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postado em: 23/7/2010
O Vazio da Alma
Fernando de Almeida Silva
Editor
www.iasdemfoco.net
Esquecer o passado não é tarefa fácil para qualquer pessoa que se vê diante da realidade do presente e dos desafios do futuro. Haverá sempre uma recordação dolorosa, um momento ruim, uma nostalgia silenciosa, separando esses dois tempos da vida que nunca se encontram: quando o futuro chega, o presente vai para o passado, com a noite no meio deles, impedindo que se vejam.
Até mesmo uma pequenina cicatriz, dos tempos de criança, serve para lembrar o tempo da vida que passou. É como se, aos 30 anos, olhar para uma fotografia, feita há vinte, e sentir saudade da juventude que foi embora. Todos os momentos daquele “instantâneo fotográfico” vêm à mente, para despertar o passado adormecido e que volta como num filme, que assistimos pela segunda vez.
Olhando com saudade para a fotografia, voltamos a uma época da vida, cheia de encanto e beleza, à semelhança de um pássaro, tentando agarrar o Sol. A dor aperta o coração. A lágrima desce, em silêncio, à procura de explicações, como o riacho que, à procura do mar, revela seu sofrimento, nas lagrimas das corredeiras. Os “fantasmas” das recordações invadem a alma. Nada foge às lembranças do passado. Recordamos, por exemplo, os mínimos detalhes da fotografia, como se a mesma tivesse sido feita no dia anterior, mas, com a certeza de que já se passaram 20 anos e tudo ficou diferente. Aquele dia jamais voltará. E, com o passar do tempo, a fotografia sempre ficará mais velha e a vida nunca será a mesma.
Esse sentimento de desamparo e abandono, que sentimos na vida presente, sem probabilidades de retorno às alegrias da vida que passou, é o responsável pelo que chamo de “o vazio da alma”, e que, em um momento ou outro do tempo da vida, apresenta-se como um fantasma liberto, para nos perturbar e fazer sofrer.
O vazio da alma é aquela insegurança que fica no coração, em forma de medo, sofrimento e dor, debulhando-nos até a extrema aflição sofredora, buscando explicações do Eu - divino confortador: o coração suplicante. E, em muitos casos, a “conversa” do vazio da alma, com o coração suplicante, deixa marcas tão profundas, que nos leva à cruz do calvário humano. Essas tristezas que vêm e vão, podem ser boas para chorar as lembranças amargas do passado, mas não, para os tempos alegres da vida, porque refletem as desilusões que queremos esquecer, além de provocar sentimentos de perdas, que não podemos corrigir jamais.
No filme de George Stevens (Oakland, 18 de dezembro de 1904 – Lancaster, 8 de março de 1975), Shane (Os Brutos Também Amam), de 1952, Shane, o personagem de Alan Ladd, comovido e sofrendo pela iminente separação do amor que conheceu de repente e a ele se apegou em tão pouco tempo, e comovido pela impaciência da espera, antes de partir, diz, melancolicamente, para Marian (Jean Arthur), esposa do homem (Van Heflin) que o acolheu em seu pequeno rancho: “Nunca é um tempo muito longo”.
Nem sempre realizamos os sonhos da vida. O futuro fica muito distante e, possivelmente, nunca chegaremos lá. Imaginamos o amanhã como um tempo longe demais e que demora a chegar. A porta da incerteza fica sempre fechada para a esperança, mas, aberta para a impaciência, a dor e a saudade. E, às vezes, nos esquecemos de que a esperança é a única porta aberta às nossas aspirações de sucesso, visto ser ela que nos possibilita juntar os pedaços da alma partida e perdidos, ao longo do caminho da vida.
Muitos são os motivos que causam o vazio da alma. E o principal deles é a impaciência da espera. Temos pressa em querer que o tempo junte os pedaços da alma espalhados e perdidos nos campos da vida, sem levar em conta a contagem do próprio tempo e os apelos da esperança que, em sacrifício de espera, resigna-se com o tempo, para confortar o coração.
O que nos leva a sentir saudade, tristeza, aflição e dor? O que nos leva ao vazio da alma, mesmo mantendo a esperança?
É o “tamanho” do tempo que esperamos. A distância do tempo, do presente, para o futuro, tendo como referência o passado. Nossa impaciência não se conforma com a demora da espera. Queremos o futuro “hoje”, aqui e agora, mesmo sabendo que os dias da vida têm seus próprios caminhos, desde os tempos imemoriais da Criação. Mesmo assim, insistimos em querer o futuro mais depressa, apenas para satisfazer nossa vontade. E nos esquecemos de que o tempo que queremos pode está muito distante e demora a chegar. E, quando chega, não é para atender nossa vontade somente, mas, para continuar seu caminho, na formação dos tempos eternos do passado, cujo Sol brilhou para todos, no tempo presente da vida de cada um. E é por isso que sentimos saudade, tristeza, mágoa, alegria e dor.
Sentir saudade é sofrer de angústia continuada, que a dor da separação torna possível, o tempo aumenta e o coração acolhe. A saudade é medida pela intensidade da recordação de cada momento (e a vida é feita de cada momento!), da emoção e da sublimidade do coração. É a voz interior da alma, falando aos sentimentos, com palavras de amor e ternura, e confortando-nos com as alegrias do passado, no coração da vida presente.
Tristeza é a aflição da saudade ante o altar da alegria, nos átrios das horas dos dias e na amargura do tempo que passa. É a quietude da alma ante o semblante da recordação, do Ser em contrição de humildade, quando, ajoelhado, e em prantos de medo e súplicas, implora por compaixão, diante do Criador.
A Mágoa é a lágrima das súplicas do coração, da saudade, da tristeza, da dor, para libertar-se das armadilhas da vida. É o calvário da alma, que sangra de amor e ódio, transpassada de sofrimento e dor, pelas setas inflamadas da ingratidão, de quem a ânsia da vida presenteou com a angústia da solidão.
Inquietude é o desassossego que chora e rir dentro de nós, sem explicações para as horas, que brincam como crianças no jardim da vida, cujo aroma de suas flores, mesmo machucadas e caídas pelos caminhos, enche de perfume o ar que os peregrinos da fé respiram.
E a alegria, essa travessura que o coração-menino exibe, anda de mãos dadas com a beleza dos sentimentos. Ela nada mais é senão o deus-menino que brinca e rir com nossas inquietações, olhando-se no espelho da alma, na ternura do coração e na meiguice de cada momento.
A alma nada mais é senão o corpo, de células multiplicadas, que nascem e morrem todos os dias, nos intervalos de tempo da vida, com tempo para nascer e morrer. É a alma mortal, a carne, os ossos, a matéria física, o corpo material, que se decompõe na terra e se torna pó, tal qual pó era, antes do sopro Divino: “Então formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” – Gên. 2:7, sendo, portanto, ao morrer, uma alma... Morta!
O postulado supremo da Teologia, da origem divina do homem, é este: “Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança...” – Gên. 1:27 (BJ), mas, com a certeza de que o homem veio do pó da terra, do barro inativo, sem forma, modelado “à imagem” e “semelhança” de Deus; que recebe o fôlego divino da vida e se torna “Alma Vivente”, coroa da Criação, à imagem e semelhança de Deus... No caráter somente.
A maioria dos comentaristas da Bíblia define a palavra Alma como sendo um vocábulo impregnado de filosofia platônica e idéias gnósticas. E Genésio, autor de um conceituado dicionário de hebraico, disse que Nephesh (alma) é “fôlego”, espírito vital, o mesmo sentido semântico do grego Psiquê e do latim Anima. E E.W.Bullinger afirmou que alma é “a vida manifestada nos animais”.
O vazio da alma continuará existindo enquanto existir vida humana na Terra, passível de esperança e paz: da terra viemos um dia e para a terra voltaremos também um dia, assim o tempo da vida determine. Devido a essa realidade plausível, é possível compreender que somente em Deus podemos encontrar refúgio, calma e paz, como antídotos às tormentas que assolam o cotidiano da vida.
Por isso canto a alegria, a beleza e o triunfo do amor. Canto a paz, a calma, a esperança e a sublimidade do coração. E sonho com a esperança de um futuro melhor para todos, segundo a promessa de Deus. Sonho, ainda, com o toque suave e restaurador da misericórdia divina, em cada coração, que Deus preencheu com esperança, amor e paz, a fim de acabar com o vazio da alma, que o tempo da vida deixou.