).
O juízo corresponde a Deus. Supor algo diferente equivale a supor que Deus não pode fazê-lo.
A vingança é irreverente. Quando devolvemos um golpe estamos dizendo: "Sei que a vingança é Tua, Deus, mas o que acontece é que achei que não ias castigar o suficiente. Pensei que seria melhor tomar esta situação em minhas próprias mãos. Tens tendência a ser um tanto suave".
José compreende isso. Em vez de buscar a vingança, revela sua identidade e faz que seu pai e o resto da família sejam trazidos para o Egito. Concede-lhes proteção e os provê de um lugar para morar.
Eles vivem em harmonia durante dezessete anos. Porém depois Jacó morre e chega o momento da verdade. Os irmãos suspeitam que diante da desaparição de Jacó serão afortunados se conseguirem sair do Egito com suas cabeças no lugar. Assim se aproximam de José para pedir misericórdia.
"Teu pai ordenou, antes da sua morte, dizendo: Assim direis a José: Perdoa, rogo-te, a transgressão de teus irmãos" (Gênesis 50:16-17). (Não posso evitar sorrir diante da idéia de homens grandes falando dessa forma. Não acham que soam como crianças choronas: "Papai disse que nos tratasse bem"?).
A resposta de José? "E José chorou quando eles lhe falavam" (Gênesis 50:17). "Que mais devo fazer?", imploram suas lágrimas. "Lhes dei um lar. Dei provisões para suas famílias. Por que continuam desconfiando de minha graça?".
Por favor, leiam com cuidado as duas declarações que fez a seus irmãos. Primeira pergunta: "Porventura estou eu em lugar de Deus?" (versículo 19).
Posso voltar a declarar o obvio? A vingança pertence a Deus! Se a vingança é de Deus, não é nossa. Deus não nos pediu que nos vinguemos. Jamais.
Por quê? A resposta pode ser achada na segunda parte da declaração de José: "Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar muita gente com vida" (versículo 20).
O perdão aparece com mais facilidade com uma lente de grande alcance. José utiliza uma para poder ver todo o quadro. Recusa focalizar a traição de seus irmãos sem olhar também a lealdade de Deus.
Sempre é de boa ajuda ver o quadro completo.
Faz algum tempo eu estava no vestíbulo de um aeroporto, quando vi entrar um conhecido. Era um homem a quem eu não havia visto a bastante tempo, porém freqüentemente tinha pensado nele. Tinha passado por um divórcio e o conhecia o suficiente para saber que ele tinha parte da culpa.
Notei que não estava sozinho. Ao seu lado havia uma mulher. Veja o velhaco! Faz apenas alguns meses e já está com outra dama?
Qualquer pensamento de saudá-lo desapareceu ao emitir um juízo a respeito de seu caráter. Mas então ele me viu. Saudou-me com a mão. Fez-me sinais para que eu me aproximasse. Estava pego. Deveria aproximar-me para visitar o réprobo. De modo que o fiz.
— Max, quero lhe apresentar minha tia e seu esposo.
Engoli saliva. Não tinha visto o homem.
— Nos dirigimos a um encontro familiar. Sei que gostariam muito de lhe conhecer.
— Usamos seus livros em nosso estudo bíblico familiar — disse o tio de meu amigo —. Suas percepções são excelentes.
"Se você soubesse", disse a mim mesmo. Tinha cometido o pecado comum dos que não perdoam. Tinha emitido um juízo sem conhecer a história.
Perdoar alguém implica admitir nossas limitações. Só nos foi entregue uma peça do quebra-cabeça da vida. Unicamente Deus possui a capa da caixa.
Perdoar alguém implica pôr em prática a reverência. Perdoar não é dizer que quem te machucou tinha a razão. Perdoar é declarar que Deus é justo e que fará o que seja correto.
Depois de tudo, não temos já suficientes coisas para fazer sem tentar fazer também o que corresponde a Deus?
Adivinhe. Acabo de perceber uma coisa. O grilo calou-se. Entrosei-me tanto com este capítulo que o esqueci. Faz cerca de uma hora que não lanço uma caneta.
Acho que ele deve ter dormido. É possível que isso seja o que tentava fazer desde o princípio, mas eu o acordava a cada minuto com minhas canetas.
Finalmente conseguiu descansar um pouco. Consegui terminar este capítulo. É surpreendente o que se consegue quando nos desprendemos de nossa ira.
- Texto Extraído e Adaptado de Max Lucado, “Quando Deus Sussurra o Seu Nome”.