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postado em: 4/6/2015
Quando Um Membro do Corpo Pára... Menino criado na Índia, eu idolatrava meu pai missionário, sempre sensível a todas as necessidades humanas. Mas uma vez eu o vi hesitar diante de um pedido de ajuda. Eu só tinha sete anos, e notei três homens desconhecidos arrastando-se pela estrada de terra em direção à nossa casa na montanha. A primeira vista, aqueles três se pareciam com centenas de outros estranhos que acorriam em grande número à nossa casa em busca de tratamento médico. Trajavam uma tanga e um turbante e tinham um cobertor preso sobre um dos ombros. Mas, quando se aproximaram, notei algumas diferenças: tinham a pele manchada, a testa e as orelhas pareciam inchadas e traziam tiras de pano sujas de sangue atadas aos pés. O Flagelo da Lepra Quando chegaram mais perto, notei também que lhes faltavam alguns dedos nas mãos e que um dos homens não tinha os dedos dos pés — os quais terminavam em cotos arredondados. A reação de minha mãe destoou de sua habitual hospitalidade. Seu rosto empalideceu, assumindo um ar tenso. — Corra, vá chamar o papai — ela sussurrou para mim. — Leve sua irmã, e fiquem os dois dentro de casa! Minha irmã obedeceu ao pé da letra, mas eu, depois de chamar meu pai, esgueirei-me engatinhando para um posto de observação. Algo sinistro estava acontecendo, e eu não queria perder nada. Senti o coração bater forte quando observei a mesma expressão de incerteza, quase de medo, cruzar o rosto de meu pai. Lá estava ele de pé junto aos três homens, nervoso, sem jeito, como se ele não soubesse o que fazer. Eu nunca o tinha visto daquele jeito. Os três se prostraram, um gesto indiano comum que desagradava meu pai. "Não sou Deus. Ele é o único a quem que devemos adorar", costumava dizer, fazendo os indianos ficar de pé. Mas não desta vez. Ele ficou ali parado. Finalmente, com uma voz fraca, disse: — Não posso fazer muita coisa, lamento. Mas esperem aí onde estão, não se mexam. Vou fazer o que for possível. Meu pai correu até o dispensário enquanto os três ficaram agachados no chão. Logo voltou com um rolo de ataduras, uma lata de pomada e um par de luvas cirúrgicas que lutava para vestir. Isso tudo era muito estranho, como conseguiria tratar deles usando luvas? Meu pai lavou os pés dos forasteiros, enquanto minha mãe preparava algumas frutas em uma cesta de vime, que colocou no chão ao lado deles, sugerindo que a levassem. Eles apanharam as frutas, mas deixaram a cesta, e quando desapareceram descendo a montanha eu fui pegá-la. — Não! — ordenou minha mãe. — Não toque nela! E não se aproxime do lugar onde eles se sentaram. Em silêncio vi meu pai pegar a cesta e queimá-la, depois esfregar o chão com água quente e sabão. Em seguida minha mãe deu banho em minha irmã e em mim, embora não houvéssemos tido contato com os visitantes. Esse incidente foi minha primeira exposição à lepra, a moléstia mais antiga de que se tem registro e talvez a mais temida ao longo da história. Embora eu pudesse ter resistido à sugestão que me ocorreu aos 7 anos de idade, acabei sentindo-me chamado a passar a vida trabalhando entre pacientes leprosos. Nos últimos 30 anos, estive na companhia deles quase todos os dias, criando muitas amizades profundas e duradouras entre essa gente corajosa. A Importância do “Mecanismo” da Dor Durante esse tempo, muitos temores e preconceitos exagerados sobre a lepra caíram por terra, pelo menos no âmbito da profissão médica. Em parte devido a drogas eficazes, a lepra é hoje vista como uma moléstia controlável, muito pouco contagiosa. Todavia, na maior parte do mundo, menos de um quarto dos pacientes leprosos recebe de fato alguma forma de tratamento. Assim, para muitos ainda se trata de uma moléstia que pode causar lesões sérias, cegueira e perda de mãos e pés. Como é que a lepra produz efeitos tão terríveis? Ao estudar pacientes leprosos na Índia, várias descobertas me levaram a formular uma teoria bastante simples: será que as terríveis conseqüências da moléstia ocorrem porque os leprosos perderam a sensação da dor? A moléstia não tem semelhança alguma com um fungo devorador de carne. Ao contrário, está ligada principalmente a um único tipo de célula nervosa. Depois de anos de observação e testes, eu tinha certeza de que a teoria era bem fundamentada. A perda gradativa da sensação de dor provoca o uso inadequado das partes do corpo que mais dependem da proteção da dor. Alguém usa um martelo com um cabo lascado, machuca-se, não sente dor e faz irromper uma infecção. Outro pisa em falso no meio-fio, torce o pé e, sem perceber, continua andando. Um terceiro perde a função do nervo que faz a pálpebra piscar a intervalos de alguns segundos para lubrificar a vista: os olhos ficam secos, e isso causa a cegueira. Os milhões de células da mãos ou do pés, ou as células vivas e alertas dos bastonetes e cones dos olhos, podem tornar-se inúteis devido ao colapso de apenas algumas células nervosas. Esta é a tragédia da lepra. Pode-se constatar um padrão semelhante em outras moléstias. Na anemia falciforme ou na leucemia, a disfunção de um único tipo de célula pode rapidamente destruir alguém. Da mesma forma, se as células que garantem a ação dos filtros dos rins deixam de funcionar, a pessoa pode rapidamente vir a morrer por envenenamento. Essa característica do corpo — o valor de cada uma das partes — é demonstrada vividamente por uma moléstia como a lepra. A falha em um tipo de célula pode provocar consequências trágicas. Quem estuda a vasta quantidade de células e sua impressionante diversidade, pode acabar tendo a sensação de que cada célula individual é facilmente esgotavel e tem pouca importância. Contribuição Única de Cada Membro do Corpo Mas, o mesmo corpo que nos impressiona pela especialização e diversidade, também, confirma que cada um de seus numerosos membros é precioso e muitas vezes essencial para a sobrevivência. E interessante observar que o valor de cada um dos membros é também o aspecto mais enfatizado nas imagens bíblicas do Corpo de Cristo (veja Rm 12.5, ICo 12 e Ef 4.16). Preste atenção à maneira astuciosa com que Paulo se expressa em 1 Coríntios: “Ao contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis, e os membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra. E os membros que em nós são indecorosos são tratados com decoro especial, enquanto os que em nós são decorosos não precisam ser tratados de maneira especial. Mas Deus estruturou o corpo dando maior honra aos membros que dela tinham falta, a fim de que não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros. Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele” (I Coríntios 12:22-26). O ponto principal de Paulo é claro: Cristo escolheu cada membro para dar uma contribuição única ao seu Corpo. Sem essa contribuição, o Corpo poderia sofrer disfunções graves. Paulo sublinha que os membros menos visíveis (penso em órgãos como o pâncreas, os rins, o fígado e o baço) talvez sejam os mais importantes de todos. Embora eu poucas vezes sinta gratidão por eles, eles executam funções importantes demais que me mantêm vivo. - Extraído e adaptado do livro “Feito de Modo Especial e Admirável”, dos autores Philip Yancey & Paul Brand.