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postado em: 23/4/2010
Nem The Beatles e Nem Rolling Stones
Eu era um garoto que amava a brisa, a vida e a liberdade. Mas, nunca amei os The Beatles nem os Rolling Stones. E muito menos os “Engenheiros do Hawaii”, mesmo porque, naquela época, não me importava, a existência de The Beatles e Rollings Stones, e de metralhadoras, cuspindo fogo sem parar, num tá, tá, tá medonho e destruidor. Só sei que amava o ar, a chuva, o vento, o Sol, o sereno, o luar. Amava as pradarias silenciosas e o orvalho que caía à noite e brilhava ao sol da manhã.
Amava a água do rio, do regato, singrando planícies, vencendo distâncias, chorando nas corredeiras, até chegar ao mar. Amava a gota de água caindo das folhas das árvores, tortas de peso, e molhar a terra. Amava a noite, as estrelas, a alvorada. Amava a ternura do dia, da tarde, a lenta agonia do sol, antes de partir, iluminando partículas microscópicas de poeira no ar, numa profusão de luzes e cores, de beleza plástica sem igual.
Deixei de amar o trovão, a tempestade, porque me faziam sofrer, com os estrondos e raios assustadores. Eu me assustava com a tempestade. Tinha medo do trovão. Era como se o estrondo invadisse meu ser e fizesse tremer meu ego, como a perplexidade do garoto que “amava os Beatles e os Rolling Stones”.
Sentia, a um só tempo, a complexidade teologal do Santo e do profano dentro de mim. E, nessa complexidade existencial, efervescia a inquietude do Santo e do profano interrogador, que queria explicações que, à época, não podia e não sabia como explicar. E, então, via Deus, me falando ao coração, mostrando-me, não somente “as coisas lindas da América”, mas as coisas belas da vida.
Não “girei” o mundo. Não era belo. Não toquei guitarra. Não recebi carta. Não lutei no Vietnã. Não cantei “viva, à liberdade” nem “as coisas lindas da América”. Mas andei por lugares onde a vida me levou e as esperanças me seguiram, sempre sonhando com um mundo melhor.
Cantei canções que o coração sentia e ditava cantar, até a extrema aflição sofredora da alma em aflição e os acordes soltos das melodias que ouvia. Passei de um lugar a outro, de um tempo a outro da vida, até compreendê-la, sob a voz da razão, que dilacerava de alegria e dor o coração em êxtase.
Mesmo ignorando os distúrbios culturais da época, que achava sem lógica e explicação, optei por viver das esperanças que a juventude cantava, mas, distanciar-me cada vez mais das desilusões sociais de sua pregação radical. Desilusões que, pensava, não existiam, mas que, à luz da razão, surgiam a cada momento, sem trégua e explicação, quer pela síntese de sua própria incompreensão radical, quer pela incompreensão do mundo daqueles jovens.
E, cada vez que eu parava e olhava o mundo ao meu redor, procurando viver os anseios que o coração ditava, parecia-me ouvir os acordes sincopados de “era um garoto...” que “amava os Beatles e os Rolling Stones”. Mas, também, nunca parei para pensar no que teria sido minha vida, se tivesse amado os The Beatles e os Rollings Stones, lutado na guerra do Vietnã, girado o mundo e cantado “as coisas lindas da América”, que tanta gente cantava.
Abria os olhos e lá estava eu, diante do mundo que se transformava, pela vontade de jovens barbudos, empunhando a bandeira da liberdade. Era um frenesi contínuo de cabeludos sujos e drogados magricelas, chamados “Hippies” (de hippie, termo derivado da palavra em inglês hipster, que designava as pessoas, nos Estados Unidos, que tinham envolvimento com a cultura negra, e que foi usado, pela primeira vez, pelo jornalista Michael Smith, em um artigo de um jornal de São Francisco), adeptos de LSD, haxixe, psilocibina e marijuana (maconha). Andavam vestidos de andrajos multicores por ruas e cidades de vários países, ao som de guitarras coloridas e acordes ensurdecedores, nos festivais liberais, como no “Verão do Amor” e em Woodstock, em agosto de 1969, e em praias e acampamentos improvisados, principalmente na América.
Os “hippies”, ficaram conhecidos como parte do movimento de contracultura dos anos 1960. Se não eram os The Beatles, eram os Rolling Stones. Se não eram os Rollings Stones, era o Led Zeppelin, o The Doors, o The Who, o The Kinks, os Mutantes, os Secos e Molhados, os Novos Baianos. Se não eram os Novos Baianos, eram outras bandas, outras vozes e outros acordes, na inspiração maior de Janis Joplin, Jimi Hendrix, Carlos Santana, Pink Floyd e, até, dos brasileiros Raul Seixas e Zé Ramalho. Eram os “Engenheiros do Hawaii”. Eram tantos, que não preciso contar, cantando de forma intuitiva para criar um novo estilo sonoro.
Eles estavam em todos os lugares, com seu ideal pacifista mas, com o pé no contraponto anarquista de suas idéias, pois eram contrários à guerra e à violência. E a mensagem era sempre a mesma: transformar o mundo sob o lema “Paz e Amor” ou, “Faça amor, não faça guerra”, cantando “as coisas lindas da América”, ao som de músicas psicodélicas, nos festivais a céu aberto. Ou, então, fazendo apologia da maconha, do LSD, do amor (sexo) livre, com todo fervor da tenra idade.
Era mais uma voz de protesto de jovens, muitos vivendo em comunidades coletivas ou de forma nômade, do que um apelo de compreensão aos mais velhos, para a reconstrução política, moral e social do mundo que eles queriam, dando vazão à subcultura hippie, que começava a despontar, seguindo as idéias do psicólogo Timothy Leary, defensor do LSD, e imitando a trajetória dos expoentes da Geração Beat, a chamada “Geração Perdida”, com sua filosofia Beatnik.
A partir de 1970, grande parte do estilo hippie passou a ser aceita como cultura e a fazer parte da cultura principal americana. Depois, ganhou o mundo. Mas eu estava sempre alerta, mesmo que pensassem que me vissem na contramão da História ou como inquisidor da contracultura, que batia firme nos valores culturais vigentes, para abafar os expoentes da Geração Beat (batida, que inspirou o surgimento do movimento hippie), um grupo de escritores e artistas beatniks, os ícones dos anos 50, como Allen Grinsberg, Gregory Corso, Machael Mcclure, Gary Snyder, Jack Kerouack (“On The Road” – Pé da Estrada) e John Fante (“O Caminho de Los Ângeles”), que assumiram comportamentos copiados pelos hippies.
Em um momento de inspiração, John Lennon, principal porta-voz dos hippies, criou o nome de sua banda – The Beatles, a partir da palavra beat, embora a grande massa norte-americana considerasse os termos hippie e beatnik, de sentido pejorativo.
A Geração Beat, que nasceu no dia 7 de outubro de 1955, de um grupo de jovens americanos, na cidade de São Francisco, Califórnia, foi responsável pela influência de grandes nomes da literatura que sacudiu a cultura e destruiu o sonho americano, como Charles Bukowski, Norman Mailer, Henry Miller, Neal Cassady, J.D. Salinger (morto recentemente), William Burroughs e o próprio Jack Kerouack, morto em 1969.
O certo é que a Geração Beat nasceu para criticar o “american way of life”, (o modo de vida americano), de cola-cola e fast-food, de luxo e ostentação, e propor uma vida simples, mais ligada à natureza, num claro combate ao capitalismo. Com a Geração Beat, veio à difusão da filosofia Beatnik, através da contracultura, “do jovem de fim da década de 50 que se vestia de modo inusitado e tinha crenças pouco convencionais”, como afirmou Walter Weiszflog. Os hippies eram parte do movimento chamado contracultura dos anos 1960, que ficou conhecido no mundo inteiro.
A estrela maior do movimento, o ícone principal da Geração Beat, da “Geração Perdida”, foi o escritor e compositor Paul Bowles, que viveu 52 anos no Marrocos, onde morreu em 1999, aos 89 anos.
O mundo estava em transformação e, eu, à procura das vertentes que minhas inquietações queriam, inserido nele. Primeiro de garoto, de jovem. Depois, de homem, de adulto.
Vivia a plenitude de minhas inquietações de garoto, de jovem, que queria crescer, correr o mundo... Amar a vida, a esperança, mesmo sem amar os The Beatles, os Rolling Stones e cantar “as coisas lindas da América”, como nas canções de Bob Dylan e John Denver. Por isso eu sentia e refletia a vida e o mundo como eram então, mesmo pensando sob a ótica dos The Beatles e dos Rolling Stones.
Toda vez que parava para refletir sobre o drama existencial do homem, que a esperança evocava em minha vida, via-me diante daqueles que só amavam os The Beatles e os Rolling Stones e protestavam contra a guerra do Vietnã.
Diante de tudo isso, eu amava a Natureza, o sol poente e a eternidade perene de Deus. Todavia, padecia com os horrores da eternidade transitória do homem pecador, que a Teologia limita ao seu tempo de vida na Terra, principalmente, nas questões do amor, embora nunca quisesse, ou desejasse ser eterno. Falo daquela eternidade para onde o dia vai. E lá, na grandiosidade infinita do espaço, do Universo Pulsante, que a Ciência afirma caminhar em direção da estrela Vega, e que permeia o imaginário romântico de astrônomos e apaixonados por estrelas, planetas e constelações, que o dia vê-se diante de Deus, o Deus Eterno, em todo seu esplendor e grandeza.
No Brasil, devido ao excessivo uso de drogas lícitas e ilícitas, e provocações verbais com quem não o apoiava, o movimento hippie teve que se ajustar às leis do Regime Militar. Foi perdendo força pouco a pouco. Entrou em agonia a partir de 1982. E, finalmente, como elemento transformador da cultura, da sociedade, e como movimento de contracultura, que nasceu nos anos 1960, morreu, em 1990, 20 anos depois do começo de seu declínio, por perda de popularidade, na América, em 1970.
Daí o drama de quem amou os The Beatles e os Rolling Stones e se esqueceu de amar a Deus. Por isso não pude amar os The Beatles e os Rolling Stones, acima do amor, do semblante resplandecente de Deus e do coração supremo da vida, que Ele me deu.
Estava com o coração ansioso de viver além dos The Beatles e dos Rollings Stones. Pensava em outros lugares, outros caminhos, outros sons. Pensava, também, em outros acordes, outros momentos, outra inspiração, a fim de compreender a síntese suprema do momento único e glorioso da Criação.
Seguia sempre cantando, não “as coisas lindas da América”, mas as esperanças de um mundo melhor, com a mente fixa na esperança do cumprimento das palavras de Jesus Crucificado, que pregou o amor e a compreensão entre os homens. E que, por fim, derramou suor e sangue, dando sentido à vida, nestas comoventes e inspiradoras palavras de compaixão, em meio à amargura de Seu sofrimento maior, em prol do homem pecador: “Pai... Não te peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (ERC – 1975) – S. João 17:1 e 15.
- Fernando de Almeida silva, escritor e poeta, atua como colunista e é um dos editores do IASD Em Foco.