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postado em: 9/10/2008
O Abraço Inesquecível
O menino levantou-se do banco de madeira rústico da sala, saiu para o terreiro, olhou o pasto de capim colonião seco à sua frente e ao redor da casa. E ali esperou seus irmãos. Queria sair logo, antes mesmo de todos se juntarem a ele. Mas, como tinha apenas cinco anos de idade, não podia ir sozinho.
O calor do meio dia era insuportável. A umidade que evaporava do solo, fazia a terra "tremer", ao longe, para além das colinas e planícies extensas à sua frente. A ansiedade tomava conta do seu coração, embora se passassem, apenas, poucas horas, desde a partida de sua mãe. Estava apreensivo, ansioso, pois desejava ir, o mais depressa possível, ao encontro dela, que os aguardava, na casa da amiga da família, a uma légua de distância, em direção da cidade.
Quando a mãe saiu, pela manhã, disse para os filhos: "Vou na frente, com a Teresa, e depois vocês vão, à tarde. E eu os espero lá".
Teresa era sua filha mais velha.
O menino esperava os irmãos no terreiro. Quando todos se juntaram, iniciaram a curta viagem de mais ou menos uma hora de caminhada. A princípio caminhavam em silêncio, ao encontro da mãe.
Atravessaram o vau de águas rasas do rio que passava na frente da casa, lá na curva, cerca de 200m adiante, e seguiram pelo estreito caminho, sempre em fila indiana, felizes e despreocupados. Mais adiante, contornaram outra curva do rio, subiram uma elevação, passaram por baixo de uma cerca e, logo a seguir, chegaram à estrada de chão, a "Estrada Real", relativamente bem conservada, mas que, nesse trecho, era de areia fina. E, daí até a casa da amiga da família, onde sua mãe estava, era questão de pouco tempo.
O sol estava quente e os pés descalços das crianças afundavam na areia fofa da estrada deserta, por onde passava, uma vez por semana, um ou outro carro, em longos intervalos de tempo. Os mesmos carros de sempre: o jeep do "Seu Tintino", para a cidade de Itapetinga, e o micro ônibus da empresa ETMISA, em direção à cidadezinha de Nova Esperança, ambos, em sentido contrário. Iam e vinham. Vinham e iam. Nada mais.
A vastidão bucólica era o retrato do silêncio, da quietude, da extensão vazia e da solidão daquele solitário canto do mundo rural, há mais de cinqüenta anos. E, ainda hoje, é assim. Silêncio que invade a alma e acalma o coração; solidão que mexe com o coração e perturba a alma, de admiração e êxtase. E a alma do menino sentia aquela vastidão enorme à sua frente, em transe de esperança, de chegar e encontrar a mãe.
O coração acelerado e a intensa ansiedade expressa em seu rosto denunciavam a aflição de chegar depressa. Ele nunca tinha externado, com palavras, um sentimento de carinho à sua mãe. Mas, sabia que gostava muito daquela mulher simples, bondosa e atenciosa com seus filhos, que ele chamava de "Mãe". E, que as horas que os separavam, eram momentos eternos de pura aflição e afeição, pululando espaços de tempo perdidos, entre a angústia e a separação. Viu-se surpreso por sentir a ausência dela e a angústia de querer chegar. Portanto, chegar depressa, era o desejo que acalentava em seu coração de menino.
As curvas da estrada apareciam e iam ficando para trás, deixando as marcas dos passos repetidos na areia. Os trechos de areia intercalavam-se aos de pedregulhos e terra vermelha batida, que eles venciam sob o calor do sol escaldante. Ouvia-se, apenas, o cantar dos pássaros, as vozes dos irmãos e, de tempos em tempos, a leve brisa do vento e inambu e perdizes voando à beira da estrada, assustadas, à medida que eles se aproximavam e passavam.
Aqui e ali, o gado, Gir e Nelore, mojava, ruminando, sonolento, sob a sombra das árvores, indiferente a tudo à sua volta, até mesmo aos anus insistentes, que procuravam carrapato nas costas dele, no meio do pasto. Apenas olhava, ruminava e cochilava preguiçosamente. Estava acostumado com a presença de crianças... E com anus pretos e bicolores.
Finalmente, após uma hora de caminhada, chegaram. Ao ouvir as vozes das crianças que vinham ao longe, a mãe saiu da casa da amiga, passou o portão e alcançou a estrada, de onde pode ver os quatro filhos chegando, cansados, suados, mas contentes e felizes, pelo reencontro. Todos sorriram ao vê-la. Parecia que o tempo da separação, era a essência do amor, que renascia em seus corações infantis. Parecia que o castigo das horas, intercalando saudade e esperança, era a recompensa da espera, ao fim da pequena jornada, sob o quente calor do sol.
Então, o mais novo, apelidado "Neném", ao ver sua mãe, no meio da estrada, sentiu o coração abrir-se à voz da alegria, da saudade, da surpresa e da emoção. E, num impulso rápido, inesperado, sem que ele mesmo percebesse, deixou os irmãos para trás, correu em sua direção, abraçou-a fortemente e disse, apenas, uma única, mas impressiva e comovente palavra de amor e carinho, cuja significação era maior do que sua própria existência de menino: "Mamãe!...".
E ficou abraçado a ela, silenciosamente, por alguns momentos.
A partir daquele dia, a lembrança do encontro e da palavra com que manifestou o amor e o carinho de menino à sua mãe, nunca mais o deixou. O tempo passou, mas aquele momento mágico, inesquecível, ficou gravado em seu coração, confortado, e nos momentos de sua vida para sempre. E ele, mesmo com suas brincadeiras de menino, ficava pensando naquele momento mágico, deslumbrante, sublime, em que a vida registrou, no calendário do tempo, a felicidade em seu coração; naquele dia memorável em sua vida, e em que, pela primeira vez, abraçara carinhosamente sua mãe e dissera, no silêncio do seu coração e na profundeza da alma, a sublime e inesquecível palavra mágica da alegria do amor filial: "Mamãe!...".
Ele vivia e recordava. Recordava e vivia.
As recordações nada mais são do que a alma, extravasada de anseio e esperança, ante o altar da vida, implorando migalhas de tempo para existir. E existir é saber recordar. E saber recordar é saber viver. É compreender o motivo da vida, que se alarga para a distância dos anos, entre o nascer e o morrer, ante o silêncio de Deus e o convite da eternidade.
Talvez aí esteja o motivo das recordações do passado e da razão de viver. Mas, se eu perguntasse, o que são as "recordações do passado e a razão de viver", é possível que me responderiam que as recordações do passado, nada mais são do que a alma, extravasada, olhando para si mesma, no espelho do tempo, ante o altar da beleza da vida. E a vida nada mais é do que as horas que passam, dançando com nossos suspiros, brincando com nossas inquietações. E viver é recordar. E recordar nada mais é do que o segredo da saudade, para além das horas do tempo, que a vida deixou para trás.
E isso é amor. É sentimento, alegria, beleza, paz. É lágrima, no rosto alegre da alma, olhando os dias que passam, pela janela do tempo da vida de uma criança.
Quando o menino disse "Mamãe!..." e fechou os olhos e silenciou, a sublimidade da vida eternizou aquele momento único, mágico e encantador, em sua vida de criança de tenra idade. E ele sentiu a alegria e a felicidade baterem à porta do seu coração pequenino, naquele abraço inesquecível, que ficou registrado, no tempo da vida e na beleza das horas... Para sempre.
A mulher, Artêmia, era minha mãe. E o menino, era eu.