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postado em: 21/5/2010
Teria Jefté sacrificado a filha?
Ouvi um pregador dizer que Jefté sacrificou a fiIha. Aceitaria Deus um sacrifício humano? Não eram os pagãos quem sacrificavam os filhos aos seus deuses?—R.D.
O relato do precipitado voto de Jefté é de difícil explicação, devido à falta de detalhes sobre o que realmente teria acontecido à filha dele. Há os que advogam que Jefté sacrificou a filha, algo abominável para Deus. Outros supõem que esse juiz israelita teria dedicado a filha para uma vida de perpétuo celibato, o que o livraria da acusação de havê-la oferecido em sacrifício. Porém, a única coisa certa nessa história é que ele cumpriu o voto feito (Jz 11:39).
Vejamos os principais argumentos para as duas hipóteses:
A. Os que defendem que a filha de Jefté foi oferecida em sacrifício alegam:
1. Que o voto de Jefté foi de sacrificar quem aparecesse à sua frente, ao voltar do combate contra os amonitas (Jz 11:30 e 31), e isso poderia incluir pessoas. Argumentam que jefté teria sido influenciado pelo paganismo, pois, ao ser expulso de casa pelos irmãos, morou em Tobe (Jz 11:3), urna região da Síria. E uma das práticas pagãs era oferecer pessoas em sacrifício.
2. Que o passado violento de Jefté, que ganhava a vida atacando pessoas (Jz 11:3), mostra que ele bem poderia ter oferecido a filha em sacrifício.
3. Que não há razão para se acreditar que a proibição divina contra sacrifícios humanos (Lv 18:21; 20:1-5, etc.) fosse cem por cento obedecida. Um caso de desobediência a essa proibição é o do rei Manassés, que ofereceu os filhos em holocausto (2Cr 33:6).
4. Que o exemplo de Abraão, que só não consumou o sacrifício de seu filho Isaque por direta intervenção divina (Gn 22:9-12), serve de precedente para o oferecimento de pessoas em holocausto, em situações especiais.
B. Os que defendem que a filha de jefté não fi oferecida em holocausto, mas em sacrifício vivo ao Senhor, vivendo como celibatária, alegam:
1. Que Deus jamais aceitaria um sacrifício humano, visto que tais sacrifícios foram expressamente proibidos por Ele (ver Lv 18:2 1; 20:1-5; 2Cr 33:6, etc.).
2. Que o voto de Jefté foi feito sob inspiração do Espírito Santo (ver Jz 11:29, 30), e o Espírito não o inspiraria a fazer um voto que tivesse a ver com sacrifícios humanos.
3. Que a filha de Jefté pediu para chorar, não a sua
morte, mas a sua “virgindade” (11:37, 38), pois viveria como solteira o resto da vida (note a expressão: “Assim, ela jamais foi possuída por varão”, em 11:39).
4. Que o quase sacrifício de Isaque, por seu pai Abraão, não serve de precedente, visto que Deus o impediu de consumar o ato (Gn 22:11, 12), mostrando, com isso, Sua desaprovação aos sacrifícios humanos.
Como se vê, não há evidências conclusivas nem de um lado, nem do outro. Até por volta do ano 1200 d.C., todos os intérpretes judeus e cristãos acreditavam que a filha de Jefté teria sido oferecida em holocausto. A partir dessa data, o rabino Kimchi e outros começaram a ensinar que Jefté não teria sacrificado a filha, visto que no voto dele estava implícito o sacrifício de um animal limpo e não de um ser humano.
Para esse rabino, a filha de Jefté teria vivido em estado de perpétuo celibato (Comentario Biblico Adventista dei Séptimo Dia, vol. 2, p. 377). Tendo em vista todos esses argumentos e considerações, o que realmente aconteceu à filha de jefté permanece em aberto. Talvez, somente no Céu possamos descobrir o que realmente aconteceu a essa desventurada moça israelita.
Embora não tenhamos condições de saber o que exatamente ocorreu com a filha de Jefté, devemos atentar para as seguintes lições desse triste relato:
1. jamais se deve fazer votos sob pressão física ou psicológica, como foi o caso de Jefté, visto que ele estava numa situação de guerra contra os inimigos amonitas. Geralmente, tais votos não são sensatos. O conselho divino quanto aos votos é: “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus...” (Ec 5:2).
2. Voto insensato, ou “o dito irrefletido dos lábios” (aquele proferido sem pensar, que pode prejudicar quem faz o voto ou qualquer outra pessoa) pode ser anulado (ver Nm 30:5, 8, 12, 13). Tal era o caso do voto de Jefté. Há duas palavras para voto, em hebraico: hérem (voto irremissível, que não podia ser anulado, cf. Lv 28:28, 29) e néder (voto que podia ser anulado, cfNm 30:2, etc.). O de Jefté era desse último tipo.
É de lamentar que ele o tinha considerado como voto não anulável e prejudicou a si e a sua família (ele jamais teria descendentes, visto que aquela moça era filha única). Talvez o dano maior foi aquele causado à filha, independentemente de ela ter sido morta ou dedicada ao celibato para o resto da vida.
— Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e editor na Casa Publicadora
Fonte: Revista Adventista, SETEMBRO de 2009