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postado em: 14/11/2008
Questões Sobre a Lei – 1
“Tiros” Interpretativos Que Saem Pela Culatra
Certos textos bíblicos empregados para contestação de alguns ensinos de base bíblica expõem, de fato, exatamente o contrário do que os que os utilizam pretendem ensinar. Eis abaixo alguns exemplos significativos.
* Por Jesus “cumprir” a lei, acaso não terminou por revogá-la (pelo menos em parte. . .)?
Alegação: O texto de Mateus 5:17-18—”Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra”—fala de como Ele concluiu a vigência da lei antiga, dando-lhe cumprimento.
Ponderação:
Há quem alegue que nestas passagem Jesus fala de uma nova lei que está para estabelecer (ou já estabeleceu) tendo abolido a antiga que Seus ouvintes conheciam, fazendo-o, contudo, “só em parte”, com as novas regras esparsas aqui e acolá ao longo do Novo Testamento. Ao menos é essa a impressão que fica pela leitura de alguns dos textos divulgados por certos “apologistas cristãos”.
O vice-diretor do ministério CACP, de “apologia cristã”, chamado Paulo Cristiano da Silva, dedicou-se a longa e sofisticada explicação semântica sobre o real sentido de “revogar” (ou “ab-rogar”, como constam de algumas traduções em português) oferecendo exemplos da jurisprudência brasileira, que significaria “abolir, mas somente em parte”. Ele, porém, se esqueceu que o texto original do Novo Testamento está em grego, não em português.
A sentença “não vim para revogar” significa isso mesmo, e não outra coisa. Na verdade, o termo no grego para “revogar” é katalusai que significa “destruir”, “pôr de parte”, segundo define o Greek Dictionary of the New Testament, de James Strong. Por outro lado, em “vim para cumprir”, a palavra “cumprir” no grego é plerôsai e tem sentido ligado à idéia de “plenitude”, “completo”, segundo o mesmo dicionário.
Se considerarmos o texto seguinte, a situação desse intérprete se complica mais ainda. O verso 19 diz: “Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus”.
Pela interpretação dos que defendem essa teoria, teríamos Jesus se contradizendo e afirmando: “Não vim para abolir, vim para . . . abolir (mas só em parte)! E até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til passará da lei, até que tudo seja. . . parcialmente abolido! Aquele, pois que violar um destes mandamentos da parte que não foi revogada, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que observar os desta parte não abolida, e assim ensinar aos homens, esse será considerado grande no reino dos céus”. Confuso, não?
Vejamos, contudo, como um estudo detido do texto à luz de seu contexto comprova, antes que nega, a vigência da lei de Deus para os cristãos:
Ao dizer tais palavras, que compõem o seu famoso “Sermão da Montanha”, Jesus se dirigia a um público de sofridas pessoas, subjugadas sob o poder civil dos romanos e da ditadura religiosa dos hipócritas fariseus e saduceus sobre os quais Cristo tanto os advertiu e aos quais criticou diretamente.
Basta ler os versos 16 e 20-28 (de Mateus 5) para perceber a intenção de Cristo nesse discurso. Não era para dizer-lhes que estavam liberados da lei moral de Deus para esperarem alguma outra, supostamente mais favorável e fácil de cumprir. Absolutamente!
Cristo acentua a necessidade de se produzirem obras dignas “diante dos homens” para glorificar a Deus (vs. 16), prestando uma obediência sincera e legítima aos mandamentos divinos que excedesse “em muito” a mera obediência exterior dos seus chefes religiosos (vs. 20). Quando Ele diz, “ouvistes que foi dito aos antigos . . . Eu, porém, vos digo. . .”
Cristo não está insinuando que estabeleceria uma suposta “nova” lei Sua que é superior e suplanta a antiga, mas que a lei divina tem caráter muito mais profundo e santo do que a forma como fariseus e saduceus a apresentavam, com ênfase no seu exterior, na “letra”, perdendo de vista o seu verdadeiro sentido espiritual.
É o que o autor de Hebreus confirmou ao dizer: “A palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (4:12).
Conclusão:
Foi nesses termos que Cristo “cumpriu” a lei—de modo pleno, perfeito, exemplar, pois Ele a tinha no coração (comparar Salmo 40:6-8 com Hebreus 10:5-7). Cumprindo as palavras do profeta, Ele veio para magnificar a lei e fazê-la gloriosa (Isaías 42:21).
Como se poderia sugerir que a veio abolir, seja inteiramente ou em parte? Logo, Mateus 5:17-19 à luz de seu contexto é um forte argumento em favor da vigência da lei divina para os cristãos, contrariamente à interpretação de alguns que usam estes versos em sentido exatamente oposto à intenção real da passagem, o que vem a ser um típico “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
*A lei de Deus para os cristãos resume-se em amor a Deus e ao próximo (Mateus 22:36-44; Romanos 13:10). Sendo esta a “lei de Cristo”, não tomaria o lugar dos Dez Mandamentos como norma de conduta cristã?
Alegação:
Jesus deixou aos Seus discípulos “um novo mandamento” baseado em “amor a Deus” e “amor ao próximo”. João disse que “esses mandamentos não são penosos” (João 15:12, 17; 1 João 5:3). Portanto, os cristãos agora só têm que cumprir esses “novos mandamentos” e não a lei veterotestamentária.
Quando os fariseus ficaram sem argumentos contra Cristo, um intérprete da lei, “experimentando-O, lhe perguntou: Mestre, qual é o grande mandamento na lei?” (Mat. 22:34-36). A resposta de Cristo, que se resume nos pontos acima levantados, causou a seguinte reação daquele líder religioso dos judeus: “Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que ele [Deus] é o único, e não há outro senão Ele; e que amar a Deus de todo o coração, de todo o entendimento . . . e amar ao próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios” (Marcos 10:32, 33).
E a reação de Jesus foi: “Vendo Jesus que ele havia respondido sabiamente, declarou-lhe: Não estás longe do Reino de Deus”. Quanto à reação dos demais diante desse diálogo esclarecedor, eis como a Bíblia a descreve: “E já ninguém mais ousava interrogá-lo”.
Tivesse a resposta de Jesus indicado uma revolução na legislação divina para Seus seguidores, com ordenanças inteiramente novas, a reação do líder judaico seria bem outra! Ele sairia é dizendo que Jesus contradizia os ensinos de Moisés, anulando a lei dada por Deus para impor novos mandamentos. Afinal, sua intenção era exatamente pegar Jesus numa contradição!
Na verdade, aquele jurista judaico só poderia mesmo ter tal reação de aprovação a Cristo, pois Jesus nada mais fez do que citar-lhe as passagens de Deuteronômio 6:5 e Levítico 19:18, que ele bem conhecia. Ou seja, os “novos” mandamentos de amor a Deus e ao próximo não o eram em termos de tempo e sim de renovado significado, perdido de vista pela liderança judaica. Veremos mais abaixo como na discussão do problema do sábado eles também entendiam errado o mandamento e seu objetivo.
A palavra grega para “novo” neste caso é kainós, que significa ‘algo novo em qualidade’, a mesma empregada para “nova criatura” (2 Cor. 5:17) e “novos céus e nova terra” (Apo. 21:1). Não se trata de novo em substância (o que requereria o adjetivo néos) mas algo que já existia e que passa por uma renovação.
A lei de Cristo e a lei de Deus são uma só e a mesma, pois Cristo declarou: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30). Eles não romperam, com Cristo estabelecendo nova legislação, suplantando a lei divina, como quase dão a entender certos “apologistas cristãos” que adotam uma postura a que chamaríamos “semi-antinomismo”. Sempre, em todos os tempos, a lei de Deus firmou-se no princípio de amor a Deus sobre todas as coisas (os primeiros quatro mandamentos) e amor ao próximo (os últimos seis mandamentos).
Citando vários mandamentos do Decálogo, Paulo conclui em Rom. 13:8-10: “O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor” [Obs.: ele diz “é”, e não “era”] (ver também Gál. 5:13 e 14). Ele cita alguns mandamentos, como, “não matarás” e “não adulterarás” e a seguir diz retoricamente, “e se há qualquer outro mandamento. . .”
Ou seja, ele está abrangendo todos os mandamentos do Decálogo, do qual cita alguns poucos. Isso refuta totalmente a tese do fim da vigência da lei moral dos Dez mandamentos como norma de conduta cristã. A teoria da “nova lei do amor” diferente e “superior” às normas dos Dez Mandamentos representa mais um “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
· Estando os cristãos agora sob o regime do Novo Concerto Não Deviam Viver Segundo Um Novo Conjunto de Normas, Não Segundo a Velha Lei, Abolida Junto Com o Velho Concerto?
O “novo concerto” representa o fim da velha legislação estabelecida entre Deus e os filhos de Israel, o que inclui os Dez Mandamentos. Sendo que o Novo Testamento apresenta um novo concerto que Deus estabelece com os Seus filhos, fica demonstrado que o Decálogo caducou e a “lei de Cristo”, baseada no amor, é a que agora vigora para o cristão.
Por isso a promessa do novo concerto é de que Deus escreveria a Sua lei nos corações dos Seus filhos, uma nova lei diferente e superior à antiga, tida até mesmo por defeituosa (Hebreus 8:6-10; 10:16).
O texto da epístola aos Hebreus 8:6-10 assim expõe a questão da estipulação do Novo Concerto [Novo Testamento]: “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é Ele também mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas. Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para a segunda. E, de fato, repreendendo-os, diz: ‘Eis que vem dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, não segundo a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Nas suas mentes imprimirei as minhas leis, também sobre os seus corações as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo’”.
É significativo que o texto de Hebreus é uma reprodução de Jeremias 31:31-33 onde Deus promete a Israel a restauração após o fim de seu penoso cativeiro. Deus oferece nova chance ao sofrido povo, um novo concerto, mas esse povo terminou não correspondendo novamente às expectativas divinas. Embora lhes tenha mandado o prometido Messias, não O reconheceram. “Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (João 1:11).
Então, Deus estabeleceu um “novo Israel”, constituído por todo aquele que crê em Jesus, daí tornando-se um israelita espiritual, descendência de Abraão pela fé (Gál. 3:29; Efé. 2: 12 e 13). Estes recebem a mesma promessa de um novo concerto feita por Deus séculos antes da vinda do Messias mediante Jeremias a Seu povo, o Israel literal no passado.
A lei que Deus promete escrever nos corações e mentes dos que aceitam a Cristo como Salvador, segundo esse Novo Concerto, é simplesmente indicada em Hebreus sem indicação de qualquer mudança em seus termos, com relação à lei de Jeremias 31:31-33.
Para desconsolo dos semi-antinomistas modernos, que ensinam uma dicotomia entre “lei de Deus” (que seria veterotestamentária) e “lei de Cristo” (neotestamentária), o texto não a chama de “lei de Cristo”, “lei da graça” ou “lei da fé”, mas “as minhas leis”, ou seja, de Deus.
O texto em Hebreus mostra que a falha no primeiro concerto não estava na lei divina, base do concerto, pois “a lei do Senhor é perfeita”, “santa, justa e boa”, “espiritual” (Sal. 19:7; Rom. 7:12, 14) e sim no povo: “eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor”, vs. 9.
Importante: Não se deve confundir a lei, base do concerto, com o próprio concerto. Também deve-se ter em mente que as regras cerimoniais, prefigurativas do sacrifício de Cristo, é que caducaram na cruz, não a lei moral, proferida solenemente sobre o Sinai como base dos concertos divinos e escrita em tábuas de pedra pelo dedo do próprio Deus (ver Êxodo 20, especialmente vs. 1, 18-20 e 31:18). Por esta razão Paulo fala de mandamentos divinos que se devem acatar, e mandamentos não mais válidos (ver 1 Coríntios 7:19).
Na promessa do Novo Concerto Deus escreve nos corações e mentes de Seus filhos a Sua lei, base de ambos os concertos, firmada no “amor a Deus sobre todas as coisas” e “ao próximo como a si mesmo” (Mat. 22:36-42; Rom. 13:8-10).
Essa lei, ou “minhas leis”, como indicado em Hebreus 8:6-10 e 10:16, não é diferente da lei conhecida pelo povo ao tempo em que foi primeiro prometida quando da restauração do cativeiro de Judá de sob Babilônia.
Os leitores da epístola aos Hebreus, a quem inicialmente a promessa foi feita sob a dispensação cristã, entenderiam perfeitamente isto. Eles não teriam dúvidas quanto a que lei o texto se aplica. Paulo diz em Romanos 3:31 que a fé estabelece, não anula, a lei de Deus (cf. Rom. 7:22; 8:3 e 4).
O ônus da prova em contrário fica com quem ensine que as “leis de Deus” que Ele escreve nas mentes e corações dos que aceitam os termos do Novo Concerto (ou Novo Testamento), estabelecido com os Seus filhos, são diferentes das constantes da promessa anterior ao Israel literal em Jeremias 31:31-33.
Logo se percebe que utilizar a promessa do Novo Testamento da escrita da lei divina nos corações e mentes dos filhos de Deus para negar a vigência do Decálogo na era cristã representa outro significativo “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
Autor: Prof. Azenilto Brito