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postado em: 15/8/2008
A Destruição do Saber Há alguns meses, chegou ao mundo ocidental a notícia de que clérigos ortodoxos Israelenses, alegando a preservação da fidelidade, originalidade e historicidade bíblicas do Velho Testamento, mandaram recolher e queimar, em praça pública, exemplares do Novo Testamento, que adeptos de igrejas cristãos ocidentais haviam distribuído gratuitamente, em Israel, especialmente nos lares de famílias judias de Jerusalém. O “vandalismo religioso/cultural” teve apoio de alguns segmentos da população local. Queimar bíblias (o Novo Testamento) em praça pública, nos dias atuais, é algo inadmissível para qualquer pessoa que tenha o mínimo possível de conhecimento da história do mundo, das igrejas e das religiões. Mesmo sob a alegação de preservação da pureza da religião judaica, não podemos aceitar tal brutalidade, como se fora um ato corriqueiro, oriundo da cultura oriental. O que se viu pela televisão e pelos jornais ocidentais, foi o retrato, não da preocupação da pureza da fé de um povo, que se diz escolhido por Deus e depositário da religião pura e verdadeira, mas da falta de amor, compreensão e tolerância desse mesmo povo, para com a história do mundo e a sua própria. A cena de centenas de exemplares do Novo Testamento, queimando em praça pública, faz-nos relembrar a barbárie da Inquisição, na Idade Média (476-1453), onde pessoas eram queimadas vivas, em nome da pureza da fé católica, sob a alegação de reprimir heresias, tanto no tempo do papa Gregório IX, em meados do século XIII, como no período de Sixto IV, que a estabeleceu na Espanha, em 1478, a pedido dos reis católicos, Fernando e Isabel, para vigiar os judeus marranos (relapsos, falsos cristãos) do século XV. No século seguinte, os mouros sofrerem as mesmas perseguições, até o governo de Felipe II, a partir de 1556. A Bíblia é a principal fonte de conhecimento da história do mundo antigo, dos primitivos grupamentos humanos, desde o Éden. E, também, da ligação entre Deus e o homem, entre o passado remoto e a história recente. É um marco histórico referencial de consulta da antiguidade, de valor inestimável. E o povo judeu sabe disso. E o Novo Testamento é parte dela. E, queimá-lo, ainda mais em praça pública, é algo que não podemos aceitar e, muito menos, ficar calados. Quem assim age, o faz, não em nome da pureza da fé de um povo, mas, unicamente, pela falta de pureza da fé, que ele diz professar. Além do mais, queimar exemplares do Novo testamento, em praça pública, para todo mundo ver, é mostrar a face obstinada de uma das religiões mais antigas do mundo, o judaísmo, em sua manifestação mais cruel e desumana, bem diferente daqueles ensinos que o próprio Deus passou a Abraão, Isaque e Jacó, e até mesmo ao próprio Moisés, que levou de volta para a Palestina, os judeus, cativos no Egito. Atos como esse, de intolerância para com aqueles que não professam a fé que os judeus professam, é vandalismo cultural e destruição do saber. É, com toda certeza, estupidez de conhecimento da história, que tanto dizem conhecer. Contestar o Novo Testamento, simplesmente pelo fato de não fazer parte do cânon e da história do Velho Testamento, e por relatar o nascimento, a infância, a vida e o ministério de Cristo, que os judeus negam (eles dizem que Cristo ainda há de vir) é, no mínimo, inaceitável. É pregar o amor de Deus pela metade. Como pode um povo, que se diz herdeiro de Deus, escolhido de Deus, descendente de Abrão, Isaque, Jacó e de patriarcas que falavam face a face com Deus, queimar o Novo Testamento, sob a alegação de que o mesmo não é a “Palavra de Deus” ao mundo, mediante a história, pregação e mensagem de fé, de Jesus crucificado? Que ignorância é essa, que faz com que, em pleno século XXI, clérigos e seguidores de seus ensinos, se comportem como nos dias anteriores ao conhecimento escrito do aramaico e, depois, do hebraico, línguas que o povo de Israel conhece e fala desde tempos imemoriais? Quando os Talibãs assumiram o poder no Afeganistão (1996-2001), mandaram destruir duas gigantescas estátuas de Buda, no vale de Bamiyan, cerca de 240 km a noroeste de Cabul. Uma tinha 38m de altura e 1800 anos de idade; a outra, 58m de altura e 1500 anos de idade. Tudo em nome da “preservação da fé”. Em outras palavras, para preservar a “pureza da fé”... Deles! Mas, que “pureza de fé” é essa que manda destruir monumentos históricos, cuja própria história é o retrato da história em si, apenas pelo prazer do poder de seus mandatários, obtusos e extremistas? Isso não é pureza de fé coisa nenhuma. É, isto sim, barbárie intolerante, brutalidade, ignorância e falta de saber. Ao longo dos séculos, povos e nações se incumbiram da destruição sistemática do saber, tendo, como ponto de partida, guerras e revoluções. E a própria ignorância. Com isso, destruíram as várias faces das artes e da ciência, bem como da linguagem, falada e escrita, em vários cantos e lugares do mundo, em tempos remotos do passado e do presente. Destruíram, também, muito das línguas primitivas puramente históricas, escritas e faladas, no passado antigo e recente: as escritas, foram esquecidas; as faladas, suprimidas. Vamos à Jerusalém do primeiro século de Era Cristã. Quando o general romano, Vespasiano, cercou a cidade de Jerusalém, no ano 63 d.C., e seu filho, Tito, a destruiu, sete anos depois, o que a história relata é que, ao final do cerco, no ano 70, a Biblioteca de Salomão foi totalmente destruída, juntamente com o Templo, pela selvageria dos soldados e pelo fogo. E o que foi mais doloroso para o povo judeu: pôs fim ao estado judaico. A Biblioteca de Alexandria, no Egito, uma das mais completas da antiguidade, com 700 mil volumes, foi totalmente queimada, na época de César. Recuperada, com uma coleção de 1 milhão de volumes, foi novamente destruída pelos árabes, em 641 d.C., com todos os seus valiosos livros, manuscritos e documentos judeus, gregos e egípcios, bem como o magnífico museu. Alexandria era um dos maiores centros intelectuais e culturais do império romano. A famosa Biblioteca de Constantinopla foi destruída durante o reinado de Constantino (306-337 – anos de reinado). Nem mesmo levaram em conta que, à época, Constantinopla era a maior cidade da Turquia e grande centro irradiador da cultura humana. A Biblioteca de Alesia, antiga cidade da Gália, atual França, último reduto da independência gaulesa contra os romanos, foi destruída no ano 52 a.C., por Júlio César. Possuía 200 mil volumes, com todo o conhecimento dos colégios druídicos, fundados pelos sacerdotes pagãos drúidas, dos povos celtas, principalmente da Gália e da Bretania pré-cristãs. A Biblioteca de Bizâncio, antigo nome de Constantinopla, foi incendiada em 196 d.C. pelos iconoclastas, certos sectários cristãos de Constantinopla, entre os séculos VIII e IX. Eles condenavam o culto das imagens e quebravam estátuas nas igrejas. Mas, aos olhos da verdade, não passavam de anarquistas que, ao extremo, afrontavam o saber. A ironia é que, reedificada, Bizâncio foi feita capital do império romano, em 330, por Constantino, o Grande. As 30 Bibliotecas de Roma, foram destruídas pelas hostes de Alarico, rei dos visigodos (370-410) que, depois de ter sido aliado de Teodósio, o Grande (346-395), imperador romano, comandando tropas góticas, em 409 conquistou e saqueou a Cidade Eterna, destruindo tudo. Durante e Idade Média, a literatura clássica e científica, consideradas satânicas e de ocultismo pelo clero, serviram para acender as fogueiras, que queimavam em praça pública os mártires da temida Inquisição, promovida, em nome de Deus, pela igreja Católica. No Peru, os índios tinham sua história preservada em cordões coloridos e com nós, presos a um pedaço de madeira, onde tudo era ali registrado: de cultos religiosos a estatísticas do império. Mas, quando os espanhóis chegaram, queimaram tudo, alegando que eles “continham bruxaria”. No México, os maias, um dos povos mais espetaculares do passado, preservaram seus manuscritos seculares, que os espanhóis também queimaram, quando chegaram lá. Dizem que só o Bispo Landa queimou 27 dos mais importantes manuscritos, e 187 de outros não tão importantes assim. Como conseqüência, hoje só se conhece, apenas, quatro manuscritos maias. Os escritos gravados na pedra foram destruídos, cujas pedras foram barbaramente quebradas com pesados martelos. Sabe-se que os maias eram avançados culturalmente, no conhecimento da astronomia e do cálculo, em que os espanhóis estavam atrasados. Quando os conquistadores chegaram, os maias já conheciam a grandeza Matemática Pi e a Via Láctea, à época, desconhecidas pelos europeus.. Ainda bem que, após o fim da ex-União Soviética, os eufóricos alemães, que puseram abaixo o Muro de Berlim, em novembro de 1989, não derrubaram o Portão de Brandenburg, símbolo de Berlim e da Alemanha unificada, e o retrato do saber artístico de um povo. Na segunda metade do século XVIII, a burguesia ganhava força e o rei da Prússia, Frederico Guilherme II (Friedrich Wilhelm II), iniciou um plano de reestruturação da cidade de Berlim, dando a ela mais esplendor. O projeto previa a construção de novas portas para o muro, que circundava a cidade. A reforma sofreu constantes atrasos. E somente em 1788 as antigas portas foram demolidas. As Portas de Brandenburg propiciavam ao rei acesso direto do palácio real até ao “Tiergarten”, seu maravilhoso jardim, na parte externa da cidade. O Portão, medindo 26m de altura, 11m de profundidade e 65m de largura (visto de frente), foi construído no estilo neoclássico, seguindo os projetos do arquiteto Carl Gotthard Langhans (1732–1808), com esculturas de Johann Gottfried Schadow (1764–1850). As obras foram iniciadas no ano de 1789. Três anos depois e, sem qualquer tipo de solenidade, concluídas e liberadas ao trânsito, no dia 6 de Agosto de 1791, com todo o seu esplendor e exaltada beleza artística. Em 1868, pôs-se abaixo o velho muro de proteção da cidade, que circundava Berlim, e acrescentou-se às extremidades das portas, dois pequenos pavilhões sobre colunas, projetados por Johann Heinrich Stack, eternizando a beleza, o esplendor e a cultura do povo alemão, permitindo, assim, a continuação do saber.