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postado em: 29/4/2016
Obra Analisada: GOHEEN, Michael W. A Igreja Missional na Bíblia: luz para as nações. Trad: Ingrid Neufeld de Lima. São Paulo, SP: Vida Nova, 2014. 290 páginas.
A obra “A Igreja Missional na Bíblia: luz para as nações” foi traduzida do original inglês “A Light to the Nations: the Missional Church and the Biblical Story (2011), e é apresentada por Ricardo Agreste como um “trabalho bíblico e teológico-narrativo que se debate com a nossa identidade bíblica e nosso papel bíblico no contexto histórico original” (p. 11). Destinada a pastores e líderes de igreja engajados, possui 290 páginas, organizadas em nove capítulos, e conta com ampla bibliografia e índice remissivo, facilitando a pesquisa seletiva, após a leitura do livro.
O autor, Michel Goheen, é teólogo reformado, de tradição calvinista. Sua ampla formação acadêmica inclui Mestrado em Teologia Sistemática pelo Westminster Theological Seminary (1983) e Ph.D. em Missiologia pela University of Utrecht (2000). Sua dissertação “As the Father Has Sent Me I am Sending You”: J. E. Lesslie Newbigin‘s Missionary Ecclesiology”, desenvolvida sob a supervisão de Jan Jongeneel e George Vandervelde, teve como base a eclesiologia de Lesslie Newbigin’s e foi publicada posteriormente na forma de livro. Atualmente, Goheen ocupa a Cátedra de Genebra de Estudos da Religião e Cosmovisão, atuando também como Pastor na região metropolitana de Vancouver. Além de docente e Pastor de igreja, Goheen é autor de vários artigos e livros, muitos deles em parceria com estudiosos do gênero. Dentre sua extensa bibliografia, A Igreja Missional na Bíblia ocupa importância destacada.
A questão trabalhada por Goheen em sua obra é a “identidade missional” da igreja e seu papel segundo a perspectiva bíblica. Para ele, os trabalhos até hoje publicados sobre eclesiologia são, em sua maioria, carentes de amparo bíblico-exegético, de modo que o termo “missiologia” se acha impregnado de tradições “confessionais” e corrompido pela cultura proveniente do Iluminismo. Há uma necessidade de busca por uma eclesiologia segundo a Bíblia. Em suas palavras, “A visão mais antiga de ‘missão’ não se ajusta ao mundo do século 21”, pois a palavra “missional” descreve,“não atividade específica da igreja, mas sim a própria essência e identidade da igreja à medida que ela assume seu papel na história de Deus no contexto de sua cultura e participa na missão de Deus para o mundo” (p. 20, grifos originais). Assim, a tese levantada é que uma vez que “nos tornamos cativos de nossa cultura, para que a igreja recupere sua identidade e seu papel no mundo dado por Deus, ela precisa ser objetiva e intencional em relação à recuperação da história bíblica e suas imagens” (p. 23). E é isso que Goheen se propõe a fazer: Toda a sua argumentação se tece por meio das “imagens” contidas na “história de Deus” descrita na Bíblia, incluindo o Antigo Testamento. Há destaque para os textos de Êx 19:1-3 e 1Pe 2:9, por meio dos quais o autor estabelece o vínculo entre Igreja e Israel, unidos à Divindade em uma só e mesma missão.
Diversas imagens são trabalhadas, como a de “povo de Deus”, “nação santa”, “Corpo de Cristo”, “rebanho”, “peregrinos” e outras. A imagem dos “paroikoi”, resgatada por Goheen, como sendo os “peregrinos” em uma cultura alheia, à qual devem transformar, será modificada no período de Constantino (séc. IV), na fase conhecida como “Cristandade”, tempo em que pelo seu reconhecimento como religião lícita, a igreja se acomoda à cultura vigente (p. 27). Essa mudança avançará ainda mais no tempo do Iluminismo, que a tornará em uma espécie de “capelão cultural” (p. 28), que oferece serviços individuais, sem exercer sua força para transformação. Assim, para Goheen, na busca de sua identidade, a igreja deve retornar às suas origens iniciais (p. 37). O propósito de Deus para a igreja é que ela desenvolva sua missão por meio da atração, na vivência das exigências da aliança e da transformação, no anúncio das bênçãos da aliança, chamando outros para ser parte dela. A partir daí, se estabelece a conexão entre Israel e a Igreja. A origem de Israel se inicia em Abraão, chamado para as bênçãos da aliança e estendê-la para as nações. A missão é de Deus, que elege um povo para dela participar.
O fracasso de Israel foi o resultado de uma perda da visão, quando desenvolve uma vida comunitária dividida, com ramificações voltadas apenas para si mesmas, sendo que essa teria sido a maior repreensão de Jesus à nação em Seus dias. A missão de Jesus, se torna em primeiro plano, ajuntar o Israel disperso em torno dEle, tornando-os portadores das bênçãos do novo pacto para as nações. Essa meta é alcançada com o Seu grupo de discípulos, que após a ressurreição, prossegue no ajuntamento de Israel. Somente após esse “ajuntamento” a igreja avançará para os gentios e para o mundo todo. Para Goheen, a pergunta pela demora do Reino é um “tempo intermediário”: Esse tempo tem seu sentido na missão de ajuntar Israel e as nações para o encontro com o Senhor.
No entanto, nota-se algumas fraquezas nas argumentações do autor. Devido à sua tradição calvinista, percebe-se que em diversos momentos o autor se perde em tendenciosidade. Assim, por vezes demonstra antinomismo, ao negar o papel da lei moral nos tempos do novo pacto e sua relação para com a transitoriedade da lei cerimonial. Por vezes confunde a ética farisaica com a Torah (p. 119). Ao avaliar a expiação em favor de Israel “em primeiro plano” e por “cada um” apenas por meio de sua “participação na comunidade”, Goheen dá uma dimensão sacramentalista aos ritos e à própria igreja (p.ex. p. 212), que se torna uma porta de salvação (p. 139). Além disso, quando trata da imagem da igreja em Jerusalém, em seu distanciamento dos gentios, o autor se prende uma perspectiva determinista e não consegue distinguir os equívocos da Igreja, de modo que vê em tudo, um plano de Deus bem ordenado e sem impedimentos, quando o que ocorre, de fato, é uma falha humana devido ao preconceito étnico. Há também ecos de dispensacionalismo na sua proposta pela insistência no papel dos judeus.
A obra de Goheen surge dentro de uma necessidade sentida no meio cristão como um todo, quando muito tem se falado acerca de discipulado e do papel da igreja. Em sua obra “A Igreja tem Salvação?”, em 2012, Hans Küng já reivindicava a necessidade de reformas eclesiológicas possibilitando que a Igreja Católica cumprisse o seu papel missionário no mundo. Autores protestantes como Christian Schwartz e Eddie Gibbs têm buscado o sentido da igreja dentro de uma perspectiva missionária. No adventismo, autores como Russel Burrill, também alertaram para a necessidade de uma renovação do perfil missionário da igreja. Desse modo, a perspectiva bíblica e histórica de Goheen para a afirmação da identidade da igreja se torna uma base sólida para a formação de uma eclesiologia bíblica adequada a qualquer sistema religioso cristão voltado para a missão. De fato, Sua leitura é um "refrigério", com ares de renovação para este campo de estudos, tão cativo das teorias de mercado, como denunciado por Eddie Gibbs em sua obra "Para Onde Vai a Igreja".
Em relação à realidade do adventismo, a obra chega como grande apoio por fortalecer seu sentido como movimento centrado na Bíblia e seu papel escatológico, neste tempo chamado de "espera". Ellen G. White já identificava o perfil da “igreja verdadeira” como engajada em sua identidade missional: “Jesus vê na Terra a Sua igreja verdadeira, cuja maior ambição é com Ele cooperar na grande obra de salvar pessoas.” (A Igreja Remanescente, p. 16). A Obra de Goheen pode ser apresentada como um bom roteiro para o resgate da identidade da Igreja como povo missionário de Deus. Ficou demonstrado que a “identidade missional”, mais que o anunciar ou o fazer, é a própria natureza da igreja, chamada para as bênçãos da aliança e para abençoar o mundo todo. Além de sua riqueza epistemológica, o livro se torna adequado para debates em estudos de grupo para líderes e seminários para a igreja, em programas de reavivamento. – [C. S. Sampaio].
Fonte: pastorclaudiosampaio.blogspot.com