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postado em: 4/10/2015
A Linguagem Inconfundível do Amor Nossa cultura exalta a realização pessoal, a descoberta de si mesmo e a autonomia. Mas, de acordo com Cristo, é somente perdendo a minha vida que eu vou encontrá-la. É somente entregando-me como um "sacrifício vivo" em benefício do Corpo maior, por meio de minha lealdade a ele, que vou descobrir a minha verdadeira razão de ser. Para explicar o conceito de serviço, o exemplo pessoal se presta melhor do que uma discussão abstraía. Uma vívida lembrança conduz minha men¬te para um francês de aparência estranha chamado Abbe Pierre. Ele chegou ao nosso leprosário em Vellore vestindo seu hábito simples de monge, car¬regando um cobertor sobre os ombros e uma mochila que continha todos os seus pertences. Convidei-o para ficar em minha casa, e foi ali que ele me contou sua história. Frade católico, ele fora designado para trabalhar entre os mendigos de Paris depois da 2a Guerra Mundial. Na época os mendigos daquela cidade não tinham para onde ir, e no inverno muitos deles morriam congelados na rua. Abbe Pierre começou tentando despertar o interesse da comunidade pelo problema dos pobres, mas não obteve êxito. Concluiu que o único recurso era mostrar aos mendigos como eles próprios podiam mobilizar-se. Primeiro, ensinou-lhes a fazer melhor suas tarefas. Em vez de recolhe¬rem garrafas e trapos esporadicamente, Abbe dividiu os mendigos em equipes para limpar a cidade. Em seguida, orientou-os na construção de um arma¬zém com tijolos descartados e iniciou uma atividade comercial: eles faziam a triagem de enormes quantidades de garrafas usadas provenientes de hotéis e empresas. Finalmente, Pierre inspirou cada mendigo atribuindo-lhe a res¬ponsabilidade de ajudar outro semelhante mais pobre. O projeto então realmente começou a obter sucesso. Fundou-se uma organização chamada Emaús para perpetuar a obra de Pierre, com filiais em outros países. Agora, segundo o próprio Pierre me contou, depois de anos de trabalho em Paris, não há mais mendigos naquela cidade francesa. Pierre acreditava que sua organização estava prestes a enfrentar uma difícil crise. — Preciso encontrar alguém que os meus pobres possam ajudar! — declarou Pierre, que já começara a procurar em outras partes mundo afora. Foi durante uma dessas viagens que ele veio até Vellore. Acabou descre¬vendo seu dilema: — Se não encontrarmos pessoas em condições piores que as dos meus mendigos, esse movimento poderá voltar-se para dentro de si mesmo. Eles se tornarão uma organização poderosa, rica, e todo o impacto espiritual será perdido. Não terão ninguém a quem servir. Quando deixamos a casa na direção do alojamento dos estudantes para o almoço, minha cabeça estava zunindo com a sincera procura de Abbe Pierre por "alguém que meus mendigos possam ajudar!". Havia uma tradição entre os estudantes de medicina em Vellore sobre a qual eu de antemão advertia todos os hóspedes. Os convidados para o almoço deviam levantar-se e dizer algumas palavras apresentando-se e expli¬cando a razão de sua visita. Tal como os estudantes de outras partes, os nossos também eram alegres e impacientes. Eles tinham criado uma regra tácita de três minutos de tolerância. Se algum hóspede ultrapassasse os três minutos de fala (ou se parecesse um chato antes desse limite), os estudantes batiam os pés no chão e o faziam sentar-se. No dia de sua visita, Pierre levantou-se, e eu o apresentei ao grupo. Eu podia ver os estudantes indianos olhando para ele cheios de interrogações — para aquele baixinho narigudo, nada atraente, vestindo um hábito esqui¬sito e surrado. Amor Em Qualquer Língua Pierre começou falando em francês. Um colega de trabalho chamado Heinz e eu tentamos traduzir o que ele dizia. Nenhum de nós dois tinha muita prática com o francês, língua que ninguém falava naquela parte da Índia. Assim só interferíamos de vez em quando, resumindo em uma só frase o que ele dizia. Abbe Pierre começou lentamente, mas logo acelerou, como uma fita de gravador que gira rápido demais, com frases sobrepondo-se uma à outra, gesticulando o tempo todo. Eu estava muito tenso porque ele ia contan¬do toda a história do seu movimento, e eu sabia que os estudantes fariam calar aquele grande e humilde homem. Pior, eu lamentavelmente não estava conseguindo traduzir suas frases rápidas e inflamadas. Ele acabara de visitar a sede da ONU, onde tinha ouvido dignitários manipular palavras floreadas e altissonantes para proferir insultos contra outros países. Pierre dizia que não é necessário usar língua alguma para expressar amor, só para expressar ódio. A linguagem do amor é aquilo que se faz. Depois ele foi falando cada vez mais rápido, e Heinz e eu nos entreolhamos e demos de ombros, sem nada poder fazer. Três minutos se passaram, eu fui para o fundo da sala e olhei ao redor. Ninguém se movia. Os estudantes indianos fixavam Pierre com seus pene¬trantes olhos negros, os rostos extasiados. Ele continuava falando sem parar, e ninguém o interrompia. Depois de 20 minutos, Pierre sentou-se, e de imediato os estudantes irromperam no aplauso mais fantástico que jamais ouvi naquela sala. Completamente confuso, senti a necessidade de interrogar alguns es¬tudantes: — Como vocês entenderam? Ninguém aqui fala francês. Um dos estudantes me respondeu: — Nós não precisamos de uma língua. Sentimos a presença de Deus e a presença do amor. Abbe Pierre tinha aprendido a disciplina do serviço leal que determina a saúde do corpo. Viera para Índia e encontrara pacientes leprosos para satis¬fazer sua desesperada busca de alguém em piores condições que as dos men¬digos dele, e depois de encontrá-los sentia-se tomado de amor e alegria. Ele voltou para seus mendigos na França, e eles e o movimento Emaús traba¬lharam para doar uma nova ala ao hospital de Vellore. Haviam encontrado gente que precisava da ajuda deles, de modo que os motivos espirituais de sua vida se conservaram vivos. Assim o movimento Emaús prosperou como uma parte do Corpo de Cristo disposta a servir. - Extraído e adaptado do livro “Feito de Modo Especial e Admirável”, dos autores Philip Yancey & Paul Brand.