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postado em: 17/10/2008
“O Senhor Esqueceu o Arroz” Após conversar com o médico sobre os resultados dos exames (que estavam todos normais) do meu filho e da esposa dele, fui a uma loja de antiguidades de um amigo meu, para ver as novidades e conversar com ele. Conversa vai, conversa vem, num dado momento, pois se aproximava do meio-dia, perguntei-lhe: “Robson, onde você almoça?”. Ele respondeu: “Eu não almoço nem tomo o café da manhã, só janto”. Achei estranha a resposta, de que não almoçava nem tomava o café da manhã. Apenas jantava. E ele não é magro. Era segunda-feira e a fome começava a chegar. A loja fica perto da Praça Misael Pena, onde a Prefeitura de Vitória-ES instalou e mantém, nas dependências do SESC, um restaurante popular, no estilo self-service, ao preço convidativo de R$ 1,00 por refeição. Resolvi experimentar a novidade, mais pela tentação do preço do que pela qualidade da comida que, até aquele momento, não tinha a mínima noção como era. Ignorando sua resposta, convidei-o para almoçar comigo. Mas, para minha surpresa, ele recusou o convite, repetindo que “não almoçava nem tomava o café da manhã”. Só jantava. Então, resolvi ir sozinho, para experimentar a comida e conferir se o preço era, realmente, de apenas R$ 1,00. E era. Enfrentei uma tediosa fila, que dobrava a primeira esquina do prédio do SESC. Tediosa, porque ficamos entre pessoas que nunca vimos, não sabemos seus nomes, além da dificuldade para puxar uma conversa, mesmo banal. Nunca se sabe da reação de pessoas que abordamos pela primeira vez. Fiquei pensando em como fariam os clientes para esperar, na fila, em dias de chuva e de muito sol, pois apenas a calçada da frente do prédio tem proteção contra sol e chuva. Um senhor, que estava próximo, dissipou meu dilema. Ao conversar com ele e falar sobre os dias de chuva, na fila, ele me disse: “Quando chove, quase não vem ninguém”. Continuei em marcha lenta, por longos e cansativos 30 minutos. O senhor à minha frente parecia não gostar de água nem de tomar banho e, muito menos, de usar desodorante. Os três adolescentes, logo atrás, faziam de tudo para chamar a atenção: estavam com os lábios, as sobrancelhas, os supercílios e os narizes cheios de piercings. As roupas e os cabelos identificavam o estilo de vida deles... E falavam alto. Quando a fila avançava, eu procurava retardar um passo e ficar distante do senhor que não cheirava bem. O céu estava nublado. E a fila andava lentamente... Finalmente, depois de muito esperar, estava prestes a subir o primeiro degrau da pequena escada da porta de entrada do restaurante, quando percebi que havia duas filas: a grande, onde eu estava, e a pequena, com seis pessoas. Perguntei à senhora ao lado, do motivo das duas filas, e ela me disse que a outra, de seis pessoas, era a dos “idosos”. E, olhando-me com atenção, como que tentando adivinhar a minha idade, ou por me achar com cara de velho, disse, meio sem jeito, que eu poderia ir para lá. Eu disse a ela que, depois de tanto esperar, preferia ficar onde estava. Quando me virei para ver o tamanho da fila, vi um senhor alto, cabelos brancos, curtos, sorrindo cortesmente e cumprimentando as pessoas e sendo por elas cumprimentado, com toda a atenção possível. Logo o reconheci. Reconheci, também, depois dele, o prefeito de Vitória, João Coser, na casa de quem estivemos no último dia 10 de junho, para um jantar com a classe artística local, em companhia do então presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Leonardo Passos Monjardim, como representantes do Instituto. Fui até lá, parei diante do senhor alto e o cumprimentei com um “Como vai, Senador, o senhor por aqui?! Seja bem-vindo a Vitória”! Ele olhou para mim, sorriu educadamente, apertou minha mão, respondeu ao cumprimento e agradeceu. Era o Senador Eduardo Suplicy, que tinha vindo a Vitória para falar num seminário promovido pela Secretaria de Ação Social da Prefeitura, no dia 29 de setembro passado. A maneira como me cumprimentou e cumprimentava as pessoas, deixou-me impressionado. Fora dos faustos do poder senatorial, do esplendor arquitetônico de seus aposentos e gabinetes oficiais, era previsível que um Senador da República, como tantos outros senadores, mantivesse a áurea de poder e autoridade que evocam para si, quando estão longe do mundo político de redoma de vidro de Brasília, ou no período eleitoral, sorrindo mecanicamente, abraçando e cumprimentando as pessoas (e beijando criancinhas de fralda molhada), principalmente as socialmente inferiores, ou, então, fazendo tudo isso, com certa precaução, prevenção e distância. Mas ele, não. Ali estava um “Senador da República Federativa do Brasil”, na fila de um restaurante popular de R$ 1,00, como qualquer outro cidadão, esperando sua vez de chegar ao caixa, pagar e entrar para comer. E, acima de tudo, atendendo a todos de igual modo. Chegou a minha vez de entrar. Peguei uma nota de vinte reais e passei-a para a moça, pelo buraco em forma de meia-lua do vidro do caixa, que ela recusou. Disse que só recebia notas de até dez reais (estava no papel de aviso, colado no vidro, que eu não tinha visto). Dei o lugar a outro. O guarda me disse que eu poderia ir trocar o dinheiro, voltar e ir direto ao caixa, pois ele estava ciente e me deixaria entrar. Saí para trocar o dinheiro. Pensei ir embora, mas, peregrinei até uma farmácia e consegui trocar a nota de vinte reais por duas de dez. Na volta, o guarda cumpriu o que disse. Após passar pela catraca, outra fila, desta vez, para pegar a comida. Olhei e, novamente, lá estavam o Senador e o Prefeito. Quando chegou a minha vez de me servir, estávamos juntos, na fila, na seguinte ordem: eu, o prefeito e o senador, logo atrás. Servi-me da salada, mas não percebi o arroz. Num certo momento, servindo-me do macarrão (que quase nunca como), o Prefeito me disse: “O Senador está querendo lhe falar”. Olhei para o Senador e ele me disse: “O senhor esqueceu o arroz”. Por uma questão lógica de ética e educação de momento, disse-lhe: “Peguei o macarrão”. O Prefeito virou para o Senador e disse, referindo-se a mim: “Ele não come arroz”. Aquela observação espontânea do Senador deixou-me surpreso. Como é que ele percebeu que eu não tinha apanhado o arroz? Um fato comum, corriqueiro, banal, até mesmo para os desatenciosos, que deixam de pegar determinados alimentos na fila do self-service. Mas, ele, notou o simples detalhe do meu esquecimento. E, além de notar, fez questão de avisar-me do “esquecimento”, com cortesia e educação, como poucos o fazem. Agradeci a gentileza da observação e continuamos. Fiquei em uma mesa onde, logo a seguir, chegou uma moça que me fez companhia. A esta altura, o Senador já tinha a companhia do Prefeito, da Secretária de Ação Social do Município e de suas assessoras. Ocuparam duas mesas juntas, a dois metros de nós. Perguntei à moça, apontando discretamente para o Senador: “Sabe quem é aquele senhor ali, naquela mesa?”. Ela me respondeu: “Sei. É o Senador Eduardo Suplicy. Ele acabou de fazer uma palestra lá na Prefeitura e eu assisti. Tem uma memória!... Sabe tudo. É muito culto, inteligente, além de educado e simples”. Concordei com ela, pois tinha visto e sentido, na prática, a confirmação de suas palavras, sobre a educação e a simplicidade dele. Mas, o que mais chamou a minha atenção foram sua simplicidade e cortesia, para com as pessoas que se aproximavam dele. Após terminar a refeição simples, cuja opção de reforço do dia era ou ovo ou carne ralada, que a pessoa escolhia (não podia ser os dois), vi-o retirar o papel celofane que envolvia a sobremesa, um doce de leite comum e barato, comê-la calmamente, como se estivesse saboreando deliciosas “Capezzoli di Venere” (Auréolas de Vênus – castanhas romanas carameladas com Brandy) no castelo de Versalhes, na França, no castelo do Duque de Cesarini, na Itália, ou em companhia do imperador José II, da Áustria, resfastelando-se de finas iguarias na mesa do rei, do duque ou do imperador. E o mais impressionante: não procurava chamar a atenção de ninguém sobre si. Era como se fosse um homem comum, como a maioria dos homens à sua volta. Estava ali anonimamente, de camisa de mangas compridas, sem gravata, sem se promover ou esforçando-se para ser visto. Então, pensei: “Que homem incrível!. Se todos os senadores fossem assim, a política, pelo menos no Brasil, seria melhor e, o País, melhor ainda”. Terminada a refeição fui até a mesa dele, agradeci a gentileza da sua atenção e fui embora. E fiquei pensando naquele homem importante, educado, simples, que me vira pela primeira vez, mas notara, na fila para a refeição, que eu não tinha me servido do arroz. E, sem criticar-me por não “comer arroz” (na verdade eu como), disse-me, apenas, uma única frase educativa e civilizada, mas que revelava toda sua importância senatorial, envolta na áurea mística da simplicidade humana, de quem não se importa com o fausto do poder: “O senhor esqueceu o arroz”.