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postado em: 28/5/2008
Meus Pêsames! No dia 15 de setembro de 2007, às 11h45, um sábado, o meu celular tocou. Era João Fabiano Nogueira Vidal, empresário do ramo de soldas e abrasivos, convidando-me para ir com ele até Campos dos Goitacazes/RJ, a 245 quilômetros de Vitória/ES, visitar seu pai, João Marinho Vidal, que estava na UTI havia cinco dias. Aceitei prontamente. Afinal de contas era um caso de doença e, acima de tudo, do pai de um amigo meu. Marcamos para sair às 13 horas. Ele chegou às 13h45. Durante a viagem, que transcorreu tranqüila, conversamos sobre muitas coisas. Ora sobre carros, ora sobre pessoas amigas, ora sobre nós mesmos e, acima de tudo, sobre a vida. Eu falava com muito cuidado, para não machucá-lo ainda mais com minhas palavras, que eram para confortá-lo e distraí-lo um pouco, embora soubesse que, nem sempre, as palavras chegam ao coração de quem sofre, como queremos que cheguem. E percebi que o coração de Fabiano estava sofrendo... E muito, embora nada dissesse. Preferia guardar sua dor no silêncio da alma. Mas, pelo semblante, pela voz, pelo olhar, e até pelos gestos, percebia-se nitidamente sua angústia e tristeza contidas. O hospital onde seu pai estava fica na mesma rua e a poucos metros da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Após alguns minutos de espera, protegidos os pés e a cabeça, com sapatilhas e gorro de papel branco descartáveis, e avental de pano azul, entramos na Unidade de Terapia Intensiva – UTI, um lugar não muito agradável de se ver ou estar, devido ao sofrimento estampado no rosto de cada paciente, um sofrimento silencioso para quem está ali, e constrangedor, para quem visita. Muitos rostos não demonstram o mínimo sinal de vida, exceto pelos gráficos na tela dos aparelhos ligados a várias partes do corpo, ao lado ou na cabeceira do leito. É como se estivéssemos diante da última etapa da vida e nada pudéssemos fazer. Entramos em respeitoso silêncio e caminhamos até onde estava João Marinho Vidal. Na distância entre a porta e seu leito, deparamos com pessoas idosas e de meia idade, imóveis, respirando e vivendo com ajuda de aparelhos, sofrendo resignadamente, algumas, em estado terminal. À nossa volta, corpos alquebrados, desbotados pela falta de sol, à espera de um “oi, estou aqui...” ou “Papai, sou eu...”, cheio de dor e sofrimento. E, em alguns casos o enfermo, não podendo falar nem ver, devido à ação dos medicamentos, não consegue segurar as lágrimas, que deslizam, lentas e suaves, pelas faces imóveis, como a dizer “Estou ouvindo... Estou sentindo... Estou te ouvindo, meu filho!”. É o doloroso encontro da fé em Deus com a esperança triunfante da continuidade da vida. Em compasso de espera A UTI é uma estação intermediária entre a vida e a morte num hospital. E João Marinho Vidal estava lá, com os braços marcados pelas várias picadas de agulhas, cercado de aparelhos, monitorando suas funções vitais. Os médicos mandam para a UTI os pacientes que estão no limite extremo da vida, na tentativa de curá-los ou deixá-los morrer ali, com o mínimo possível de dignidade, embora a morte não seja dignidade para ninguém. É como se dissessem que a vida do paciente está “nas mãos de Deus”, e que somente Ele pode atuar além dos seus cuidados e dos medicamentos ministrados. Não é fácil deparar-se com pessoas que passaram toda sua existência na plenitude da vida e que agora estão inertes num leito de hospital, na UTI, sem a certeza de voltar para casa com vida. Isso os parentes sabem. Essa dura realidade machuca o coração de quem espera que o tempo prolongue a existência de quem ama. É como sentar à porta do tempo da vida a cada dia e pedir a Deus para fazer voltar o próprio tempo, a fim de acabar com o sofrimento e a dor. Ao lado do leito, olhei silenciosamente para o rosto de João Marinho Vidal. Parecia que ele estava dormindo. Outros visitantes, ao lado de outros leitos, falavam baixinho e acariciavam seus entes queridos com palavras de conforto e esperança. O momento é de extrema interiorização da alma e reflexão da vida. Sussurrei algumas palavras para o Fabiano, agora envolto numa silenciosa e intensa tristeza, que me fazia sentir compaixão. Não sabia se João Marinho Vidal ouviria minhas palavras ou se esboçaria qualquer reação a elas. O silêncio e o ambiente nos obrigam à meditação mais profunda sobre a vida e a morte, e no amor de Deus para com Seus filhos aflitos. E percebi, ali, naquele momento de suprema aceitação da vontade de Deus, a tristeza e a aflição estampadas no rosto do meu amigo Fabiano, impotente diante do quadro arrasador, sem nada poder fazer. Apenas esperar... Esperar... E esperar... O que ele realmente fez. Foi a primeira e a última vez que vi João Marinho Vidal. Cinco minutos depois, saí, para Gracie Marie, irmã de Fabiano, poder entrar. Esperei na ante-sala da UTI e, depois, na recepção do Hospital. Enquanto aguardava, vi outras pessoas esperando sua vez de serem admitidas na ala da UTI. Algumas revelavam tristeza e resignação no rosto, como se tivessem perdido completamente a esperança de vida, de quem vieram visitar; outras, o olhar distante, esperançoso, à espera de um milagre. O tempo passado ali pareceu uma eternidade, cuja amplidão o coração não consegue sentir, a dor suportar e a vida contar. O sofrimento de pessoas na recepção de um hospital vai além da compreensão de qualquer pessoa, fora dali. Bom seria que o motivo da nossa presença fosse outro. Mas, infelizmente, a realidade é mais cruel do que nossa imaginação permite entender e aceitar. Finalmente Fabiano e Gracie Marie apareceram. Embora aparentemente indiferentes, estavam introspectivos e com semblantes que refletiam a resignação da continuação da vida, ou da chegada da morte para seu pai, a qualquer momento. O caminho de volta pareceu mais longo e difícil. Conversamos menos do que na ida. Em determinados momentos o silêncio era constrangedor para ambos, embora não disséssemos qualquer palavra sobre isso. Não é fácil para o único filho (tem cinco irmãs) deixar o pai imobilizado num leito de UTI e partir, sem a certeza de vê-lo vivo outra vez. E foi exatamente o que aconteceu. A notícia dolorosa No dia 28 de outubro de 2007, uma tarde de domingo, pouco mais de um mês da nossa ida ao hospital, Fabiano ligou-me outra vez. Notei tristeza e sofrimento em sua voz, que soava diferente da que eu conhecia. Disse a ele que sua voz estava diferente e que denunciava tristeza e dor no coração, pela maneira como falava comigo. Então, triste e resignadamente, com voz pausada e como que pensando involuntariamente cada sílaba e palavra, disse-me que seu pai tinha falecido naquele dia, de falência múltipla dos órgãos, e que seria sepultado na segunda-feira, 29 de outubro, na cidade de Campos. Um silêncio extremo tomou conta de mim. E, com muita dificuldade de falar, devido à emoção da notícia, disse-lhe, apenas, duas palavras de tristeza e dor: “Meus Pêsames!...”. E tentei confortá-lo com a esperança em Cristo. O empresário João Marinho Vidal nasceu no dia 17 de abril de 1920, em São Pedro da Aldeia/RJ, a 34 km do Rio de Janeiro. Até os cinco anos de idade, viveu em sua cidade natal, quando se mudou, com seus pais, para Campos dos Goitacazes. Em 1945 casou-se com Jobélia Nogueira Vidal, falecida em 1989. Da feliz união com Jobélia, teve seis filhos: Gracie Marie, Hermosalda, Heloísa Helena, João Fabiano, Maria de Fátima e Alda Maria. Mas seu grande amor pelo ser humano fez com que adotasse três filhos queridos: Manoel Laurindo Júnior, João Batista da Silva e Carlos Francisco Fernandes, que o amaram até a morte, e continuam a amá-lo em suas lembranças e recordações da vida com ele. João Marinho Vidal viveu seus últimos anos em Santa Clara, cidadezinha litorânea, no Município de São Francisco de Itabapoana/RJ, região outrora pertencente ao Município de São João da Barra, onde desejava morrer. O destino não quis que sua vontade se cumprisse. Ele morreu na UTI do “Hospital Dr. Deda”, às 13 horas daquele domingo, 28 de outubro de 2007, longe da praia e da cidadezinha que amava, mas em paz com Deus, com o próximo e com a vida que amou. Tombou silencioso, como a árvore da floresta tomba: devagarzinho, sem pedir, sem falar, sem reclamar. Apenas tombou, com os olhos fechados para a luz da vida, mas abertos para o paraíso de Deus, onde não há lágrimas, nem sofrimento nem dor, e para onde vão os heróis da fé. Foi sepultado no Cemitério da Paz e pranteado numa comovente despedida de adeus, cercado de amigos, parentes, nove filhos e 14 netos, que anseiam revê-lo na gloriosa manhã da Ressurreição. Quando João Fabiano Nogueira Vidal voltou de Campos, pude confortá-lo com o meu afeto de amigo sempre presente, repetindo as duas palavras de tristeza e dor que encabeçam o título deste texto, com as quais presto o respeitoso e merecido tributo a ele: “Meus pêsames!...”. E fomos viver de recordações.