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postado em: 14/5/2008
“Assassino de Caga-Sebos” O editor deste site, Pastor Elizeu C. Lira, mandou-me um e-mail no qual me chama, com toda razão, de “Assassino de Caga-Sebos”. Achei engraçado e divertido o epíteto que ele me deu, pois acredito que sua “provocação” partiu do fato d’ele ter lido com mais vagar e atenção o último texto que mandei para a Coluna, em que relatava minha inglória façanha de caçador de passarinhos, nos meus tempos de criança, quando, por mais que tentasse, matei apenas um. O mais interessante é que, ao ler o seu e-mail com que me distinguiu merecida e amigavelmente, com o epíteto, eu também me diverti... E muito, agora rindo dele. Minha única discordância ao seu e-mail é quanto ao número gramatical do substantivo. Matei apenas “um” caga-sebo. Não mais. Portanto, não diria que fui um “Assassino de Caga-sebos”, no plural, mas, um “Assassino de Caga-sebo”, no singular. Ao escrever o texto que deu origem às gargalhadas do meu amigo Pastor Lira, inicialmente eu tinha dado ao mesmo o título de “Assassinato ao Cair da Tarde”. Todavia, à medida que ia escrevendo e imagens e lembranças afloravam à minha mente, e ainda com muita pena do pobre caga-sebo trinando de dor, mudei o título para “No Silêncio da Tarde”, pois foi numa tarde que tudo aconteceu. Surgiu aí uma relação entre a dor que senti então, a do caga-sebo e o cuidado de Deus para com tudo que Ele criou. Mudando o título de “Assassinato ao Cair da Tarde”, que achei pesado e cruel, para “No Silêncio da Tarde”, leve e sensível, me deu a impressão de que a opção da mudança inseriu no texto uma sublimidade romântica e nostálgica, das lembranças da vida, que faltava no “Assassinato ao Cair da Tarde”. Ao ler o referido texto, ele diz que riu e se divertiu muito. Não era para menos. Acredito mesmo que ele “morreu de rir”. Afinal de contas, quem não riria da façanha de um caçador que matou apenas um único passarinho em toda sua vida? Mentalmente eu via o passarinho morrendo em minhas mãos, com uma pedrada na cabeça; e o editor, com o meu relato de caçador fracassado. Acredito nele. E acredito também que ele, além de rir e se divertir com minhas façanhas de caçador, riu muito, também, devido ao fato, não somente de eu ter dito que era ruim de pontaria, mas pelo tamanho do infeliz que matei naquela longínqua tarde de verão de 1955, quando tinha apenas oito anos de idade: um pequeno caga-sebo. O Tamanho do Ultraje Não sei quanto pesa um caga-sebo. Nunca pesei. Mas, se viesse a pesá-lo, não poderia ser em uma daquelas antigas balanças Filizola, toda de ferro, que existiam nas vendas e nos mercados de então, somente numa balança de ourives. Como pode um caçador se vangloriar de matar um pequenino caga-sebo e, ainda por cima, ter a coragem de dizer que foi sua única empreitada vitoriosa, mesmo sendo inglória e se arrependendo depois? E foi aí que, penso, o editor encontrou o contraponto de sua revelação deleitosa, caçoando, com justa razão, da minha “eficiência” como caçador ou da minha soberba de adulto ao relatar o fato, relembrando ele mesmo, quem sabe, suas travessuras de criança. Após analisar com mais atenção o e-mail, e de eu ter dito que foi meu único sucesso como caçador, que foi o único passarinho que matei em toda minha vida, pensei: “Pelo menos a minha façanha inglória serviu para alguma coisa”. Bem feito. Quem mandou eu me meter a comentar minha infância na roça, correndo atrás de passarinhos e matando apenas um caga-sebo, em toda minha vida? Feliz Como Chico-Bento Querem saber? Vou contar: Não existe nada mais sublime do que o encantamento de uma alegre criança da roça (e “caçadora” como no meu caso), vivendo a vida ao ar livre, na liberdade do tempo e do vento a passar. Nada substitui a emoção de sentar no alto da colina, no silêncio da tarde, e ver o por do sol no fim do dia, por trás de montanhas e mais montanhas, dardejando seus raios dourados por vales e caminhos solitários, que se prolongam para o infinito distante. É ali, no silêncio da tarde e da nossa alma, no topo da colina, que a gente sente que Deus existe e está bem perto de nós, olhando conosco as distâncias a perder de vista. É ali, na quietude da tarde, que percebemos a beleza da vida de uma criança, da encantadora estação intermediária entre o menino de colo e a juventude travessa, correndo atrás do vento, empinando pipa, saltitando, feliz, sobre colinas e vales, sem pressa do tempo passar. É um tempo inesquecível da vida que não se pode deixar de lembrar, não se pode esquecer, para não perder as origens de onde se veio. Quando olhamos para o passado, é como se todas as estações da vida se colocassem diante de nós e nos mostrasse, como num filme, o maravilhoso tempo da vida que passou. É o momento sublime de revermos, nas lembranças, cenas de parentes e amigos que se foram e que ficaram, deixando, em cada canto e lugar, uma recordação comovente, uma presença invisível, um sussurro inconsciente, falando de coisas velhas e palavras sem cor. Cenas de emoções, alegrias e tristezas, venturas e desventuras, que ficaram para trás, e que voltam para nos dizer que vale a pena viver. Lembranças de toda uma vida, cuja falta delas a própria vida não teria cor, não teria brilho nem sentido para viver, quer no plano material, espiritual ou sentimental, pois é o registro fiel de nossa existência maravilhosa, que vai ficando cada mais curta, mais perto do seu final, à medida que o tempo passa. É por isso que canto a infância, principalmente a minha infância, a fim de recordar e viver. E quem viveu a infância, como eu vivi, vive feliz e saudoso, mesmo tendo assassinado um desgarrado caga-sebo, com uma pedrada de estilingue na cabeça. E, hoje, ao lançar um olhar de saudade para o passado e recordar o tempo que passou, e lendo as palavras do meu amigo Pastor Lira, dizendo que riu muito da minha façanha de “caçador” de uma única caça indefesa, vejo como tudo mudou, ficou diferente e vazio, com o silêncio encostado em cada canto e lugar. Mas, a recompensa é saber, para a alegria da minha vida, que a árvore, o riacho, a estrada, as colinas, o vale, a cancela e o mata-burro de madeira, e um dos currais, ainda continuam lá, solidários, solitários e tristes, como o silêncio divinal da tarde, firmes e fiéis à minha infância, sorrindo e chorando comigo, quando chego lá.