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postado em: 2/9/2013
Cristianismo Pós-Moderno
O verdadeiro cristão não gosta de dieta!
1. Considerações iniciais: uma breve explicação
Este artigo é fruto de uma reflexão que tem por sustentação teórica dois autores que eu gosto muito: Zygmunt Bauman e Enrique Rojas. O primeiro, Bauman, é sociólogo polonês, responsável por uma prodigiosa produção intelectual, da qual destaco um livro em particular: “Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos”. O segundo, Rojas, é psiquiatra em Madri, pertence à geração dos médicos humanistas, e é autor de diversos livros de caráter psicológico e psiquiátrico, além de ensaios sobre temas humanísticos, do qual destaco um livro em particular: “O homem moderno – a luta contra o vazio”. A essa altura, talvez você esteja se perguntando: Mas, afinal, o que esses dois estudiosos têm a ver com o fato de o verdadeiro cristão não gostar de dieta? O título foi provocativo mesmo, para chamar a sua atenção para questões, já adianto, muito mais sérias e profundas do que a preferência do leitor por alimentos sem calorias.
2. Uma síntese do pensamento de Zygmunt Bauman e de Enrique Rojas
A tese fundamental de Bauman é a de que vivemos num mundo líquido, que se opõe a tudo que se pretenda durável, sólido, perene. É a contínua substituição de objetos, pessoas, convicções. É a cultura do descartável, do aluguel. Nada permanente. E a modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos: um amor líquido. A insegurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos. O homem moderno é um homem sem vínculos. O adjetivo líquido utilizado por Bauman para caracterizar a modernidade, a vida e o próprio amor, evidencia bem algumas características desse tempo na sua visão: a fluidez, a capacidade de mudança rápida, a facilidade de tomar novas formas, a imprevisibilidade, a temporalidade, a fragilidade etc. Segundo o autor, a sociedade de consumo em que vivemos contribui para isso. Afirma Bauman: “Assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro”.
Já a tese fundamental de Rojas é a de que esse homem moderno é um homem light. Embora o adjetivo utilizado por ele seja outro, light, a ideia é muito semelhante à de Bauman. Segundo Rojas, vivemos a cultura light: alimentos sem calorias, sem gordura, sem excitantes – tudo suave, ligeiro, sem riscos, com segurança garantida. É a cultura do efêmero. Afirma Rojas que “esse homem moderno ou light tem os seguintes componentes: pensamento fraco, convicções sem firmeza, assepsia em seus compromissos, indiferença sui generis feita de curiosidade e relativismo”. Assim, o homem moderno é frio, não acredita em quase nada e suas opiniões mudam rapidamente. Vivemos, portanto, a era do plástico, do descartável. Esse homem moderno ou light é, segundo ele, um sujeito cuja bandeira é uma tetralogia niilista: hedonismo – consumismo – permissividade – relatividade. Tudo isso costurado pelo materialismo.
Bom, feitas essas considerações iniciais, pergunto: será que todas essas características identificadoras do homem light, que vive num tempo líquido, estão atingindo o modo de viver cristão? Ou, mais ainda: Num mundo em que tudo é negociável, até que ponto o cristianismo conseguiu ficar imune a essas influências? Será que o comportamento do cristão contemporâneo é diferente desse homem moderno caracterizado por Rojas? É o que começo a expor a seguir.
3. Cristão light?
Inicio esse tópico repetindo a frase que já citei do Rojas, com uma pequena modificação: ao invés de colocar “homem light”, colocarei “cristão light”. Ficaria mais ou menos assim: “esse cristão moderno ou light tem os seguintes componentes: pensamento fraco, convicções sem firmeza, assepsia em seus compromissos, indiferença sui generis feita de curiosidade e relativismo”. São quatro características que se ajustam bem a muitos cristãos (se é que podemos chamá-los assim) contemporâneos.
Em primeiro lugar, o cristão light possui um pensamento fraco. Segundo Enrique Rojas, o homem moderno se alimenta de notícias, sem fazer uma síntese para buscar o sentido delas. O homem moderno não critica e torna-se “presa fácil de qualquer espertalhão que saiba articular bem seu discurso de vendas”. E ainda acrescenta Rojas: “seu nível de leitura é praticamente mínimo”. Infelizmente, isso não está muito distante da realidade de muitos cristãos, com suas Bíblias empoeiradas abertas no Salmo 91. Quando comecei o Seminário Teológico, um professor perguntou quantos dos vocacionados ali presentes já haviam lido a Bíblia toda pelo menos uma vez. Numa turma de 48 alunos, apenas 6 responderam afirmativamente. Certo pastor uma vez argumentou com suas ovelhas: “Dou graças a Deus por nunca ter lido a Bíblia toda, pois assim, cada vez que eu abro a Palavra de Deus, eu vejo uma novidade!”. Dá pra acreditar? E mais ainda, para muitos, o único contato com a leitura das Sagradas Escrituras é na retirada de versículos aleatórios da caixinha de promessas!
Certa vez, li uma frase assim: “o homem age pelo que diz; diz pelo que pensa; e pensa pelo que lê”. A leitura da Bíblia deveria ser prioridade na vida de todo cristão. Não uma leitura informativa apenas, mas formativa principalmente. Não apenas ler, mas “comer a Bíblia”. Fazer com que suas Palavras penetrem no corpo e se transformem em parte de nós, tal como o alimento entra nos nossos órgãos e músculos. Eugene Peterson, em seu livro “Maravilhosa Bíblia”, afirma com propriedade: “Ao ler a Bíblia, acabamos entendendo que aquilo de que precisamos não é primordialmente da ordem da informação (dados sobre Deus e nós mesmos), mas da ordem da formação: o que nos molda e transforma em nosso verdadeiro ser”. Quem não sabe ler, pode ouvir a Bíblia narrada por outros. Hoje, as opções são muitas. No entanto, o povo de Deus não tem dado o verdadeiro valor à Sua Palavra. E com isso, tem se estabelecido muitos cristãos lights, com pensamentos fracos, incapazes de reagir, de criticar, de analisar, de argumentar. Até quando ficaremos perdidos? Lembremo-nos de Oséias 4.6a : “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim”. Onde está o nosso prazer?“Bem-aventurado o homem que (...) tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Salmo 1.1-2). Ler a Bíblia, meditar na Bíblia, orar a Bíblia, viver a Bíblia: eis o caminho para nos tornarmos cristãos integrais, com substância, com gordura. Nesse sentido, o verdadeiro cristão não gosta de dieta!
Em segundo lugar, o cristão light possui convicções sem firmeza. Claro que isso é consequência natural do primeiro item. Pensamentos fracos transbordam em convicções sem firmeza. Pedro advertiu: “Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). Estar preparado para responder exige capacidade reflexiva e argumentativa; exige preparo e muito estudo; exige santidade e intimidade com Deus. Não podemos falar daquilo que não conhecemos. Cristãos que não possuem firmes convicções podem ser levados por qualquer vento de doutrina. Há alguns meses, apareceu no Fantástico um “pastor” que mantinha relações extraconjugais e incentivava os seus membros a agir assim também. De acordo com esse tal “pastor”, a Bíblia legitimava isso, pois segundo a interpretação herege que ele fazia, Deus havia dito para Oséias pegar uma mulher e adulterar com ela. O pior é que a igreja tinha muitos membros! Outra situação: quantos se desviam da fé quando entram na universidade! São facilmente manipulados, enganados, ludibriados por argumentos falsos, mas extremamente convincentes. Outros exemplos são daqueles que abandonam a fé quando a tribulação chega, quando a tempestade vem. Só conseguem servir a Deus na bonança, na vitória, na bênção. Fundamentam a sua fé numa “revelação”, num “milagre”, numa “bênção material”. Suas casas estão construídas sobre a areia. Quando a tempestade vem, os alicerces não resistem. Lembrei-me agora de uma frase de Lutero: “Fiz uma aliança com Deus; que Ele não me mande visões, sonhos, nem anjos. Eu estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante, que me dão tudo o que eu preciso conhecer”. É preciso que estejamos firmados na Rocha Eterna que é Jesus! Milagres são uma bênção, mas nossa fé não pode se fundamentar neles! Não podemos negociar e nem abrir mão dos nossos valores. Amemos a Palavra. Armemo-nos da armadura de Deus, para que possamos resistir no dia mau. Saibamos utilizar bem a nossa Espada. Somente assim, seremos cristãos integrais, com firmeza nas convicções.
Em terceiro lugar, o cristão light não tem compromissos. Talvez um dos grandes problemas dos nossos tempos seja justamente a falta de compromissos. Ninguém quer se comprometer mais. Isso tem se revelado nas instituições e nos relacionamentos. A modernidade líquida tem produzido homens sem vínculos. Ele “conecta-se” e “desconecta-se” o tempo todo. As diversas “conexões” da vida são estabelecidas e cortadas por escolha. Nada é permanente. São assim os que não se envolvem nas atividades da igreja. São assim aqueles que vivem pulando de igreja em igreja. Assim podem ser alguns crentes domingueiros. Alguns não são cristãos, mas estão cristãos. Muitos são aqueles que não têm compromissos com os ministérios, com os horários, com a realização de tarefas, com as autoridades espirituais, com a Palavra de Deus. E essa assepsia em seus compromissos, no caso do cristão moderno ou light, reflete-se tanto verticalmente (na sua relação com Deus) quanto horizontalmente (na sua relação com os irmãos). Amar incondicionalmente, dar a outra face, caminhar mais uma milha, perdoar setenta vezes sete são exemplos utópicos, para não dizer sem sentido. A lógica é a do mínimo esforço. Não dá para conceber, por exemplo, “revesti-vos de entranhas de misericórdia”, num mundo líquido, de compromissos superficiais, onde grande parte não quer ir além da epiderme.
E o que dizer do amor conjugal nesse contexto? Zygmunt Bauman, analisando a fragilidade dos laços humanos, chega à conclusão de que a modernidade em que vivemos traz consigo o amor líquido. A definição romântica do amor como “até que a morte nos separe”, segundo essa perspectiva, estaria totalmente fora de moda. Os laços modernos são frouxos, podem ser desfeitos a qualquer momento; os relacionamentos são descartáveis, podem ser trocados quando a conveniência precisar. A sociedade de consumo em que vivemos contribui pra isso. Catherine Jarvie chama isso de “relacionamentos de bolso”. Uma “relação de bolso” é primordialmente instantânea, disponível, fluida, descartável, líquida. Afirma Bauman que “quando a qualidade o decepciona, você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode redimi-lo”. Enrique Rojas chama isso de “amor de desconto”: tudo a preço baixo, ligeiro, light, sem conteúdo, sem substância, sem rumo etc. O pior é que, às vezes, podemos contemplar essas características também nos relacionamentos conjugais cristãos, seja nos namoros incontáveis e ligeiros dos jovens, seja na multiplicidade de casamentos e divórcios dos adultos. Com relação ao crescimento dos “relacionamentos virtuais”, Bauman analisa: “Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Entrevistado a respeito da crescente popularidade do namoro pela internet, em detrimento dos bares para solteiros e das seções especializadas dos jornais e revistas, um jovem de 28 anos da Universidade de Bath apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica: ‘Sempre se pode apertar a tecla de deletar”. E mais, essa superficialidade acaba se refletindo também no amor fraternal.
Nesse momento pergunto: Qual a resposta cristã para essa sociedade líquida, que mal consegue definir o amor? Ed René Kivitz considera três fatos: a) o amor encontra seu significado, não na posse das coisas prontas, completas e concluídas, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas; b) o amor não é um caminho de satisfação, mas de transformação e realização; e c) o amor não é um episódio, mas uma caminhada comum. E ele diz mais: “A sociedade anticristã não vive da negação do que é cristão, mas da deturpação. Para deturpar, você priva, exacerba (exagera) ou distorce. O amor líquido é uma falsificação do amor sólido. Isto é, para conspirar contra o amor, o diabo não precisa semear o ódio (a maioria rejeita), basta semear o amor líquido”. Concordo com você, Kivitz: falsificaram o amor! Assim, o cristão light ou líquido é também aquele que não tem uma percepção correta do verdadeiro amor, aquele que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.
Em quarto e último lugar, o cristão light possui uma indiferença feita de curiosidade e relativismo. Tudo passou a ser relativo. Não dá para criar formas sólidas num mundo líquido. Tudo passa a ser ajustável. A consequência disso é desastrosa! Trata-se de uma sociedade decadente e opulenta, onde tudo convida ao descompromisso. Nas palavras de Rojas: “Paixão de sensações e morte dos ideais. (...) Apoteose da indiferença pura e, ao mesmo tempo, do desejo de experimentar mil sensações diversas e excitantes”. A curiosidade é exemplificada pela frase “vou lá ver qual é”. O relativismo é exemplificado pela crença do “não tem nada a ver”. Muitas concessões têm sido feitas sobre questões essenciais. Esse “mundo cristão líquido”, para brincar com Bauman, tem gerado cristãos extremamente flexíveis, sem forma, sem convicções imutáveis, sem compromissos, sem firmeza. Esse “mundo cristão light”, para brincar com Rojas, tem gerado também cristãos fracos, sem substância, sem gordura e, em alguns casos, portadores de anorexia espiritual.
Após analisar algumas características do cristão light, passemos a analisar alguns pontos do cristianismo light ou líquido.
4. Cristianismo líquido?
Recentemente fiquei impactada com uma foto que vi. Era a foto de uma igreja com uma faixa bem grande na frente que dizia mais ou menos assim: “Sob nova direção! Bispo xxxxxxx”. Ué, sempre achei que fosse o Espírito Santo o diretor da igreja! E também sempre achei que a mensagem salvadora da Palavra de Deus fosse a maior “propaganda” da igreja! Também me impressiona a frequência com que somos bombardeados (na TV, nos rádios, nas igrejas locais...) de perspectivas de cristianismo muito diferentes daquele cristianismo proposto por Jesus Cristo.
Vou me reportar agora a Bauman e repetirei uma frase que já citei dele, com uma pequena modificação: ao invés de colocar “cultura consumista como a nossa”, colocarei “cristianismo consumista como o nosso”. Se o consumismo é uma das grandes marcas dessa modernidade líquida, quem sabe não conseguiremos fazer algum tipo de relação com o cristianismo vivenciado por alguns nesse tempo? A frase ficaria mais ou menos assim: “Assim é num cristianismo consumista como o nosso, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro”. Com exceção da parte que se refere à devolução do dinheiro, acho que o resto se aplica bem. Vejamos.
Ser e ter sempre foram um dilema social. No plano teórico, todos defendem o ser. No mundo prático da vida, todos querem ter. E quanto mais, melhor. E quem não pode ter, se esforça para parecer que tem. Consumismo, na maioria das vezes, é irmão do materialismo. Não está muito distante da realidade do cristianismo contemporâneo. O cristianismo líquido molda-se ao bel prazer do consumidor. O que o povo quer ver? O que o povo quer ouvir? Quais são as expectativas que necessitam ser supridas? Perdemos o foco. “O culto foi uma bênção” ou “Não gostei do culto hoje” indicam perfeitamente a mudança de quem está no centro. Até quando ficaremos assim? Até quando ficaremos iludidos com a convicção de que o culto é feito para nós? Mas não é só isso, ainda pode piorar...
Vivemos num mundo líquido, numa cultura light, onde tudo é relativo e negociável. Estamos acostumados a consumir produtos de baixo preço, ligeiro, light, sem conteúdo, sem substância. O “marketing” de muitas igrejas tem passado longe da perspectiva de Getsêmani, de calvário, de cruz. E elas ainda têm a petulância de argumentar biblicamente... “Por que eu preciso ir ao calvário se Jesus já foi lá?” ou ainda, “por que eu preciso carregar a minha cruz se Jesus já carregou a dele por nós?”. Meu caro leitor, hoje em dia é possível fazer teologia com tudo e da forma mais bizarra possível. É o mercado. Vou dar um exemplo hipotético. Suponhamos que você seja um cristão sincero e muito explosivo. Suponhamos que você queira “comprar paciência”. A empresa nº 01 tem o “produto” que você tanto almeja. Você então pergunta ao vendedor: Quanto custa a paciência? O vendedor te responde: É um produto caro. Você precisará levar uma vida dedicada ao Senhor; você deverá consumir as palavras do Espírito Santo diariamente, uma vez que Ele será o responsável por fazer crescer em você esse fruto; você também deverá enfrentar algumas tribulações, pois elas serão ótimas para produzir o produto que você tanto deseja; você deverá levar também uma vida de oração, leitura da Bíblia etc. Aí, quando você menos esperar, quase sem notar a mudança gradual, você perceberá que conseguiu uma dose maior do produto que você tanto queria. Mas, lembre-se: para conseguir usufruir desse produto você terá que fazer tudo isso constantemente”. Você pensa bem e chega à conclusão que essa empresa nº01 tem o produto (“paciência”) que você deseja, mas está tão caro, exige um esforço tão prolongado, que você prefere visitar outros lugares. Você chega então no camelô e encontra uma cópia muito boa do seu “produto” desejado. Você pergunta ao vendedor: Quanto custa a paciência? Ele responde: É baratinha, você usa imediatamente... é só você determinar que será uma pessoa mais paciente e pronto. Esse kit é muito fácil de usar. A satisfação é garantida. Bom, acho que você entendeu o que quis dizer com cristianismo líquido, né? Mas, infelizmente, não acaba por aí... As propostas são tentadoras: “Venha para o culto dos milagres”, “Sua vida financeira está destruída? O nosso Deus é o Deus do ouro e da prata!”, “Participe da corrente das 7 semanas e encontre o seu amor” (ainda bem que não falaram ‘alma gêmea’, né?) ou ainda “Tenha fé e determine a vitória de Deus sobre a sua vida, a sua casa, a sua doença”. Rojas analisa a “sociedade divertida”. Até que ponto isso não tem se refletido também nas igrejas?
Meu querido leitor, eu também creio que Jesus faz milagres hoje. No entanto, isso não me dá o direito de decidir quando Ele vai operar. Eu já orei por pessoas doentes fisicamente e elas ficaram imediatamente curadas, mas eu também já orei pedindo uma cura física a Deus e não fui atendida. A culpa é de Deus? Não. A culpa é da minha falta de fé? Não necessariamente! Deus é soberano! Não podemos colocar Deus numa caixinha e dizer: “Agora você vai agir assim”. Eu também creio que o meu Deus é o Deus do ouro e da prata. No entanto, isso não me dá o direito de viver em função de bênçãos materiais. Com Deus não se brinca. Não dá pra barganhar com Deus. A relação cristã não deve ser do tipo “toma lá dá cá”. Não me compreenda mal. Eu sei que existem exceções. Eu sei que existe muita gente séria e comprometida com o Senhor. Não estou me referindo a esses, mas àqueles que têm brincado com a Palavra de Deus e que têm tentado manipular o povo de Deus.
Na verdade, creio que todas essas posturas são reflexos da modernidade líquida em que vivemos. Uma sociedade que privilegia o imediatismo, o consumismo e o descartável. Não se fala mais em consertos. Quebrou? Joga fora e compra um novo. Consertar custa tempo, dedicação, zelo. Ninguém está disposto a esperar. O mundo é veloz, muda constantemente, toma novas formas. Queremos as coisas para ontem. Não estamos dispostos a passar pelas tribulações. Não estamos dispostos a enfrentar desertos. Queremos atalhos, sempre mais rápidos e objetivos. Esse é o moderno cristianismo líquido. Mas, o que Jesus nos ensinou?
5. Disse Jesus: “Vocês também não querem ir embora?”
Quando olho para Jesus, vejo uma postura radicalmente oposta àquela que vimos até aqui. Jesus tinha uma missão e uma mensagem para pregar. Ele não fazia concessões. Ele não relativizava os princípios de Deus. Ele não estava preocupado em agradar. Ele não mudava o seu discurso para ver se com isso atraía multidões. Gosto muito da passagem de João 6.60-69, quando muitos discípulos abandonam Jesus. Jesus já havia curado e alimentado uma multidão. Mas, quando alguns perceberam que Ele não era o conquistador que esperavam, quando outros perceberam que Ele se recusava a atender às suas solicitações egoístas e arrogantes, quando alguns perceberam que o seu discurso era duro demais, um a um foram abandonando a Jesus. E qual a reação de Jesus? Ele mudou o seu discurso? Ele fez adaptações para não ficar mal com a multidão? Não. Ficaram somente os doze discípulos e Jesus continua a perguntar: “Quereis vós também retirar-vos?” Fico imaginando a cara dos discípulos nessa hora. Jesus estava implicitamente perguntando: Por que vocês estão me seguindo? Estão querendo pão e peixe? Estão querendo bênçãos materiais? Estão atrás de milagres? Onde reside o fundamento da fé de vocês? Vocês também não querem ir embora? Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras de vida eterna, e nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o filho do Deus vivo!” Aleluia! Precisamos rever nossas motivações...
Outro ponto importante era o fato de Jesus estar completamente comprometido com a Palavra. E o mais essencial: Ele vivia o que ensinava. O exemplo de Jesus foi o seu maior legado. Devemos seguir os passos de Jesus: andar como ele andou. Não dá para ser um autêntico cristão tendo como lema a frase “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Já dizia Moody: “De 100 homens, 1 lerá a Bíblia; 99 deles lerão o cristão”. Eu então te pergunto: Quantos % você é daquilo que você prega? Precisamos de homens e mulheres que estejam dispostos a bater no peito e dizer como Pedro e João: “olha para nós”. Ou ainda como Paulo, que afirmou: “sede meus imitadores, como eu sou de Cristo”. É esse o nosso desafio.
6. Considerações finais: o desafio de ser corpo num mundo líquido
Do que precisamos? Que tipo de cristãos o Senhor da Glória deseja formar? Com certeza não são cristãos lights, sem compromissos, que pregam uma coisa e praticam outra. Com certeza não são cristãos líquidos, escorregadios, modeláveis ao mundo. Nós estamos nesse mundo, mas não somos deste mundo! Coerência cristã talvez seja a palavra escassa nesse tempo. Estou cansada de ouvir frases do tipo “não olhe para mim, olhe para Jesus” ou “se você olhar para os irmãos na igreja, você perde a fé”. Eu sei que ninguém é perfeito. Eu sei que existe joio e existe trigo. Eu sei que eu não tenho a capacidade plena para discernir um do outro. Eu sei que existem lobos e ovelhas. Eu sei de minhas fraquezas. Eu sei que o meu olhar deve estar firme em Jesus. É óbvio que eu sei que o nosso alvo é Cristo. Jesus é o fundamento. É Ele o nosso maior e melhor exemplo! Mas eu também preciso assumir as minhas responsabilidades enquanto Igreja do Senhor! Afinal, o que é ser Igreja? É ser o corpo vivo de Cristo! E corpo é algo sólido, com forma definida! Precisamos acordar. O mundo não vê Jesus Cristo. O mundo não lê sobre Jesus Cristo. O mundo não toca em Jesus Cristo. Mas o mundo pode me ver, pode me tocar, pode ouvir uma palavra minha. O propósito de Deus é que, nessa hora, eu diga as palavras dEle, eu veja como Ele, eu ame como Ele. Que verdadeiramente eu seja nessa hora, e em todo o tempo, o corpo de Cristo aqui na terra. Vale ressaltar, no entanto, que jamais devo fazer isso para angariar adoradores ou promover um culto à vaidade e ao marketing pessoal. Definitivamente, não! Antes, o objetivo é exatamente o oposto: “fazer com que Ele cresça e eu diminua”.
Cristãos aos pés da cruz! Cristãos que não estejam dispostos a negociar os imutáveis princípios do Reino de Deus! Cristianismo de volta a Cristo! Parece paradoxal e sem sentido, mas é, de fato, disso que precisamos: de um cristianismo integral, sólido, que não negocie princípios, que não faça concessões com os valores do Reino, que não relativize, que não seja permissivo demais, que não seja descartável, enfim, um cristianismo totalmente comprometido com Cristo!! Só assim seremos verdadeiramente o corpo de Cristo! Somente assim seremos cristãos fortes, sadios, que “comem a Bíblia”, firmes, com muita gordura e substância! Nada de dieta!
Autora: Érica Peixoto
Fonte: http://www.prazerdapalavra.com.br