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postado em: 25/6/2008
O Quarto Vazio No dia seguinte ao casamento do meu filho, entrei no quarto dele, para abrir meus e-mails, pois é lá que fica o computador ligado à internet. Parado na porta, olhei para as paredes, agora sem as prateleiras com as coleções de revistas, que ele fez ao longo dos anos, o retrato grande, com moldura laqueada de preto, com belos trabalhos em dourado, cuja foto eu fizera anos antes, e o outro retrato, quando ainda era criança; o guarda-roupa, as fotos, a mesinha e a sapateira de madeira, que eu tinha levado para sua nova casa. As paredes, antes cheias, estavam vazias, “limpas” como a evocar tristeza e recordação, como a dizer que agora uma nova etapa se iniciava em minha vida, com o meu filho morando em outra casa, e que eu tinha de me adaptar a essa nova vida, quer sofresse ou não. Parado na porta, olhava as paredes nuas e o quarto vazio, apenas com o computador e a mesa, uma televisão de 20 polegadas, e sua cama que, naquele momento, decidi, jamais sairia dali. E ali fiquei por um bom tempo, olhando o quarto sem ele, suas coisas, seu sorriso, seu olhar... Pareceu-me ver o seu sorriso singelo e ouvir sua voz, suave, perguntando-me carinhosamente: “Oi, pai, tudo bem?”, sempre que eu batia à porta e entrava ou, então, chegava, para vê-lo e cumprimentá-lo. Repassei na memória toda a minha vida ao lado da minha família: esposa e um casal de filhos maravilhosos que Deus me dera na aurora da minha vida de casado. E, agora, ele tinha partido para seu novo lar: começando uma nova etapa em sua vida. Muitas coisas se passaram na minha mente, nos minutos que fiquei parado na porta, olhando para o quarto, agora cheio de saudades dele, depois de meses e dias de cansativos preparativos para o casamento. Continuei parado na porta, olhando e recordando, envolto ao silêncio triste e perturbador da alma que, sem a devida compreensão da vida e sua continuidade ante Deus, remete-nos à incompreensão da própria vida e à tristeza inconteste. De tanto olhar para o quarto sem ele, a pressão sangüínea na minha cabeça aumentou pouco a pouco, provocada pela emoção e pelas recordações que eu vivia naquele momento, do meu filho que partiu. Senti, no profundo da alma e na ternura do coração, a dor que a separação torna possível, nesses momentos de extrema e conflitante angústia existencial, em que o sentido da vida é algo tão vago e distante, na compreensão de quem fica, como a indesejável presença da morte, beijando a face de quem parte, no último instante de vida na Terra. É uma sensação dolorosa e difícil de explicar, pois a separação se situa entre a vastidão da beleza da alma e o restritivo momento em que dizemos adeus a quem amamos e que parte para uma nova vida. É difícil suportar a separação de quem tanto amamos, bem como a saudade que ela produz. Meus olhos se encheram de lágrimas. Sentia muita dor no coração. Uma dor que não permite compreensão, nem significado para senti-la, ou razão emocional para explicá-la, até mesmo suportá-la, por mais feliz que fique o filho que a gente ama, e que vai de nós, com a mulher dos sonhos do seu mundo futuro. Realização & Saudade Vê-lo feliz, naquela noite, na igreja, foi como olhar pelas janelas da alma e sorrir com a beleza da vida, que brinca com nossos sonhos e suspira com nossas recordações. E ele sorria de felicidade, com a alma e o coração alegres, como num sonho primaveril, que vem no silêncio da noite, enquanto o sereno cai, até o dia chegar. Ele realizou o sonho de sua vida: fizera, na faculdade, o curso que escolheu; formara-se, com distinção, aos 21 anos de idade; e agora, aos 27, trabalhava em um banco estatal, seu novo emprego, com trabalho primoroso na Gerência de Desenvolvimento de Sistemas, consolidando uma carreira vitoriosa até então. Naquele momento senti muito orgulho do meu antigo menino, agora homem feito, irradiando alegria e transbordando felicidade, diante do altar, da mulher que escolhera para compartilhar suas emoções, alegrias e tristezas, para além do tempo da vida, como o coração pedia. O que mais desejaria para meu filho? E foi então que me dei conta de quanta falta ele faria na minha vida, de quanto sentiria sua ausência em nossa casa, agora cheia de recordações dele. Eu sofria, no silêncio da alma, mas me consolava, na esperança de vê-lo sempre feliz, como feliz estava na noite do seu casamento. A verdade é que eu não estava preparado, psicologicamente, para sua partida, mesmo morando perto de mim. Achava que sempre o teria ao meu lado, sorrindo e falando comigo, olhando nuvens brancas no céu de outono ou contando estrelas nas noites de luar. Mas, vê-lo partir numa noite de sonhos e no tempo da vida, foi doloroso demais para mim. Ao vê-lo subindo o altar da igreja naquela noite, belo e formoso, sorridente e feliz, lembrei-me daquele menininho que outrora eu levava para a escola primária, durante a semana, e à praia, aos domingos, para brincar na água ou andar de bicicleta na orla, sem pressa do tempo passar. Mas, finalmente, o dia da partida chegou e, com ele, o da separação também, pois o dia da partida é sempre o dia da separação. E a separação é aquela dor que fere nossa alma até vê-la sangrar e sepultar nossas alegrias no jardim das recordações. Nunca me preparei para o “dia da partida” de um dos meus filhos, seja do Marcos ou da Marisa. E agora o Marcos estava partindo, indo para sua própria casa, viver sua nova vida e formar sua própria família. Então, dei-me conta, mais do que nunca, da falta que agora ele fazia em nossas vidas. Dei-me conta, também, da importância de ter um filho por perto, todos os dias, como parte da cítara que, no silêncio da tarde finda, toca para nossa alma a sublime melodia da saudade, para nos alegrar e embelezar as horas alegres da vida. Depois que ele partiu, passei a entrar com mais freqüência no quarto que ainda chamo de “quarto do Marcos”, na inconcebível esperança de vê-lo e senti-lo ali, em algum canto, em algum lugar ou objeto que ficou, e ouvi-lo dizer, como sempre dizia: “Oi, Pai!... Tudo bem?”, seguido de um singelo sorriso de afeição e prazer. Mas, em lugar de vê-lo e falar com ele, deparo-me com a saudade, o vazio e as lembranças que ficaram, que o tempo cuida em multiplicar em nosso coração. E assim, sempre que paro diante da porta do seu quarto, na esperança de vê-lo e falar com ele, saio de lá cabisbaixo, pensativo e triste, por não encontrá-lo mais ali e perguntar-lhe com satisfação: “Tudo bem, filho?”, e vê-lo sorrindo e olhando para mim. Mas vejo, em lugar de sua alegre e cativante presença, a cruel solidão que perturba, a brutal realidade que me assusta todos os dias e diz que ele não está mais ali. E, então, com a alma cheia de esperanças, lanço um último olhar para o quarto vazio, quieto, calmo, sossegado e repleto de recordações, fecho a porta devagarzinho, saio em silêncio e caminho até a sala, deixando para trás a saudade e a dor, revivendo os momentos alegres que passamos juntos.