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postado em: 27/11/2008
A Ira de Deus e a Ira do Homem
Este é um dos assuntos mais difíceis de ser explicado dentro das Escrituras, porque estas condenam a ira e de outro lado apresentam tantas referências à ira de Deus. Este estudo tenciona esclarecer os estudantes da Bíblia sobre a necessidade de fazer nítida distinção entre ira humana (que também parece sofrer dupla distinção) e o real significado da expressão ira de Deus.
Sobre a importância do tema basta mencionar estes aspectos:
1º) O Theological Dictionary of the New Testament de Kittel dedica 62 páginas ao estudo da palavra ira:
2º) Há uma compreensão totalmente errada, de modo geral no mundo e mesmo entre nós com respeito à expressão "ira de Deus".
Faz pouco tempo obtive da Biblioteca Evangélica de São Paulo uma brochura, que é um sermão intitulado "Pecadores nas Mãos de um Deus Irado" de autoria de Jonathan Edwards, um destacado teólogo e erudito dos Estados Unidos no século XVIII.
Suas ponderações sobre a ira divina são verdadeiramente absurdas. Para termos uma idéia precisa do que ele pregou basta este trecho:
"Ó pecador, considera o temível perigo em que te achas! E sobre uma grande fornalha de ira, um abismo hiante e sem fundo, cheio do fogo da ira, que és seguro na mão daquele Deus, cuja ira é provocada e despertada contra ti, tanto quanto contra muitos dos condenados do inferno..."
O sermão é todo neste mesmo diapasão, mostrando uma distorção total do caráter de Deus.
Comentários Gerais
Definição de Ira
"Mágoa ou paixão que a injúria desperta na pessoa injuriada; raiva, cólera. Desejo de vingança." – Laudelino Freire.
No consenso comum esta palavra significa fúria, raiva, cólera, com um desordenado desejo de vingança. Esta seria a ira humana, por isso é condenada na Bíblia.
Ira do Homem
De acordo cem o Dicionário Enciclopédico da Bíblia (Editora Vozes Limitada, Petrópolis) a ira do homem geralmente é reprovada na Escritura; quanto ao Velho Testamento sobretudo, nos escritos de Salomão. O motivo parece ser mais utilitário desde que a ira nos causa prejuízo.
• Prov. 15:18 – "O homem iracundo suscita contendas, mas o longânimo apazigua a luta."
• Prov. 18:19 – "Homem de grande ira tem de sofrer o dano."
O Novo Testamento também condena a ira, basta ler:
Mat. 5: 22 – "Quem se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento."
Efésios 4:31 – "Longe de vós toda a amargura, e cólera e ira..."
Pode-se ler ainda: Gál. 5:20; Ecles. 7:9; Jó 5:2, Sal. 37:8; Prov.14:17.
A ira está classificada pela Igreja Católica entre os sete pecados capitais; sendo os outros seis: orgulho, avareza, luxúria, gula, inveja, preguiça. Destes sete há dois que merecem, no uso corrente da linguagem, uma exceção muito honrosa, o orgulho e a ira.
Falamos habitualmente em santo orgulho (a justa soberba) como em santa ira (o ódio bem fundado). Quando nos orgulhamos de atos que merecem o nosso respeito e representam verdadeiros paradigmas de nossa conduta, o orgulho deixa de ser pecado para se transformar em virtude. É o santo orgulho.
Quando odiamos a injustiça, o erro, o pecado e discernimos, com isso, o bem do mal, o certo do errado, a virtude do relaxamento, esse ódio se transfigura e se redime. É a santa ira. Desta santa ira o próprio Jesus nos deu o exemplo, como se vê na sua maneira de falar sobre os fariseus e no seu comportamento no templo. Estas atitudes estão relatadas em Marcos 3:5 e Mat. 21:12.
Em Marcos 3:5 no grego se encontra: olhando-os ao redor, cem ira – orguê.
Não seria a esta ira que se refere a Palavra Divina, quando preceitua: "Irai-vos e não pequeis" (Efés. 4:26?
A Palavra Ira no Original
No Velho Testamento a palavra ira é a tradução de várias palavras do original hebraico, enquanto no Novo Testamento ira é a tradução de três palavras gregas:
orguê; thimós; parorguismós:
1ª) orguê, a mais usada no Novo Testamento, por aparecer 385 vezes.
É ira com desejo de vingança. É a ira pensada, mais calma, mais firmada na vontade e na razão, orguê é usada para a ira do homem:
Efés. 4:31; Col. 3:8; I Tim. 2: 8; Tiago 1:19, 20; para a ira de Cristo contra os fariseus, relatada em Marcos 3:5; mas também para o julgamento final de Deus: Mateus 3:7; Luc. 3:7; Rom. 1:18; 2:5, 8; 3:5; 12:10; Efésios 2:3; 5:6; Col. 3:6; I Tess. 1:10; 5:9.
2ª) thimós, empregada apenas18 vezes, 10 das quais se acham no Apocalipse. É a paixão irascível, ira a ferver, ira como algo em ebulição.
W. E. Vine Expository Dictionary of the New Testament Words, pág. 55 assim a distingue de orguê – "thimós expressa mais o sentimento interno, orguê a emoção ativa."
Vincent afirma: "Tanto orguê como thimós são unidos no Novo Testamento para ira ou cólera, e sem qualquer distinção comumente observada. Orguê denota um mais profundo e mais permanente sentimento, um hábito mental estabelecido, enquanto que thimós é uma agitação mais turbulenta, embora temporária.
Ambas as palavras são usadas na frase ira de Deus, que comumente denota uma manifestação distinta do juízo divino (Rom. 1: 18; 3: 5; 9: 22; 12: 19)." – Word Studies in the New Testament, vol. II, pág. 110.
De acordo com The Interpreter"s Dictionary of the Bible, vol. I, pág. 135, a distinção a ser feita é esta:
"Se há qualquer distinção entre estas duas palavras no Novo Testamento em relação à emoção humana, parece que thimós denota melhor a paixão irrefletida da ira (por ex. Luc. 4:28); orguê, a indignação moral mais relativamente considerada (Tiago1:19).
Nota: Há autores que afirmam que nenhuma distinção rode ser feita entre estas duas palavras.
3ª) parorguismós.
Nesta palavra se encontra uma reforçada forma de orguê. Ela aparece apenas uma vez no Novo Testamento em Efés. 4:26, com o sentido de ira provocada.
O verbo cognato parorguidzo, irritar, excitar à ira é usado duas vezes: Rom. 10:19 e Efés. 6:4.
Vine ao explicar parorguismós de Efés. 4: 26 afirma:
"O verbo precedente, orguidzo; neste verso faz supor uma ocasião justa para o sentimento. Isto é confirmado pelo fato de que é uma citação do Salmo 4:4 (Septuaginta), onde a palavra hebraica significa tremer com forte emoção." – Expository Dictionary of the New Testament Words, pág. 56.
Ira de Deus
Uma pesquisa na Bíblia nos leva à conclusão de que a ira humana e a ira de Deus são totalmente distintas.
Freqüentemente o princípio da ira de Deus é apresentado em termos antropomórficos. Russel Norman Champlin, em seu comentário sobre Romanos 1:18 pondera:
"A ira de Deus não indica alguma forma de emoção humana, que perturbe o equilíbrio emocional das pessoas e as torne desejosas de ferir às outras, em forma de ações maldosamente planejadas, conforme a ira humana geralmente obriga as suas vitimas a fazerem. A ira de Deus é ordinariamente aludida em termos escatológicos, referindo-se ao julgamento que haverá no futuro dia do Senhor."
"É a justa indignação de Deus quando do julgamento contra o pecado." – Idem, comentário de Rom. 5:9.
F. F. Bruce no livro: Romanos – Introdução e Comentário, pág. 69 ao analisar Rom. 1:18 nos esclarece:
"Se se pensa que a palavra ira não é muito apropriada para usar-se com relação a Deus, é provavelmente porque a ira como a conhecemos na vida humana, constantemente envolve paixão egocêntrica, pecaminosa. Com Deus não é assim. Sua "ira" é a reação da santidade divina face à impiedade e rebelião. Paulo decerto concordaria com Isaías ao descrever esta ira de Deus, como "sua obra estranha" (Isaías 28:21) à qual Ele a aplica lentamente e com relutância. ...
"A idéia de que Deus é ira não é mais antropopática do que o pensamento de que Deus é amor. A razão pelo qual a idéia da ira divina está sempre sujeita a mal-entendidos é que a ira entre os homens é eticamente errada. E contudo, mesmo entre os homens não falamos da ira justa?"
Há dois extremos que devem ser evitados ao tratar-se da ira de Deus. O primeiro pertence àqueles que O apresentam cheio de amor e longanimidade e como um Pai amoroso não irá destruir os seus filhos, portanto não acreditam na severidade ou na ira de Deus. No extremo oposto se encontram os que apresentam a Deus como um ser vingativo e irado que fará os homens queimarem para sempre. Muitos sacrifícios têm sido feitos para aplacar esta ira.
Não há nenhuma discrepância nos versos que apresentam a Deus cheio de bondade e amor com aqueles que revelam sua ira contra o pecado e os pecadores que acintosamente o rejeitam. O amor requer julgamento. A severidade divina é sempre manifestação do amor.
Como bem se expressou Arthur John Gossip:
"Mas no Novo Testamento os homens não ouvem qualquer choque entre a ira divina e a longanimidade divina: pelo contrário, ficam certos tanto da bondade como da severidade de Deus; certos de que a sua severidade faz parte da Sua bondade, e que, se essa severidade estivesse ausente, Ele não seria bom, porquanto os alicerces morais do mundo se desequilibrariam e entrariam em colapso."
Do cotejo de várias passagens bíblicas os estudiosos têm chegado à conclusão de que há uma dupla necessidade da ira de Deus, que neste caso seria sinônimo de sua justiça:
1ª) Para que haja manutenção das leis divinas que pedem justiça.
2ª) Para extermínio do pecado e dos pecadores impenitentes que se opuseram à misericórdia divina.
A Bíblia nos apresenta a ira de Deus desviada após confissão do pecado e arrependimento. Salmo 106:43-45; Jer. 3:12, 13; 31:18-20; Luc. 15:18-20.
A ira de Deus é justa. Salmo 58: 10, 11; Rom. 6:2, 8; Apoc. 16:6, 7.
De acordo com Rom. 2:4 e 5 a ira de Deus significa o juízo de Deus.
Ela é usada contra:
a) Os ímpios – Isa. 13:9; Rom. 1:18; Efés. 5:6.
b) A apostasia – Heb. 10:26-27.
c) A idolatria – Deut. 29:27-28; Jos. 26:16; Jer. 44:3.
d) Aqueles que se opõem ao evangelho. Salmo 2:2, 3, 5; I Tess. 2:16.
Ela é temperada com misericórdia no caso dos santos. Salmo 30: 5; Isa. 26:20; Jer. 30:11.
Ela deve conduzir-nos ao arrependimento. Isa. 42: 24-25; Jer. 4:8.
O livro Essays in Honor of Edward Heppenstall – The Stature of Christ apresenta como capítulo final: "An Interpretation of the Wrath of God", de Morris D. Lewis, trabalho honesto, bem fundamentado e que expressa de maneira feliz a crença adventista sobre este empolgante tema. Para que se tenha melhor compreensão do problema aqui se encontram traduzidos das primeiras 8 páginas, das 22 de sua pesquisa, alguns trechos mais significativos:
"As centenas de textos bíblicos que descrevem a ira como uma característica de Deus criam um problema. O amor na personalidade da Divindade parece estar em conflito com as muitas referências às demonstrações de cólera, furor e ira de Deus. Uma referência típica é aquela de Jeremias retratando a exasperação divina por causa da pecaminosidade dos habitantes de Jerusalém.
"Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: . . . eu planejarei contra vós com mão estendida, e com braço forte, e com ira, e com indignação e com grande furor. E ferirei os habitantes desta cidade, assim os homens como os animais: de grande pestilência morrerão. (Jer. 21:4-6).
"A maioria dos teólogos modernos hoje crêem que em adição à característica divina de amor, a personalidade da Divindade, às vezes, se inflama ante a rebelião do homem e exibe cólera e ira para testificar contra a odiosidade do pecado. Alguns escritores tendem ao raciocínio de que a ira de Deus é justificável porque é expressa somente após incessante agravamento dos pecadores. Outros enfatizam que a ira de Deus apenas confirma sua santa aversão ao pecado."
"Seja qual for o arrazoamento para justificar a característica de cólera e ira na natureza da Divindade, a argumentação é destituída de fundamento escriturístico. Os Escritos da Inspiração como registrados por Isaías testificam da declaração do próprio Deus: "Não há indignação em mim": (Isa. 27: 4). O mesmo escritor também confirmou a atitude divina no verso nove do capítulo 54:9 – ". . . assim jurei que não me irarei mais contra ti, nem te repreenderei."
A palavra hebraica mais freqüentemente usada para provocação é a mesma palavra usada muitas vezes para ira. Ficar zangado e ser provocado e mostrar ira são expressões muito semelhantes e intimamente relacionadas. Mas de Cristo, a escritora de O Desejado de Todas as Nações disse: "Sua calma resposta proveio de um coração imaculado, paciente e brando, que não se irritava."1
Cristo nunca foi agitado por pecadores a ponto de revidar com uma atitude excitada. "O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava" (I Ped. 2:23). Cristo nunca foi provocado à cólera ou ira, e ele expressava o caráter de Deus o Pai.
"Que Deus é soberano é indisputável. Como o termo ira de Deus está relacionado com a soberania da Divindade, liga-se primeiramente com a operação da lei. Quer em função da natureza, quer em função do relacionamento moral do homem, a mesma posição predominante de Deus permanece.
Disse o salmista, falando de Deus: "Tu firmaste a terra, e firme permanece. Conforme o que ordenaste, tudo se mantém até hoje; porque todas as coisas te obedecem." Sal. 119:90, 91. Em outra referência o escritor depois de exaltar o poder criador de Deus em estabelecer o sol, a lua, as estrelas e as águas, concluiu: "Louvem o nome do Senhor, pois mandou, e logo foram criados. E os confirmou para sempre, e lhes deu uma lei que não ultrapassarão. (Sal. 148:5, 6).
São estas apenas umas poucas das muitas referências em que Deus é retratado como constantemente controlando a natureza pela lei natural. Neste contexto a operação da natureza é declarada Sua serva.
Os processos da natureza que dão vida, alimento, beleza e prazer são os servos de Deus. Eles executam Seu mando. Esses mesmos processos podem tornar a ser uma tempestade ou uma praga para destruir o homem e a natureza. As funções destrutivas da natureza podem muito bem ser chamadas a ira ou a cólera de Deus.
"O Senhor é um Deus zeloso e que toma vingança, o Senhor toma vingança e é cheio de furor: o Senhor toma vingança centra os seus adversários, e guarda a ira contra os seus inimigos. O Senhor é tardio em irar-se, mas grande em força, e ao culpado não tem por inocente; o Senhor tem o seu caminho na tormenta, e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés" (Naum 1:2-3).
“O Senhor tem o Seu caminho nas tempestades; elas, também, são Suas servas. Tempestades de tal violência podem destruir os ímpios" (Jer. 23:19-20). Quer as operações da natureza sejam tranqüilas e serenas, quer sejam violentas e destruidoras, ambas as funções são mencionadas como sendo a mão de Deus.
Conclusão
Quando a Bíblia fala da ira de Deus ela nos deseja ensinar que Ele é justo e tem aversão ao pecado.
Ira de Deus é uma expressão bíblica que significa o castigo dos ímpios no Juízo Final.
Ira de Deus é outra expressão para a justiça divina.
- Extraído e resumido de Pedro Apolinário, Explicação de Textos Difíceis
Referências
1. O Desejado de Todas as Nações, pág. 700.
2. Patriarcas e Profetas, pág. 40.
3. O Grande Conflito, págs. 589-590.
4. O Ministério da Cura, pág. 11.
5. Minha Vida Hoje, pág. 291.
6. Parábolas de Jesus, pág. 17.
7. Mensagens Escolhidas, vol. I, pág. 216.
8. SDABC, vol. III, pág. 1114.
9. Idem, pág. 306.
10. Profetas e Reis, pág. 349.
11. Profetas e Reis, pág. 728.
12. SDABC, vol. I, pág. 1094.
13. Patriarcas e Profetas, pág. 509.
14. Desire of Ages, pág. 130.
15. O Grande Conflito, pág. 35.
16. O Grande Conflito, pág. 589.