Digite uma palavra chave ou escolha um item em BUSCAR EM:
postado em: 14/11/2008
Questões Sobre a Lei – 2
* Paulo se refere aos Dez Mandamentos como um “ministério da morte”. Não indica isso que não podem mais servir de norma para os cristãos?
Alegação: Paulo em 2 Coríntios 3:3ss refere-se aos Dez Mandamentos, escrito em “tábuas de pedra”, como um “ministério de morte”. Noutra passagem demonstra que a lei tornou-se “enferma pela carne” (Rom. 8:3), assim revelando que o Decálogo precisava mesmo dar lugar a outra lei.
Ponderações:
Tomando por base o fato de que em 2 Coríntios 3, ao falar da ministração do antigo concerto em contraste com o do novo, Paulo atribui-lhe o qualificativo de “ministério da morte”, por mencionar as “tábuas de pedra”, alguns intérpretes bíblicos confundem as coisas e dizem que essas tábuas de pedra é que representariam o “ministério da morte”.
Então, não há saída — o Deus que Se apresentava a Israel como “longânimo, misericordioso, bondoso, piedoso e perdoador” na verdade preparou foi uma terrível armadilha para aquele povo no Sinai, eis que lhes ofereceu ali uma norma legal que resultaria inapelavelmente em morte! Deixou em reserva a “lei do amor e graça” só para o povo do Novo Testamento! É esse o Deus que não faz acepção de pessoas?
Remontando ao ambiente onde a lei divina foi solenemente proclamada ao povo, lemos em Êxodo 19:10ss a ordem de Deus para Israel purificar-se, e até abster-se de atividade sexual (vs. 15) para uma dedicação integral a Ele em preparação ao proferimento da lei. Limites foram estabelecidos ao redor do monte para o povo não dirigir-se até ali, e finalmente os Dez Mandamentos foram audivelmente pronunciados, antes de serem escritos nas tábuas de pedra.
Agora, tanta preparação, tanta expectativa, tanta solenidade para a entrega de . . . uma “lei da morte”! É incrível!Qualquer um se sentiria trapaceado! E, no entanto, é, no fundo, a exegese que se lê nos escritos de intérpretes semi-antinomistas por aí que não conseguem perceber que “a lei do Senhor é perfeita e restaura a alma”, como disse o salmista (Sal. 19:7) referindo-se a TODA a lei (Torah), é verdade, o que significa inclusão, não exclusão, do Decálogo.
Entretanto, algo saiu errado nesse concerto, transformando-se sua ministração em algo gerador de morte. Por quê? Onde se situou o problema? Era a lei desse teor, transmissora de morte? Então não poderia ser perfeita.
O que muitos também não parecem entender é que o problema não estava com a lei, e sim com o povo que, antes mesmo de conhecer plenamente o que seria pronunciado, precipitadamente declarou ante a proclamação da lei no Sinai: “tudo o que o Senhor falou, faremos” (Êxo. 19:8).
Era um povo de “dura cerviz”, tantas vezes condenado por seus tropeços. Então, é tão fácil de entender isso: o problema não estava na lei, e sim no povo, o que é tornado muito claro na promessa do Novo Concerto já ao tempo de Jeremias—”tirarei o vosso coração de pedra”. Destarte, quem tinha o coração errado era o povo, daí a necessidade de esse povo mudar de atitude, permitir que Deus operasse uma séria mudança—o coração de pedra eliminado e trocado por um de carne.
E um detalhe importante é que ao Paulo valer-se da alegoria “tábuas de pedra/tábuas de carne”, que é a mesma de Ezequiel (ver 11:19,20 e (ver 11:19,20 e 36:26, 27), ele certamente não pensaria em excluir nenhum dos mandamentos das “tábuas de pedra”, tal como Ezequiel não excluiu.
Do contrário ele teria que explicar que o cristão seria uma carta escrita, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, excluindo-se o mandamento do sábado, ou algo assim.
Conclusão:
Em 2 Coríntios 3 Paulo não diz que a lei é de morte, mas o ministério da velha aliança veio a assim tornar-se. A ilustração paulina de “tábuas de pedra” e “tábuas de carne” refere-se à antiga promessa divina ao povo de Israel em Ezequiel 36:26, 27 de que, por ação do Espírito o coração de pedra lhes seria removido para que um coração de carne, mais maleável, lhes fosse concedido.
Nesse coração de carne é que seria escrita a lei moral de Deus completa, como prometido no Novo Concerto (Heb. 8:6-10). A intenção de Paulo é mostrar que para o cristão renovado pelo Espírito, os termos da lei moral divina deixam as frias tábuas de pedra para registrarem-se nos seus corações aquecidos pela graça (ver Rom. 8: 3 e 4), o que faz da interpretação antinomista de 2 Coríntios 3:3ss outro “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
* Quem busca obedecer a lei judaica coloca-se debaixo da lei, em vez de permanecer “debaixo da graça”.
Alegação:
À luz de Romanos 6:14 e Gálatas 5:18 quem se empenha por guardar os mandamentos da lei mosaica se coloca “debaixo da lei”, mas nós cristãos devemos é situar-nos “debaixo da graça”.
Ponderação:
Geralmente a referência ao qualificativo de “judaico” quanto às normas do Decálogo termina referindo-se só ao sábado, não aos demais nove mandamentos. Por quê? Quando Paulo recomendou o 5o. mandamento aos efésios (ver Efés. 6:1-3) seria a obediência dos filhos aos pais algo de caráter judaico, ou de validade universal?
Contudo, basta ler todo o contexto de Romanos 6 a 8 para perceber que Paulo não faz essa dicotomia entre “lei da dispensação mosaica” e “lei de Cristo”. Ele fala em “lei” simplesmente no sentido que os seus leitores compreenderiam de pronto tratar-se do Decálogo, quando não se referindo especificamente às normas rituais, como a circuncisão, por exemplo.
Paulo costuma usar palavras intercambiavelmente com sentidos paralelos ou contrastantes. É como usa o termo “lei” em Romanos 7, ora falando dessa lei em termos positivos, como “santa, justa, boa, prazerosa”, ou aplicando o termo “lei” para referir-se ao princípio que inspira o pecado—a “lei do pecado e da morte”. Assim também ele fala em “sabedoria de Deus” e “loucura de Deus”, em 1 Coríntios 1:25.
Contudo, basta um exame do contexto de passagens como Romanos 6:1-14 e Gálatas 5:16-21 para perceber que o sentido é exatamente o contrário de como muitos interpretam o texto: os que estão “debaixo da lei” não é por serem a ela obedientes, e sim por serem dela transgressores! O tema não é a prática da lei, e sim a prática DO PECADO. E qual é a definição bíblica de “pecado”? Eis outro texto que os antinomistas e semi-antinomistas detestam: 1 João 3:4— “Pecado É [e não Era] a transgressão da lei”.
Em Gálatas fica patente que os que não são “guiados pelo Espírito”, e, conseqüentemente, estão “debaixo da lei” são os que praticam aquela série de pecados alistados nos vs. 19-21. Isso é tão claro de perceber! O próprio título da seção do capítulo 6 de Romanos nas várias versões bíblicas torna isto claro: “Livres do pecado [não da lei] pela graça”, traz a Almeida Revista; “Be dead to sin and alive to Christ” [estar morto para o pecado e vivo para Cristo], aduz a New International Version, “Sin Deposed in the New Life” [o pecado descartado na nova vida], traz o The New Testament in Modern English, “Dead to Sin but Alive Because of Christ” [morto para o pecado mas vivo por causa de Cristo], acrescenta a Contemporary English Version, da American Bible Society, “Dead to Sin, Alive to God”, [morto para o pecado, vivo para Deus], sintetiza The New King James Version, e, finalmente, a versão francesa de Louis Segond traz um título mais longo, porém bem didático neste respeito: “La grâce, loin d‘autoriser le péché, délivre de l‘empire du péché” [a graça, longe de autorizar o pecado, livra do império do pecado].
Portanto, basta ler o contexto em vez de pinçar textos isolados, só por parecerem favorecer certos pressupostos antinomistas para perceber o real sentido de tais dizeres. É verdade que Paulo em 1 Coríntios 9:21 diz que não está sem lei de Deus, mas debaixo da “lei de Cristo”.
Este texto é interessante, pois mostra que “lei de Deus” e “lei de Cristo” são uma só e a mesma, na sua consideração. Agora, o uso da expressão “debaixo” confunde alguns nesta e outras passagens, o que é um perigo à luz de 2 Pedro 3:16 e 17! Mas é o caso do uso dinâmico de termos que Paulo pratica, como mencionamos acima.
Estar “debaixo da lei” não significa acatá-la como norma de conduta e sim não ter abandonado o pecado. O contexto de Romanos 6:14 não diz, “porque a lei não terá domínio sobre vós”, e sim, “o pecado não terá domínio sobre vós”. Isso é ilustrado por 1 Coríntios 9:21 em cujo caso significa estar na jurisdição da “lei de Cristo”.
Estar “debaixo da graça”, em contraste com “debaixo da lei” em Romanos 6:14, significa estar sob a proteção da graça que não condena, como a lei. Logo, os condenados pela lei (não por obedecê-la, mas por não terem abandonado o pecado, como o contexto determina que seja entendido) é que se acham debaixo da mesma, enquanto os que a obedecem movidos pelo Espírito terão “a justiça da lei” cumprida em suas vidas (Rom. 8:3 e 4).
Assim, os textos de Romanos 6:14, Gálatas 5:16-21 e 1 Coríntios 9:21 considerados em sua correta contextuação transformam a sua utilização para “provar” a abolição da lei num “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
* Os Debates de Cristo Sobre o Sábado Indicariam a Sua Abolição?
Nos Seus debates com os fariseus Jesus declarou-Se “Senhor do sábado” para dar fim à prática judaica de observá-lo (Mateus 12:8). Assim é que Ele disse que “o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Marcos 2:27). Com isso Ele está mostrando o pouco valor que dava à prática do sábado, antecipando a sua abolição.
Nesses debates de Cristo sobre Suas curas no sábado, Ele era continuamente acusado de violar o mandamento do dia de repouso por realizá-las nesse dia. Contudo, Ele Se defendia de tais acusações lembrando: “É lícito fazer bem, aos sábados” (Mat. 12:12).
Se lícito significa “de acordo com a lei” pode-se perceber que Cristo nada fazia contrário à lei divina, o que nem se poderia admitir sendo Ele o “Santo, de Deus”. Ele desafiou os Seus acusadores certa feita: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (João 8:46).
E a definição bíblica de pecado é bem patente: “o pecado é transgressão da lei” (1 João 3:4). Que lei seria essa? A “lei da gravidade”? É claro que é [não, “era”] a lei de Deus. O apóstolo João ao definir assim o pecado vale-se do tempo verbal presente, não passado!
Tampouco Ele estava insinuando algo contra o sábado, querendo depreciá-lo em qualquer medida, pois isso se chocaria com o que declarou em Mateus 5:17-19 que já analisamos acima. Convém observar o vs. 19 onde Cristo diz que quem violar um dos mandamentos ou “assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus”. Iria Ele próprio ensinar algo contra um dos mandamentos, e assim desqualificar-Se como “mínimo” no Reino dos céus? Impossível!
É interessante que Cristo não disse para o povo descartar os ensinos dos seus líderes religiosos, mas o mau exemplo e hipocrisia deles. Ele recomendou: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles [os escribas e fariseus] vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem” (Mat. 23:2, 3).
Então, vejamos—o que eles diziam? Que deviam guardar a lei de Deus, e nisto estavam certos! Mas, como eles próprios a praticavam? Acrescentando suas interpretações e tradições que a invalidavam e impunham uma terrível carga sobre o já opresso povo (ver Marcos 7:7, 8; Mateus 23:4), no que estavam errados!
Por exemplo, diziam ao povo que deviam trabalhar seis dias e observar o sábado, no que estavam certos (ver Luc. 13:14, cf. Êxo. 20:8-11). No entanto, estavam errados em acrescentar regras absurdas ao preceito, contra as quais Cristo Se indispôs, não para insinuar que a guarda do sábado fosse errada (pois Ele mesmo o instituiu na Criação e o observava [Gên. 2:1-3; Mar. 2:27; Mat. 12:8; Luc. 4:16]), porém para corrigir a forma de o observar, pois tinha zelo pelas coisas de Deus.
Uma pergunta merece ser feita nesse contexto: qual era o teor dos debates de Cristo sobre o sábado--SE era para guardar o sábado, QUANDO era para guardar o sábado, ou COMO observar o dia (em que espírito fazê-lo)? Quem souber responder essa pergunta já terá meio caminho andado na compreensão desta questão.
Aliás, o sábado, juntamente com o matrimônio, são as duas únicas instituições que procedem de ANTES do ingresso do pecado no mundo.
Assim como Cristo expulsou os vendilhões do Templo para consertar as coisas quanto à legítima adoração a Deus naquele ambiente de culto (ver Mat. 21:12, 13), dizendo em certa ocasião “aqui está quem é maior do que o Templo” (Mat. 12:6), Ele corrigia a maneira de entender a observância sabática porque tinha zelo pelas coisas de Deus.
Foi por isso que disse, “Eu sou o Senhor do sábado”, e “o sábado foi feito por causa do homem, não o homem por causa do sábado”. Longe de ter dito isso para diminuir o valor do sábado, Ele está zelando pelo mandamento que Ele próprio estabeleceu no princípio do mundo, como Criador de todas as coisas que é (Gên. 2:1-3; Heb. 1:2).
Logo, utilizar os debates de Cristo com os líderes judaicos como prova do fim do sábado ou concluir que Ele depreciava sua observância é outro “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
Autor: Prof. Azenilto Brito