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postado em: 21/11/2008
“Deixar o Corpo e Habitar Com o Senhor”
* Ao falar, o apóstolo Paulo, em deixar o corpo para habitar com o Senhor, não estaria demonstrando sua crença na imortalidade da alma?
Alegação:
O apóstolo Paulo declara que “enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor”, assim ele preferia “deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2 Coríntios 5: 8 e 6). Esta é uma clara prova de sua crença na imortalidade da alma, também confirmada por suas palavras em Filipenses 1:23 ao referir-se ao seu “desejo de partir e estar com Cristo”.
Ponderação:
O vocábulo soma (corpo), no seu sentido original, denota o ser humano como um todo, um organismo constituído, uma unidade, o ser humano como uma pessoa em sua totalidade. A visão bíblica é essa—holística, o homem completo, corpo, alma, espírito, perfeitamente integrados e funcionando juntos, harmonicamente. Daí que Salomão fala da íntima ligação psicossomática: “O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos” (Provérbios 17:22).
Em I Tessalonicenses 5:23, quando o apóstolo Paulo fala do seu desejo de que o Deus da paz nos santifique em tudo, e que nosso corpo, alma e espírito sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, ele está se expressando contrariamente ao pensamento de que a alma, o corpo e o espírito são entidades que agem interdependentemente entre si. É digno de nota que o Apóstolo acentua a necessidade do preparo espiritual para a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”, não para o momento da morte, quando o indivíduo fosse “partir e estar com Cristo” (Fil. 1:23), entendendo a cláusula na linha de pensamento dualista.
Também é importante examinar os vs. 6 e 10 de Filipenses 1 (contexto do vs. 23) onde a ênfase é dada ao preparo espiritual para o “dia de Cristo”, além de Fil. 3:20 e 21, onde Paulo acentua mais uma vez sua expectativa da “cidade celestial” que herdaria quando no Seu retorno Cristo “subordinar a Si todas as cousas”. Com isso, a clara ênfase está na ressurreição quando do Advento de Cristo, não na ida da alma para o céu, imediatamente após a morte.
Não existe na Bíblia concepção de “almas” ou “espíritos” atuando independentemente de modo consciente, a não ser tomando-se textos isolados e desprezando-se sua contextualização, ou forçando o sentido segundo pressupostos infundados, como dizer que quando Jesus declarou “não subi para o Pai” em João 20:17 Ele quis dizer—“minha ‘alma’ é que subiu; agora é que vou completo, corpo e alma . . .” Conclusão absurda, para dizer o mínimo. Afinal, o Verbo divino também teria recebido uma “alma imortal” humana na Encarnação? A profecia a respeito Dele diz só: “corpo me formaste” (Heb. 10:5 ).
Nos dias que antecederam os cristãos, filósofos como Platão e Aristóteles divulgavam ao mundo que o corpo era inerentemente mau, e a mente era boa. Quando Cristo veio a este mundo vestido em um corpo humano, Ele deu ao corpo uma nova dignidade.
Mesmo antes de Cristo vemos como os hebreus tinham leis importantes destacando o cuidado com a saúde física e mental. A ciência moderna têm confirmado a validade das regras alimentares e higiênicas da legislação israelita, pois o nosso corpo é, como acentuou o Apóstolo, o “templo do Espírito Santo”.
A filosofia grega e de outros povos pagãos não valorizavam o corpo, daí o surgimento de tantas formas de religiosidade mística, e atitudes de flagelações e desprezo do corpo, em favor de valorizar e aprimorar “a alma” ou “espírito”.
É importante para uma boa compreensão, estabelecermos uma relação entre estas duas passagens acentuadas na “Alegação” desta argumentação sob análise (Fil. 1: 23 e 2 Cor. 5:8). Afinal de contas, trata-se do mesmo autor bíblico tratando exatamente do mesmo tema — o encontro com o Senhor que se dará, não imediatamente com a morte e a partida de uma “alma imortal” para o céu, mas com o “revestir-se” da “habitação celestial”.
Unindo-as, teríamos:
“Sim, estamos cheios de confiança, e preferimos deixar a mansão deste corpo, isto é, partir, e estar morando junto ao Senhor, de modo algum achados ‘despidos’, mas sendo revestidos da nossa habitação celestial, pois isto é muito melhor”.
Ademais, é inevitável o cotejo entre a cláusula do vs. 4, “para que o mortal seja absorvido pela vida” com o texto de 1 Coríntios 15:53, 54: “Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E quando este corpo corruptível se revestir da incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra: tragada foi a morte pela vitória” (ver Isaías 25:8 e 9).
Por outro lado, quando ele diz que não queria ser achado nu e, ao mesmo tempo, desejava estar junto com o Senhor, fala do seu desejo de ver a volta do Senhor sem passar pela morte, deixar o corpo e ir diretamente estar com o Senhor. Tanto é assim, que o próprio Apóstolo declarou em I Tessalonicenses 4:14-17 que quando o seu Senhor vier, os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro, depois, ele, juntamente com os outros que ficassem vivos, seriam arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para encontrar-se com o seu Senhor nos ares; cria que, juntamente com os outros que “ficassem” vivos nesta ocasião, não precederiam os que dormem.
É muito importante coordenar as várias passagens onde o autor trata do mesmo assunto para se verificar onde está o enfoque de seu pensamento—a sua ênfase. E claramente não se sustenta a tese de que a expectativa do Apóstolo fosse a de partir imediatamente após a morte na forma de uma “alma imortal”, noção que só mesmo se sustenta isolando-se um texto de seu sentido natural, como verificado por textos paralelos.
Quando é dado crédito à crença na imortalidade da alma, entendendo-se que a alma recebe sua recompensa para a salvação ou para a perdição imediatamente após a morte, a ressurreição torna-se algo ineficaz, não havendo sequer a necessidade de que esta ocorra; e, conforme nos é mostrado em I Coríntios 15:13 e 14, “se não há ressurreição dos mortos, é vã nossa pregação, assim como se torna vã também a nossa fé”.
A primeira mentira diabólica (“É certo que não morrereis” (Gên. 3:4) serve a esses propósitos maléficos — diminuir a importância da crença na ressurreição final, no juízo final (pois na morte cada um já segue um destino, dispensando o juízo), e na 2a. vinda de Cristo, todos esses ensinos simplesmente dispensáveis.
É digno de nota observar as palavras paulinas de que a falta da ressurreição tornaria a pregação do evangelho vã. Isso é altamente significativo, pois os que crêem na imortalidade da alma podem tranqüilamente dispensar a ressurreição, pois se as almas dos que morrem já estão “nos páramos da glória” desfrutando sua recompensa, a pregação para esses certamente não teria sido vã pois, afinal, não estão desfrutando o céu, independentemente de ocorrer uma ressurreição futura ou não? Assim, a ressurreição é o que menos preocupa os que já estão garantidos por lá.
Deve-se analisar adicionalmente as implicações dos vs. 16-18 que os imortalistas simplesmente não sabem como interpretar devidamente: se não fosse pela ressurreição dos mortos, confirmada e garantida pela do próprio Cristo, “os que dormiram em Cristo pereceram”. Está bem claro — sem a ressurreição, não só a pregação do evangelho seria vã mas os que ouviram tal pregação e a acolheram estariam perdidos! — sem qualquer esperança de herdar a vida eterna! Simplesmente permaneceriam no pó, para sempre. . .
Tal raciocínio adquire tremenda força no vs. 31 e 32: “Dia após dia morro! Eu o protesto, irmãos, pela glória que tenho em vós outros, em Cristo Jesus Nosso Senhor. Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos”. Portanto, o raciocínio paulino é evidente: se ele até correu risco de vida em Éfeso, de que valeria ter vivido se morresse e não existisse a ressurreição? Então, sem a esperança da ressurreição a única melhor alternativa é aproveitar ao máximo esta vida materialisticamente: “comamos e bebamos que amanhã morreremos”. Afinal, ele também comentou: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (vs. 19).
Por outro lado, voltando ao texto de 2 Coríntios 5:1-8, o apóstolo Paulo não queria ser achado nu, sem o corpo mortal, terreno, ou o corpo imortal, celestial—isto é, passar pela morte—mas ser revestido. A ilustração paulina do revestir-se da casa celestial, despindo-se do tabernáculo terreno sob o qual gemia, não querendo, pois, ser achado despido, é poderosíssima arma contra as distorções de seus escritos por alguns que querem forçar o apóstolo dos gentios a crer em noções do paganismo que rodeava o mundo cristão de seu tempo e que ele jamais acataria. Pelo contrário, combatia com vigor.
É clara a linguagem de Paulo quanto a “revestir-se” da casa celestial, em contraste com o abandono do tabernáculo terreno, e sua expressão de intenção de não ser achado “despido”. Ora, o que o “revestir-se” e “não estar despido” têm a ver com a idéia de uma alma saindo do corpo na morte? A forma da linguagem é exatamente o OPOSTO de tal noção. Indica, de fato, que a esperança do Apóstolo era ir para o Senhor em corpo, na ressurreição final ou arrebatamento (caso estivesse vivo na volta de Cristo), e não em espírito (ou alma).
Conclusão:
A linguagem de Paulo quanto a “revestir-se” da casa celestial, em contraste com o abandono do tabernáculo terreno, e sua expressão de intenção de não ser achado “despido” comprova que ele esperava herdar a vida eterna, não imediatamente após a morte com a ida de sua alma para o céu, mas quando fosse receber “a coroa da justiça . . . a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2 Tim. 4:8).
Portanto, as noções de “revestir-se” e “não estar despido”, longe de confirmarem a idéia da alma deixando o corpo na morte, implicam o OPOSTO disso: a expectativa do Apóstolo em encontrar o Senhor na ressurreição final ou arrebatamento dos vivos, caso assim se achasse quando do Advento. Somente então iria “partir e estar com Cristo”.
Logo, utilizar 2 Coríntios. 5:1-8 para justificar a posição dualista é um claro “tiro” interpretativo que sai pela culatra.
[Obs.: Para a discussão deste último tópico sobre 2 Cor. 5:1-8 incluímos material do estudo “Análise de 2 Coríntios 5:8 e Seu Contexto Imediato”, de autoria de Théo Mário Lima Rios, com nossos próprios comentários inseridos entre o seu texto. Usado com permissão].
Autor: Prof. Azenilto Brito