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postado em: 12/11/2012
Fernando de Almeida Silva Editor Associado www.iasdemfoco.net [email protected]
O meu irmão mais novo, Manoel (Neto), morreu no dia 15 de maio de 2012, quatro meses depois que nos encontramos pela última vez em Itapetinga, cidade de 70 mil habitantes na mesorregião do Centro-Sul baiano, onde vivemos nossa infância e sonhamos nossos sonhos para o futuro.
À luz da razão, o homem não tem compreensão suficiente e nem explicação lógica para aceitar a morte, exceto pela aquiescência do coração, cuja certeza de fé, que torna possível a aceitação e a prática da religião, o faz suportar a dor com paciência e resignação. E, mesmo que tivesse compreensão para aceitá-la, não o faria sem sofrer, porque não há sofrimento maior do que a dor da tristeza, advinda dela. Quem sofre a angústia que a morte de um parente ou amigo traz, sabe do que estou falando.
A chegada da morte é como um castigo cruel do destino, difícil de suportar, principalmente quando se perde um parente ou um amigo. Por isso, não há nenhuma lógica compreensível para aceitá-la com resignação, exceto pela fé, que mantém a esperança; pela religião, que sustenta a fé; e pela Bíblia, que confirma ambas.
A Bíblia se refere à morte como um “sono”.
Por ocasião da morte de Lázaro, irmão de Maria e Marta, em Betânia, uma cidadezinha na ladeira sudoeste do Monte das Oliveiras, perto de Jerusalém, Jesus Cristo, ao ser informado do sofrimento da família do jovem, dirige-Se, com pesar, aos discípulos e diz: “Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono” (São João, capítulo 11, versículo 11 ERC).
Logo depois, Jesus confirma para eles a dura realidade da vida: “Lázaro está morto” (versículo 14). Mas, com piedade e compassivo amor, conforta o coração de Marta, com estas impressivas palavras de certeza: “Teu irmão há de ressuscitar” (versículo 23). E conclui, lançando um olhar de esperança para o futuro: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (versículo 25), acentuando o paradoxo teológico à compreensão humana da religião sobre a morte, contrapondo-se à certeza de sua realidade que, para o cristão é, apenas, um sono, do qual ele acordará para uma nova dimensão da vida, no plano puramente espiritual.
O cristão só aceita sem temor a morte por acreditar ser ela um estágio intermediário entre a vida e a pós-vida, chamado “Imortalidade”, com a qual será agraciado para a vida eterna, depois da ressurreição.
A morte, cessação da vida, é imaterial. A Bíblia se refere também a ela como sendo a saída do “fôlego da vida” da “alma vivente” que Deus criou: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gênesis, capítulo 2, versículo 7). Ao morrer, o homem torna-se uma “alma morta”, visto o “fôlego da vida” que Deus lhe deu (“soprou em suas narinas”), voltar para Ele: “E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (Eclesiastes, capítulo 12, versículo 7).
É um mistério – como e por que o fôlego sai (volta para Deus) – que a própria vida não sabe explicar, o tempo não deixa entender, e a razão tem dificuldade em assimilar, porque está inserido no “fôlego da vida” (o poder do mistério vivificador de Deus), no barro modelado à Sua “imagem e semelhança” (Gênesis, capítulo 1, versículo 26).
Esta é uma constatação aparentemente simples de entender, pois tem sua razão de ser na indagação lógica da compreensão humana a respeito da vida e da morte, que o homem não aceita sem perguntar a si mesmo: se Deus nos criou para viver, por que, então, temos de morrer? E, desde Abel, o primeiro homem a morrer no mundo, a morte, geração após geração, tem semeado lágrimas e espalhado sofrimento pela Terra, como um flagelo devastador.
Para os irmãos mais velhos, o irmão mais novo é sempre o eterno menino, aprendiz da vida, o companheiro, não importa que idade tenha, como o Manoel, que tinha 54 anos quando morreu (completaria 55 no dia 8 de setembro – escrevo no mês de julho).
Ele era um homem feliz, no trabalho e na família. Era o esposo dedicado e o pai atencioso. Mas, para os irmãos, Manoel era sempre o “menino” que perdeu a mãe aos sete anos de idade, o pai aos 36, e o irmão mais velho aos 44. Olhávamos para ele como se ainda fosse o mesmo menino de antigamente, nas lembranças das brincadeiras da infância, cuja maldade passava longe e não tinha lugar na harmonia fraterna de nossas vidas.
Em uma das últimas fotos que fiz dele, por ocasião do último encontro que tivemos em sua casa, ficou registrado o charme do seu sorriso discreto e contemplativo, diante do vazio que aparentava viver em seus últimos dias, como se, finalmente, tivesse encontrado o horizonte do seu destino e nada mais restasse para ele na Terra, senão esperar a morte e despedir-se da vida, sem querer. Parecia sufocado pela fraqueza do coração, que parou no transe frenético dos minutos passados depois da meia noite, em sua residência.
O seu sorriso era como o sorriso de um menino, no rosto triste de um adulto, nos últimos suspiros da vida, saindo devagar (já respirava ofegante quando o vi pela última vez), à semelhança da luz quieta da tarde, que a noite sufoca na escuridão. Um sorriso contido da tristeza disfarçada em alegria, seja pelo medo do fim, seja pela dor do presente, do ponto de vista lógico da existência humana.
Outra foto, a que ilustra este texto, retrata-o na mesma posição e instantes depois ele olhava e sorria. Era um sorriso enigmático, porém belo e cativante, como a espuma que, cansada de sofrer sobre as ondas, chega à praia para descansar, avança a orla do grande mar e, em êxtase, olhando e sorrindo para as estrelas, morre tragada pela areia, sem compreender o enigma do vaivém das marés.
Lembrar-me-ei dele, quando a noite chegar e o mistério da vida iluminar seu rosto no horizonte da minha imaginação, em transes intercalados de sonhos e recordações do passado. E, então, o verei de novo sorrindo e olhando para mim, à sua maneira única e contida de olhar e sorrir. Aí, então, eu o verei novamente em meus sonhos, andando e sorrindo comigo, na eternidade do tempo que nos separou.
O meu irmão-menino se foi, jovem ainda. E ficou lá, no velho cemitério, junto ao seu irmão mais velho, ao seu pai, à sua mãe e a parentes que foram antes dele, como a cantar vivas de louvor a Deus, olhando e sorrindo para Ele também.
Fecho os olhos e vejo-me tateando seu rosto na vastidão da memória, tentando encontrá-lo novamente em minha imaginação, mesmo que seja por um único instante fugidio, mágico e inesquecível, encantador e eterno. É como se eu escutasse seu pedido de socorro, tremulando no ar um lenço branco de saudade, flutuando entre túmulos, lápides e cruzes solitárias, algumas esquecidas e sem ninguém, sem nada poder fazer. E ele me chamando para abraçá-lo no adeus final.
O meu menino se foi e não volta mais.
Fecho novamente os olhos no labirinto de procura do meu transe de recordação, para pensar e repensar a vida com ele em outros tempos. Volto à noite trágica em que Manoel partiu para sempre. Vejo-me diante de sua sepultura, e meus olhos se enchem de lágrimas de angústia, já intensas de muita saudade dele, e pela crueldade impiedosa da morte. E, então, em um canto sofrido da alma, torturada pela separação, eu consigo encontrar forças para dizer, pela voz de ternura do coração, apenas (e somente) duas palavras de despedida, mas ensanguentadas de tristeza e dor, por sua partida inesperada da vida: Adeus, Menino!
Nota do Editor
O Pastor Fernando Almeida é um editor-associado deste portal e colunista e um dos primeiros colaboradores; sua vasta contribuição ao site transcende os belíssimos textos como este e inclui o envio de materiais para a composição de algumas das seções mais importantes (entre estas, “A História dos Papas”: que em breve retomaremos, até o seu último capítulo). Portanto, numa mais do que justa homenagem – em memória do seu querido irmão caçula – além de postarmos este artigo em sua coluna, estamos postando-o aqui nos “Especiais”.