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postado em: 12/6/2009
A Ternura do Coração
Atribui-se a Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido por Che Guevara ou El Che (14 de junho de 1928, Rosário, Argentina – 09 de outubro de 1967, La Higuera, Bolívia) médico, fotógrafo, escritor, político, revolucionário e guerrilheiro argentino, a frase que passou para a história como um emblema de identidade e sublimidade do coração: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”. Ou então: “Hay que endurecer, sin, contudo, perder la ternura”.
Traduzida, ao pé da letra, a frase seria mais ou menos assim: “Temos que ser duros, porém, sem jamais perder a ternura”. Ou, então: “Temos que endurecer, sem, contudo, perder a ternura”.
A primeira parte da frase “Hay que endurecer” – temos que ser duros, faz lembrar, um pouco, os chamados “Anos de Chumbo”, a fase mais repressiva da ditadura militar, que assumiu o poder no Brasil, em 1964, e deu novo rumo à vida da Nação.
A ternura é o sentimento que se traduz como sendo a doce e suave voz do coração, que tanto deixou Guevara entre a dor, o ódio e a esperança de um mundo melhor para todos, pelas armas da revolução. É o carinho, a meiguice, a doçura, o afeto, a compaixão.
A ternura nos faz esquecer dos momentos mais tristes da vida e das aflições do passado. Enche o coração de emoções duradouras e alivia-nos do suplício das angústias de cada dia. É a voz suprema da meiguice, ante os influxos dos sentimentos mais sublimes da alma.
É como se fosse o tênue nascer do sol de inverno, à beira do lago de águas tranqüilas. Ou, então, a exuberante luz do Sol, sob a amplidão do mar, que vai brilhando mais e mais, à medida que as horas passam, à espera da efusão plástica, do entardecer de verão, que contemplamos, num misto de ternura e compaixão, por sua beleza e magia. É o lamento do regato que corre, por entre vales e campinas, e da solitária folha que baila, na imensidão do espaço, sem destino determinado, e tempo certo, para cair e morrer.
Este é o melhor retrato que posso fazer, ou pintar, da ternura do coração.
É como ver os pescadores, voltando para suas casas, após um dia inteiro de alegrias no mar. É como o Sol, no final da tarde, sumindo devagarzinho, suplicando ao tempo para voltar outra vez, no dia seguinte, sobre montanhas e prados que, em sua ausência noturna, dormem, serenamente, sob o sereno e o luar.
Ternura é amor, é beleza, é vida. É a canção da alma, diante do espelho da vida, do silêncio da manhã, que surge, e do entardecer, que morre, como se fora à última canção da vida, que a vida anseia cantar.
A ternura é como setas incendiadas, na beleza da alma e na pureza das nossas inquietações, para além do amanhã da vida. Por isso, não posso profanar, nem a beleza da minha alma, nem a pureza de minhas inquietações. Nem posso aprofundar-me no âmago do seu querer, para não sofrer a ingratidão da distância.
A ternura do meu coração volta-se para o mar. Uma alegria imensa invade meu ser, por sentir a beleza de cada instante. Com júbilo, penso ter encontrado a explicação da beleza, para a minha alma, em ebulição de ternura.
Não pensava que fosse aprofundar-me tanto no âmago do meu próprio Eu, nem que sofresse tanto, na busca da ternura, pela definição da beleza, que invade meu coração. Mas, enfim, aqui estou, falando de coração, de beleza e de ternura, como uma criança que salta e ri para a vida, nas primeiras horas do dia; como a flor que nasce e se abre, para a vida primaveril.
Então, penso, no profundo do meu amor pela ternura, que os pescadores são como a beleza do oceano, navegando com seus barcos, em dias de sol e calor. Porém, ao lançarem suas redes e aprisionarem os peixes, nada são, senão, algozes desesperados, do prazer de aprisionar.
Olhei, fixamente, para o mar, calmo, silencioso e belo, esperando a noite chegar. Notei que meu olhar era distante e perdido, como o lamento do vento, à procura da noite fria, que espera a brisa passar. Eu estava perdido na distância do próprio mar e na meiguice serena da ternura, que meu coração sentia.
Houve um profundo silêncio entre o silêncio do mar e a ternura do meu coração, absorto, na contemplação da vida, em seu transe existencial. Sofria a dor do compadecido. Sentia isso pela respiração, que flutuava no éter dilusório do tempo, naquele momento de profunda reflexão existencial, com pena dos peixes, nas redes dos pescadores.
Olhei, serenamente, no infinito do tempo da vida e no templo da ternura que sentia, a fim de encontrar a explicação para a minha própria ternura e para a frase de Che Guevara, que eternizou, de maneira brilhante e sublime, a reflexão, no semblante da meiguice do coração do homem, que aprendeu a amar.
Depois, em silêncio, caminhei em direção ao mar e, em silêncio, abracei o vento, na esperança de abraçar a ternura do meu coração, como o sereno abraça o luar, pelo sofrimento dos peixes aprisionados, nas redes dos pescadores. Mas, nada disse. Apenas observei os pescadores com suas redes de pescar. Fechei os olhos e permaneci em silêncio, como o tempo dos anos, à espera das estações.
Meu silêncio era como a voz da eternidade, que lança seus braços para o infinito, tentando segurar o tempo, para a vida poder passar. Eu tinha sonhos a descobrir e desejos a libertar. Então, cheio de esperanças, em minha contemplação do esplendor da vida, compreendi a esperança da própria esperança da vida, na ternura do meu coração.
Meu coração sofria com a ternura, postada diante de minhas inquietações, fazendo-me lembrar das redes dos pescadores. E, para encanto das horas e surpresa do meu viver, descobri que a ternura da vida, que tanto procuramos, está enraizada em nossa própria alma maravilhada, em contrição de suplício, ante o altar da beleza, no templo silencioso da sublimidade do coração.
Lembrei-me de minhas indagações, ao observar os pescadores no mar, de volta para suas casas, com suas redes de pesca. E concluí que a ternura vive entre nós e conosco. Dança com nossas inquietações e brinca com nossos suspiros. Cerca-nos a cada instante, e não a percebemos diante de nós. Envolve-nos em seus braços de compaixão e em seu despertar sublime, e não a sentimos se aproximar. Surge diante de nós, como a alma, ajoelhada, diante do espelho, admirando a imagem do tempo em seu próprio espelho, e não nos convencemos de sua presença.
É por isso que sofremos.
E é por isso, também, que perdemos a ternura da vida, pois a ternura nada mais é do que o semblante da vida, no rosto do tempo, abraçada à eternidade, embalando-nos em seus braços sublimes. É a alegria da erva, que cresce em profusão, sobre prados em flor; o encanto da flor que desabrocha e o coração que suspira, em êxtase, pelo dia de amanhã, sangrando de compaixão, em suas horas primeiras.
E, então, compreendi que a ternura é a beleza suprema da vida e a sublimidade encantadora da alma. Que, sem ela, a vida seria vazia, como os dias sem esperança; o tempo, sem o amanhã; os mistérios sem o segredo. Sem a ternura, o amor é uma ilusão; o beijo, um sacrilégio; e o querer, uma distração passageira. Sem a ternura, não podemos viver nem cantar; nem sentir, nem pensar; nem sorrir e, muito menos, amar.
E, então, e só então, minha pequenina filha Marisa, fechou os olhos e dormiu, nos braços das horas da vida e da sublime ternura do coração de Deus.
Fernando de Almeida Silva
Editor Associado
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