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postado em: 4/7/2008
Meu Preceptor Inesquecível Fazia três anos que eu estava no colégio interno, para onde fui no final de 1967, aos 20 anos de idade. É um tempo longo demais para um jovem que deixa pais e irmãos e passa a viver sozinho, tendo como família, unicamente a comunidade escolar. No meu caso, havia uma diferença com relação a muitos outros alunos que, também, tinham deixado pais e irmãos e ido para lá. Com o passar do tempo encontrei “pais” e amigos, que deram novo sentido à minha vida. No final daquele ano completei 23 anos. Já me adaptara às normas do colégio, aos regulamentos e deveres, que estranhei quando cheguei. Pelos meus cálculos, viveria e estudaria ali nos próximos12 anos. Recordo de muitos momentos agradáveis e de muitas pessoas maravilhosas daquela época, cujo correr dos anos o tempo não consegue apagar. O nosso preceptor, por exemplo, pastor João Mendes Rabello, foi uma das pessoas mais íntegras, cristãs, pacientes e compreensivas que conheci em toda minha vida. Aprendi muito com ele, embora soubesse que eu o imitava com perfeição. Acho que compreendia o “atrevimento” como sendo uma travessura de aluno interno, mesmo com a minha idade à época. E, mesmo imitando-o, nutria um respeito, uma admiração e uma simpatia, até mesmo filial, para com ele, embora nunca dissesse. Lembro-me da sua esposa e dos seus cinco filhos: Jomar, Janei, June, Jansei e Jader. Durante todos os anos que fiquei no internato, eu o vi rir poucas vezes. Mesmo assim, discretamente. Em 1979, quando me formei e parti, ele ainda estava no colégio, como professor. Era do Rio Grande do Sul, da região de Lagoa dos Patos. Sua esposa, a professora Maria do Carmo Rabello, lecionava Psicologia no mesmo colégio. Apanhado em flagrante Lembro-me que, num certo período do antigo curso Ginasial, fui colega de classe das filhas do pastor Rabello, June e Janei. E, em 1971, colamos grau no mesmo curso. O lema era “A Ciência por Meta e a Perfeição por Ideal”. Eram 102 alunos formandos dos três turnos. As solenidades de formatura começaram numa sexta-feira, dia 10 de dezembro, com um culto de “Ação de Graças” dirigido pelo pastor Josino Campos. No dia seguinte, sábado, tivemos o culto de “Consagração”, com o professor e pastor Antonio Alberto Nepomuceno. E, na segunda-feira, dia 11 de dezembro, a entrega dos certificados, cujo orador pelo corpo docente foi o professor Edmir de Oliveira, o melhor professor de História que tive. O preceptor e a família dele sabiam que eu o imitava. E eu também sabia que eles sabiam. Sempre olho a foto do programa em homenagem ao “Dia do Professor”, apresentado na Capela Central, em 1972 (Colina 72, p. 19). No quadro “Sala dos Professores”, em que alunos homenageiam os professores mais conhecidos do colégio, alguns deles são imitados pelos alunos. Lá estou eu, para imitar, com todo respeito e perfeição, o pastor João Rabello. Quando me convidaram para imitá-lo no programa, disse que só o faria “com autorização do Diretor Geral”, Pastor Nevil Gorski. Ele autorizou, com a seguinte ressalva: “Conquanto que não seja para ridicularizá-lo”. E não foi. Creio que é a primeira vez que a família dele sabe disso. A intenção dos organizadores, e a minha também, foi homenageá-lo. Um dia ele me pegou, imitando-o, para o Antenor Manga, um colega de dormitório, que era da cidade de Vila Velha/ES, futuro cunhado do pastor Davi Marski, que se casou com Ruth Manga. Antenor tinha acabado de sair do banheiro e entrava no quarto, quando eu ia passando pelo corredor. Chegando bem perto dele, levantei a mão direita, como o preceptor fazia, mudei o timbre da voz e soltei a frase característica dele, para os alunos: “Tá positivo, caboclo?...” Mas, eu não tinha percebido que o preceptor estava a dois passos atrás de mim. Ele pegou-me na metade da frase. O Antenor ficou parado, olhando-me sem jeito, por que o preceptor estava de pé, com o molho de chaves na mão, olhando-me sério. Quando virei e o vi, achei que o mundo fosse acabar naquele momento para mim. Fiquei paralisado e, acima de tudo, envergonhado, por imitá-lo diante dele. Pedi a Deus para ter um poço bem fundo debaixo dos meus pés, para sumir dali o mais rápido possível, de tanta vergonha que fiquei. Finalmente, encontrei coragem para terminar a frase e sair, não sei como, para bem longe dali, sem ousar, sequer, olhar para o preceptor. Mas, pela sua bondade e pelo espírito de um genuíno cristão, o preceptor me perdoou, pois até hoje não me chamou para conversar com ele, sobre o assunto, na Preceptoria. Uma Pessoa Admirável Foi através deste episódio que percebi a grandeza do seu caráter e de sua pessoa, embora vivesse sempre calado, mas tratando a todos com respeito, ética e consideração. Longe dele os alunos o chamavam de “Rabelão”, mas com o devido respeito e a merecida admiração. E foi através deste episódio, também, que aprendi a admirá-lo, com a devida honra e o merecido respeito, e a lembrar-me sempre dele com bondade e afeição, como parte da minha longa vida no internato. Ele era assim. Sempre calado, cortês, amigo, companheiro... Um preceptor por excelência, cuja presença nos fazia sentir respeito e admiração por ele. Ainda guardo com muito carinho o papel com suas anotações, determinando fila e cadeira que eu deveria sentar, para os cultos matutino e vespertino, na capela do Dormitório I, que me entregou no meu primeiro dia no internato, o antigo Instituto Adventista de Ensino – IAE, atual Unasp – Campus I, São Paulo: “Fernando Silva Capela: j1 Quarto: 13”. Guardo, também, como recordação, além da passagem com que fui para o Colégio, de Belo Horizonte para São Paulo, pela Viação Cometa S.A., um “Pedido de Licença”, assinado por ele e pelo monitor Osvaldo (o preceptor deixava com os monitores o bloco assinado, quando se ausentava do dormitório), para ausentar-me do Colégio das 09h30 às 18 horas, do dia 17 de agosto de 1969, para ir ao centro da cidade (São Paulo). Nos meus últimos anos de internato, considerava o Pastor João Mendes Rabello, então professor da Instituição, meu grande amigo, cuja estima lhe dedico até hoje, pois os grandes amigos e os grandes homens, a gente nunca esquece. Sempre nos lembramos deles com respeito e admiração. Esses raros homens, feitos com têmpera à prova de intempéries, e à moda antiga, sempre deixam um rastro de retidão, honestidade e bondade, amor e respeito, que não esquecemos jamais. Quando cheguei, o colégio tinha três preceptores: ele, João Mendes Rabello (1964- 1968), para o Dormitório I dos rapazes; Albino Marques (1967), para o Dormitório II, e Nilza Barros (1965-1974), para o Dormitório das moças. O Pastor Rabello, foi a quarta pessoa que conheci no Colégio. A primeira foi um aluno que trabalhava num canteiro de flores do jardim; a segunda, D. Hilda Fumagali, secretária do então Diretor Administrativo (1963-1970) Pastor João Bork; e a terceira, o próprio Pastor Bork, que me recebeu e depois encaminhou ao preceptor, que me aguardava no topo da escada de entrada do Dormitório I. Eram 11 horas quando fui recebido pelo Pastor Rabello (cheguei às 7 horas no Colégio), no dia 12 de dezembro de 1967. O Céu estava claro e o sol brilhante. Ele me cumprimentou cordial e respeitosamente, com uma voz estranha e especial, que o passar dos anos me ensinou ser única, diferente, de um homem cuja bondade e amor ao próximo nos faz acreditar que a bondade de Deus existe e é evidente em nossas vidas. Em seguida, conduziu-me à Preceptoria, onde me deu, em poucas palavras, todas as orientações necessárias para permanecer ali, findas as quais me acompanhou ao quarto que me destinou, o 13, no andar térreo, onde viveria com mais três internos. Um deles era o Nelson Palay que, apesar de viver sempre sorridente, dava muito trabalho ao preceptor. Ele abriu a porta do quarto, deu-me a chave, mostrou-me a cama que seria minha e depois saiu. Deitado, olhei par o teto, fiz alguns cálculos mentalmente e disse comigo: “Meu Deus, terei de ficar aqui 12 anos!... Só sairei do colégio daqui a 12 anos!...”. E, então, senti uma profunda ansiedade no coração, naquele momento de reflexão existencial quanto ao meu futuro. O Colégio era um mundo estranho e desconhecido, onde tudo era novo, diferente até, para a minha compreensão de recém-chegado. Mas aquele seria meu “novo lar” nos próximos 12 anos. Ajustes na vida de internato O primeiro impacto da vida no internato foi saber que rapazes e moças não podiam sentar lado a lado no refeitório... E na Capela Central também. Tínhamos lugares marcados na mesa do refeitório e nenhum aluno podia trocar de lugar. Na Capela, sentávamos em alas opostas. A cada quinze dias os preceptores nos mudavam de lugar, na mesa do refeitório. Podíamos continuar na mesma mesa ou ser destinados para outra, a critério deles, a pedido nosso, ou conforme a conveniência da disciplina. As duas mesas de fórmica e pés de ferro, juntas, davam lugar a oito alunos. No espaçoso refeitório cabiam dezenas de mesas duplas, dividindo-o em duas alas de tamanhos desiguais (a do lado das moças era maior), pelo corredor de entrada, e duas filas, masculina e feminina, para as refeições, em lados opostos. Cada ala tinha seu balcão de alimentos. Na primeira quinzena do mês, as moças sentavam de frente para o corredor, e os rapazes, de costas. Quinze dias depois, os preceptores invertiam a posição e os rapazes sentavam de frente para o corredor. Era uma festa de novidades e surpresas para todos. Não agüentei ficar mais de duas semanas no quarto 13. Eu era o único que trabalhava para estudar. Pedi ao Preceptor para transferir-me para outro quarto, pois não agüentava mais a bagunça e o barulho dos outros três ocupantes. Além do mais, eu era mais velho do que eles. Fui transferido para o quarto 42, no segundo andar, de frente para o banheiro, onde vivi por quatro anos, dividindo-o com o Samuel Bentes, José Bezerra Neto, o “Zezinho”, e o Lutero, que também trabalhavam para pagar os estudos. Do quarto 42, passei a morar no “apartamento” que havia na área da piscina, para onde fui transferido para trabalhar, tendo como chefe o professor Orlando Rubem Ritter, que foi diretor de cursos, diretor Interno, diretor Acadêmico, vice-diretor Geral e diretor das faculdades de Teologia e, depois, de Educação, nas várias décadas que lecionou no colégio. Com ele trabalhei muitos anos em alguns setores da Instituição, sob a direção dele, até meu último dia no internato. Da piscina, fui para o quarto 105, no Dormitório II, de onde parti para a minha nova vida, quando terminei os estudos na faculdade de Teologia, tendo deixado pelo caminho o curso de Pedagogia. Deixei o colégio no dia 16 de dezembro de 1979, às 16 horas, 12 anos depois da minha chegada, e fui para a casa do pastor João Linhares, a quem sempre chamei de “meu pai paulista”, apesar dele ser paranaense. Até hoje sua única filha, Clarice, seu genro, Dr. Wilson Rossi, e seus netos, me consideram como “filho da família”. Nunca me esqueci do meu primeiro dia no internato nem do meu antigo preceptor e depois professor, João Mendes Rabello. A certa altura, com quase 30 anos de idade e duas estafas (nome que se dava antigamente ao hoje conhecido stress) e uma hepatite, que me deixou hospitalizado por 20 dias, e já cansado das normas e regulamentos do internato, pensei sair. Mas, mudei de idéia. Faltava pouco para completar meu ciclo de vida ali. Não podia jogar fora os anos de vida intramuros escolares e o projeto que formulei um dia para aqueles anos no internato. Tributo aos mestres Sofri até, mas, graças a Deus e a pessoas boas (diretores, professores e amigos), como os pastores João Stinglin Linhares, Orlando Rubem Ritter, e suas respectivas famílias, e o próprio pastor Rabello, conclui meus estudos. A esses “heróis da minha vida no internato”, os vivos e os que morreram, presto aqui um merecido tributo e digo, com todo o sentimento do meu coração e a profundeza da minha alma: Obrigado! Obrigado por me ajudarem, quando eu mais necessitava de ajuda! Cerca de dois anos após minha saída do internato, voltei ao colégio e procurei pelo pastor João Rabello. Fui encontrá-lo, creio que já aposentado, em sua residência, nos arredores da Instituição. Recebeu-me cortesmente. Conversamos por algum tempo e depois parti. Nunca mais o vi. Em 1987, com seu endereço nas mãos, escrevi uma carta para ele e ele para mim. Depois perdemos o contato. Alguns anos depois, liguei para o meu cunhado, Eliseu Caputo, que ainda estudava no antigo IAE, querendo saber notícias do Pastor Rabello, se sabia onde ele morava, etc., etc. Ele me disse: “Semana passada eu o vi aqui no colégio”. E o tempo passou. No dia 12 de junho de 2008, em Vitória/ES, 29 anos depois da minha saída do internato, minha esposa Rute, lendo as páginas de mensagens no Orkut, encontrou a família do pastor Rabello. Ela chamou-me imediatamente. Fui ver. Lá estava ele, ladeado por sua valorosa esposa Maria, sua filha Janei e seu genro, pastor Ivalter, mas, agora, firmando-se em uma bengala. Fiquei muito emocionado ao vê-lo, mesmo pela página do Orkut. Os cabelos continuavam os mesmos: brancos, lisos, penteados para trás... Como sempre. Pelo Orkut, descobri o e-mail da Janei. Escrevi para ela que, gentilmente, me respondeu, mandando o endereço dele em Curitiba, onde ainda mora com a família. Obrigado, Janei! Mandei para ele um exemplar do meu último livro, “Bailado das Sombras Felizes”, que acabei de publicar. Espero que ainda possa lê-lo. E, quem sabe, um dia, ainda nesta vida, Deus me permita à alegria de revê-lo, o prazer e a satisfação de poder abraçar e conversar bastante tempo com esse meu querido e precioso amigo. Hoje, neste artigo, fiz questão de dizer que o tempo não apagou da memória da minha vida e da saudade do meu coração os tempos felizes do internato. Quis lembrar o homem cristão que conheci quando jovem, e que foi um exemplo de retidão, amor e respeito, segundo os ensinos de Cristo, o meu preceptor inesquecível: JOÃO MENDES RABELLO.