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postado em: 21/5/2010
Repensando a Vida Diante do Espelho
Divago diante do meu rosto refletido, incrivelmente igual, na superfície lisa do espelho frio.
Não sei por que parei diante do espelho, a fim de repensar a vida através do meu rosto, nem porque quis entender o significado do significado da vida, que todo mundo procura. Aquela complexidade inerente à condição humana, que os poetas cantam de maneira magistral, em versos sofredores ou alegres, agrupando instâncias de rimas pobres ou ricas em duetos, tercetos quadras e sonetos caprichosos, e os filósofos divagam pelos labirintos do saber, desde os tempos recuados da humanidade, da Índia, do Egito, à Grécia de Platão e Aristóteles... E Heródoto (484? – 425 a.C.), o pai da filosofia grega.
A Filosofia é algo complexo e apaixonante. Segundo a sabedoria dos antigos gregos, Filosofia é “amor à sabedoria” e que, juntando os termos gregos filos (amigo) e sofia (saber), exemplifica o filósofo, o detentor do saber ou, pretendente à sabedoria. Jamais a entenderemos ou chegaremos à definição mais fiel de sua significação semântica, quer pelo amor, quer pela paixão, mesmo se percorrêssemos todos os sistemas filosóficos historicamente conhecidos, para entender seu valor e a realidade suprema do Ser, mesmo à beira da sabedoria maior e dos postulados históricos de sua origem, na Grécia.
Sabemos que Filosofia é um amontoado de dogmas e conceitos, originados, em princípio, das reflexões dos sábios que viveram na Grécia antiga, especialmente no berço de suas colônias da Ásia Menor, no século VI a.C., ou da explicação da natureza do homem, em termos científicos, que os poetas nos deleitam com suas criações românticas, feitas ao luar, sob o brilho das estrelas. É a constante busca do conhecimento, do saber, da explicação da realidade histórica do homem. Por isso, é bonito filosofar. Mas, é ignorância pensar que a beleza da filosofia situa-se somente entre os extremos externos do sentido da vida, do conhecimento humano, do saber e da essência interior do Ser. A Filosofia é muito mais abrangente, visto ser um mito, um devaneio, uma divagação a um só tempo e, por isso, em todos os estágios de sua estreita ligação com o saber, a História da Filosofia se confunde com a História da Razão humana.
Pode até ser “sabedoria”, pensar que se entende de filosofia. Mas, significá-la satisfatoriamente, seria juntar espumas em uma sala de vento e escrever poemas na areia solta da praia, enquanto o vento agita as ondas na extensão do mar aberto, até chegar à praia, apagar os versos, e modificar a geografia da areia local.
Olho bem para meu rosto refletido no espelho e vejo-o como uma vitória cujo prêmio foi conseguido pelos anos da vida, sem a piedade do tempo. Vejo diminutas e inexpressivas rugas, vigiadas por cabelos brancos e semblante modificado que, a propósito da observação, remetem-me aos anos passados do tempo de menino, que não me punha diante do espelho, como a curiosidade diante da reflexão.
Não era bem isso que eu queria ver no meu rosto, quando me vi diante do espelho. Também não posso culpar o tempo pela condição de homem adulto que ele me deu, cujos anos de vida vai devorando sem piedade. Não esperava vê-lo assim, mas emoldurado pela serenidade e quietude da vida, que o tempo fotografa, dia a dia, mais alegre, sorridente, calmo e sereno, para nos mostrar, mesmo através da superfície lisa do espelho frio, as mudanças nele sofridas.
Ao olhar cuidadosamente meu rosto, pareceu-me estar diante do delta de um grande rio, tomando toda a extensão da planície, espalhando seus braços até alcançar o mar, como os conceitos filosóficos enchem o subconsciente, até aflorarem e emitirem seu juízo de valor da visão do mundo que tem diante de si. Notei a passagem do tempo, como o vento, deslizando sobre folhas de capim, amareladas pelo castigo do Sol, nas plácidas extensões das pradarias serenas da vida, como sonhos imorredouros, adormecidos languidamente no silêncio do coração. Preferi não identificá-las, nem pelo tamanho, nem pela profundidade de seus sulcos impertinentes, mesmo pequenos e inexpressivos. Não valeria a pena me preocupar.
Analisando cuidadosamente cada detalhe de algumas visíveis e outras quase imperceptíveis rugas, vistas mais claramente devido à reflexão da luz, que me pareceram ampliadas pelo inconformismo da idade, lembrei-me de Ernest Hemingway, o grande escritor norte-americano do século passado (Oak Park, 21 de julho de 1899 – Ketchum, 2 de julho de 1961), e achei prudente por em prática a disciplina literária a que se impôs, no começo de sua carreira de escritor famoso: Evitar os adjetivos, aquele recurso gramatical que serve para qualificar o substantivo ou, então, que se junta a ele para mudar-lhe o significado, dando ao texto qualificações que, às vezes, não existem ou, existem em demasia.
Depois de muito pensar, preferi não sofrer diante do espelho, por descobri-me, naqueles dias, como na imposição dos dias anteriores que, de maneira impiedosa, o tempo me cobrava seu preço. E, como não temos forças para lutar contra o tempo, nem ignorá-lo no seu caminho para a eternidade, concluí que a melhor maneira de esquecer o tempo que passou e deixou marcas em nossa vida, é viver com ele na lembrança, em silêncio contemplativo, a fim de vivermos o tempo que ainda resta de nossas vidas.
Voltei a lembrar-me dos cuidados de Hemingway, para não deter-me nos adjetivos, a fim de classificar as imperfeições imaginárias do meu rosto refletido no espelho. Por outro lado, percebi que, sem os adjetivos, que definem o que há de melhor ou pior em tudo, até no uso e no sentido do tempo da vida, o texto se torna frio (olha aí o adjetivo!) e impessoal, e não define a existência do Ser, ao longo de sua própria vida.
Então, é preciso repensar a vida em todas as etapas da existência e aceitá-la como Deus no-la outorgou.
Repensar a vida, mesmo diante do espelho, é como voltar à infância e querer parar o tempo, com a ilusão inconcebível de ser jovem outra vez. Todavia, o que mais importa é repensar a vida, não com o desejo de ser um eterno jovem, mas com a anuência da maturidade serena, o brilho da juventude que passou e a inocência dos tempos de criança, que ficaram para trás.
Olhando “olho no olho” meu rosto, refletido no espelho, vejo, nitidamente, a impossibilidade de fazer o tempo parar (e até mesmo voltar), para viver uma segunda infância e voltar a ser criança outra vez. E concluo, com setas inflamadas incendiando meu coração, que o tempo verdadeiramente passou, deixando marcas indeléveis, como lembranças de um tempo maravilhoso que se foi e que não volta jamais. Resta-nos, como alento, as palavras de Eclesiastes 7:10: “Não digas: Por que foram os dias passados melhores de que estes? Pois nunca com sabedoria isto perguntaria” (BT, 2002).
Por todos os ângulos que nos olhemos no espelho, vemos as marcas que o tempo da vida deixou em nosso rosto: impassíveis, reflexivas... Imperturbáveis. Não nos conformamos com sua presença ali. Mas, é a vida. É o tempo que passa. É o princípio do fim, iminente ou distante, da jornada na Terra, pois Deus assim o quis.
Não é reconfortante olhar-se no espelho e situar o tempo que nos castiga, tendo como ponto de partida o tempo de nossa vida, modificada por ele. Não seria mais reconfortante que o último tempo da vida, mesmo diante do espelho, fosse “O Último Ano do Resto de Nossas Vidas”? E o alento, advindo dele, uma alegria imorredoura “Para o Resto de Nossas Vidas”? Não seria mais reconfortante recordar “O Melhor Verão de Nossas Vidas”, para, enfim, guardar os melhores momentos, as melhores recordações, as inesquecíveis lembranças do tempo que passou?
Só, então, poderíamos esquecer as angústias de cada dia (e mesmo da idade – para quem as sofre por causa dela), quebrar o espelho e deixar a vida e o tempo seguirem o seu curso, pela vontade de Deus.
Autor: Fernando de Almeida Silva – Editor IASD Em Foco
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