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postado em: 9/4/2009
Quando Vi o Mar...
Nunca pensei que fosse tão encantador ver o mar. Estava acostumado a brincar e a nadar no rio Catolé, que passa pela cidade onde vivi parte da minha infância. Mas sempre desejava vê-lo, molhar os pés na água fria e salgada, com a espuma branca deslizando, suavemente, sobre ondas revoltas que morrem, languidamente, na areia silenciosa da praia.
Este era meu desejo.
Estava com 16 anos de idade e nunca tinha visto o mar de verdade. Conhecia-o apenas pelas fotografias de postais e revistas, e pelos filmes que assistia, quando podia, nas matinês de domingo, no Cine Teatro Fênix.
Ficava maravilhado com aquela extensão de águas, que se avoluma à medida que se distanciam da praia. Eu imaginava que os navios eram passagens de sonhos, que a cada dia ficavam mais próximos de nós, como as recordações, respingando gotas frias e bolas de espumas brancas em nossos corpos, molhados e queimados de Sol.
E, cada vez que me imaginava diante do mar, sonhava pisar na praia, molhar os pés na areia, sorrir de contentamento, andar calmamente na orla, abraçar a brisa e suspirar, feliz, como se fosse o último ato de minha vida.
Quanto mais sonhava ver o mar, mais o desejo aumentava...
Até então, nossa diversão preferida era tomar banho no rio, aos domingos e nos feriados, principalmente nas manhãs de domingo de Sol. Era como se Deus reservasse esses dias, para deixar o Sol brilhar em todo seu esplendor, para podermos nadar e brincar, de uma margem à outra, rio abaixo e rio acima, horas e horas sem parar, até a fome chegar.
Três eram os trechos preferidos para a diversão: o da olaria, perto da sede da fazenda do Dr. José Vaz Espinheira, que foi prefeito da cidade por três vezes, atrás da cadeia pública, e na fazenda de Manoel Quiabo, acima do matadouro, cerca de três ou quatro quilômetros abaixo da olaria, pois o rio contornava a cidade. Atualmente, devido ao seu crescimento, passa pelo meio.
Lembro-me de que, certo dia, um grupo se formou para “passar o dia na praia” e “tomar banho de mar”, no domingo, na cidade de Ilhéus (BA), a 145 quilômetros de distância. Éramos amigos e membros da incipiente igreja Adventista do Sétimo Dia, em seus primeiros passos na cidade de Itapetinga-BA, onde me tornei adventista, na década de 1960, e cujo distrital era o amável pastor José Pereira.
E lá fomos nós, alguns não tão apreensivos quanto eu, mas com pressa de chegar, aproveitar o dia e retornar para casa, queimados de Sol e olhos vermelhos, para todos verem que “estivemos na praia e tomamos banho de mar”.
Ao chegar, entrei logo no mar. Ficava esperando a onda se aproximar para mergulhar e emergir depois, olhos ardendo, fôlego à boca, mas orgulhoso, por vencer a onda, certo da minha fragilidade ante o poder de sua força e de seu perigo também.
Eu estava em meio à vasta extensão espelhada do mar, como um rei, nas ameias de seu castelo, no alto da colina, olhando e admirando a extensão de seus domínios e a grandeza do seu poder. E flutuava nas águas, feliz, despreocupado, suspenso entre a Terra e o Céu, como um menino, encantado, sem pressa de o tempo passar.
Aos poucos, fui me acostumando com a água gelada e salgada do mar, à altura da minha cintura. Era assim por mais de 150m, e a praia ia ficando cada vez mais distante. Então, de repente, tive medo de morrer no mar. Tive medo da água se avolumar, a corrente se zangar e me levar para longe, para nunca mais voltar. Voltei para mais perto da praia, para viver intensamente minha alegria daquele domingo de Sol, que jamais esquecerei.
As ondas vinham e passavam por cima de mim. Respingavam espuma branca em meu corpo frágil, como a marcar as alegrias do mundo em cima das horas do tempo, fazendo-me sentir o supremo prazer da alegria de viver, como um menino, feliz, ao receber seu primeiro brinquedo, com o qual sonhou, por horas e dias de excitação e espera.
Naqueles momentos de suprema alegria da vida e de ego satisfeito de prazer, senti-me dono do navio dos meus sonhos, orientado pelas estrelas da vontade, singrando os mares da vida e dos momentos de poder sonhar, olhando a extensão do mar e o barulho das ondas, arrebentando-se na praia e deslizando na areia fria, até morrer na areia ou correr de volta para o mar, ante meus olhos atentos.
O mar era uma extensão muito maior do que eu imaginara, olhando fotografias de postais e revistas e vendo filmes nas matinês de domingo.
É muito diferente ver o mar por fotografias e, de repente, estar diante dele, olhando sua extensão e grandeza, com as ondas se quebrando, chorosas, na praia lisa e molhada, debaixo dos nossos pés. Senti-me, realmente, como um rei, orgulhoso, nas ameias de seu castelo, olhando e admirando a extensão de seus domínios e a grandeza do seu poder.
Foi uma viagem inesquecível. E até hoje, revivendo-a em meus momentos das lembranças do passado, fico a imaginar meu deslumbramento ante a vastidão misteriosa das águas, o encanto de “marinheiro de primeira viagem” e a beleza do mar, que eu tanto queria ver.
Anos depois, em 1993, em uma das viagens à Itapetinga, desta vez, para o velório do meu saudoso e querido pai, Otaviano Ferreira Silva, de volta a Vitória (ES), passei por Ilhéus, para rever a cidade, o mar e a praia de minhas recordações de adolescente.
Estava apreensivo, à medida que me aproximava do mar, como da primeira vez, no tempo que a vida deixou para trás. E, finalmente, lá estava ele, sereno, majestoso, grandioso, desafiador, no mesmo lugar de sempre, de quando Deus o formou e deixou ali.
Fiquei emocionado por vê-lo novamente, revivendo tudo outra vez, feliz, como o jovem que eu era outrora, e que voltava para recordar o tempo que passou.
Minha vida agora era outra. Estava acompanhado do meu filho, Marcos, quase com a mesma idade que eu tinha à época, quando vi o mar pela primeira vez.
Ao chegarmos, notei mudanças marcantes na paisagem à minha volta. No lugar da antiga barraquinha de água de coco e peixe frito, havia um confortável hotel de sete andares e onde, até o dia anterior, uma equipe de filmagens, de produtores e atores, de uma rede de televisão do Rio de Janeiro, estivera hospedada ali, para filmar uma novela de época, em uma fazenda, há dez quilômetros de distância. Tudo estava diferente. Somente a praia, o mar, o céu e o Sol, eram os mesmos.
Olhando com admiração o mar, era como se tudo fosse como antigamente, quando ali estive pela primeira vez, brinquei e voltei para casa, queimado de Sol e com os olhos vermelhos, de tanto driblar as ondas e mergulhar debaixo delas.
Olhei para a direita e, no lugar das casas simples dos pescadores de então, vi belas casas de alvenaria de até três andares, a margear a praia diante de mim. A saudade bateu forte no coração, que chorava e ria ao mesmo tempo, de alegria e tristeza, com tantas recordações. Senti a tristeza da nostalgia e, depois, uma imensa alegria invadir meu coração, extasiado e feliz, por estar ali e recordar o tempo que passou.
Por alguns momentos fechei os olhos e revivi tudo outra vez: as ondas quebrando na praia, a espuma branca morrendo sobre ela, a alegria dos amigos, o mergulho sob as ondas e a felicidade batendo à minha porta de adolescente que sonhava ser grande e ter o próprio mar de suas recordações.
E, agora, eu estava diante dele outra vez: o mesmo mar, a mesma praia, o mesmo Sol e o mesmo céu, na mesma cidade, porém, anos depois, recordando o dia em que realizei meu primeiro sonho de adolescente, que queria ver o mar e brincar em suas águas, até a noite chegar.
Eu estava num transe de alegria ininterrupta, naquele dia distante de minha vida. Então compreendi que a felicidade vive e reside em nosso coração, nos momentos mais sublimes da vida, mesmo nas águas frias do mar, num curto intervalo de tempo, admirando a beleza de uma flor ou o sereno que cai, em silêncio, brincando com a escuridão da noite, embriagada de sonhos e ilusões multiformes. Compreendi que a felicidade não se separa da vida. Mas que, sem ela, a vida nada seria e, muito menos, existiria.
Entrei e saí do mar uma única vez. Fiquei vivendo a vida, em transe de alegria imorredoura, nas horas alegres do tempo, brincando como menino, nadando em sonhos e ilusões, como a sentir a esperança da vida em cada onda que vinha e passava, à medida que eu fechava os olhos e mergulhava para ela passar.
E assim foi, durante duas horas seguidas, até me cansar e voltar à praia, tiritando de frio. Estava feliz e realizado, por ter conhecido, amado, brincado com a espuma e fugido das ondas, naquele radiante dia de domingo de Sol, num tempo distante da minha vida, quando vi o mar pela primeira vez.
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