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postado em: 6/8/2010
A Ceia e os Indignos
Participar do serviço de Comunhão pode ser uma experiência intensamente emocional. Tanto a cerimônia do lava-pés como os emblemas da Ceia do Senhor nos oferecem a oportunidade de unir os aspectos teológicos e emocionais da nossa fé. Nossa participação nessa cerimônia pode comunicar muitas coisas: aceitação do amor de Jesus, lembrança de Sua morte na cruz, o momento da vitória contra o mal, antecipação do dia em que participaremos desse ritual com o Senhor e, finalmente, nosso amor uns para com os outros.
Porém, o que temos a dizer sobre a não participação nessa cerimônia? Normalmente, há várias razões para a auto-exclusão. Não raro, elas incluem o desconforto causado por conflitos interpessoais não resolvidos e o senso de que somos indignos diante de Deus. Aliás, Paulo adverte: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indigna- mente, será réu do corpo e do sangue do Senhor” (lCo 11:27).
Se verdadeiramente sentimos nossa indignidade, deveríamos nos abster do risco de nos tornarmos réus “do sangue e do corpo do Senhor”? Não. Excluir-nos da Comunhão porque nos sentimos indignos é interpretar mal as palavras de Paulo nesse texto.
Compreensão enganosa
O que Paulo quer dizer, ao usar a palavra “indignamente”? Esse termo tem origem no grego àxios, e significa “equilibrar dois pesos da balança”, [1] ou seja, o objeto colocado no prato de uma balança só é valioso quando pode ser equilibrado ou igualado ao peso do outro prato.
Nesse contexto, quando é que nós nos parecemos dignos, em comparação com Cristo? A resposta é óbvia; quando produzimos “frutos dignos de arrependimento” (Mt 3:8). Porém,
toda pessoa que lê a Bíblia se vê como indigna, especialmente em contraste com Jesus. Na verdade, tal percepção nos permite receber o dom da graça, como o filho pródigo que, considerando-se indigno, foi perdoado pelo pai (Lc 15:22-24). Ou o centurião de Cafarnaum que, depois de expressar sua falta de mérito para receber Cristo em sua casa, foi elogiado por sua fé (Lc 7:6, 9).
Somente Cristo é digno: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap 5:12). Pelos méritos de Jesus Cristo, recebemos graça e perdão; nada vem de nós mesmos. Paulo afirmou: “Sou grato para com Aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel [digno], designando- me para o ministério” (lTm 1:12). Portanto, dessa perspectiva, os autores bíblicos descrevem a impossibilidade de qualquer um de nós chegar à igreja num sábado pela manhã e se achar “digno” de participar da Ceia.
A mensagem de Paulo
Então, qual é o significado das palavras do apóstolo no texto em consideração? A resposta pode ser encontrada no contexto e na construção gramatical da passagem.
Semelhantes a outros cristãos no período do Novo Testamento, os coríntios costumavam celebrar a comunhão toda vez em que ceavam. Muitos se esqueciam do significado da cerimônia e ingeriam os emblemas como se fossem alimento comum. Então, Paulo escreveu: “Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis. Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague. Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar- vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo” (lCo 11:20-22).
O apóstolo necessitou explicar novamente a importância dessa ordenança, porque seu real significado se havia perdido. Depois de esclarecer o significado da cerimônia, ele os advertiu a não voltar a cometer o engano. Na verdade, os orientou para que partilhassem dos emblemas, em memória do sacrifício de Cristo.
O problema tratado por Paulo relacionava-se à maneira pela qual os coríntios celebravam a comunhão, não à qualidade moral dos participantes. Como escreveu J. Pôhler, “indignidade não consiste na qualidade moral, isto é, o caráter dos participantes da Santa Ceia, mas é o resultado do modo errado de considerar essa cerimônia, contraditório à sua solenidade.” [2] E nosso Guia Para Ministros assinala: “[Paulo] não está falando de pessoas indignas participando, mas da maneira indigna como participavam”. [3]
Esse ponto de vista fica claro: “Pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (ICo 11:29). Comparando isso com o verso 27, entendemos que a
ideia expressa é a de indignidade no sentido de alguém participar dos emblemas sem compreender o que está fazendo, ou seja, uma atitude irreverente com respeito à ordenança.
A primeira Ceia
Analisemos o primeiro ritual da Comunhão, estabelecido por Jesus. Segundo a Bíblia, depois de Satanás tomar posse de Judas, o Senhor celebrou a Ceia com os discípulos (Lc 22:3, 14-20), entre os quais estava Judas que já tinha planejado trair seu Senhor. Por que o Mestre não o impediu de participar naquela cerimônia? Acaso, não o considerava indigno? Ellen G. White escreveu: “Se bem que Jesus conhecesse Judas desde o princípio, lavou-lhe os pés... Um longânimo Salvador empregou todo incentivo para o pecador O receber, arrepender-se e ser purificado da contaminação do pecado. Esse exemplo é dado a nós. Quando supomos que alguém está em erro e pecado, não nos devemos apartar dele. Não devemos por nenhuma indiferente separação deixá-lo presa da tentação nem empurrá-lo para o terreno de Satanás. Esse não é método de Cristo. Foi porque os discípulos estavam em erro e falta que Ele lhes lavou os pés, e todos, com exceção de um dos doze, foram assim levados ao arrependimento.” [4]
Jesus não apenas recebeu Judas na Comunhão, mas também convidou Pedro, que era presunçoso e ainda não estava plenamente convertido (Lc 22:32). Os outros discípulos também não eram modelo de conversão e virtude; mesmo assim, Cristo celebrou a Ceia com eles, sabendo que logo O abandonariam.
Conclusão
Nossa teologia e compreensão da Ceia do Senhor nos ajudam a ensinar seu significado a nossos irmãos. Essa cerimônia nos remete ao Calvário, onde redescobrimos e compreendemos o amor de Cristo: “E Eu, quando for levantado da Terra, atrairei todos a Mim mesmo” (Jo 12:32). Não é de surpreender que Ellen G. White tenha escrito: “Cristo instituiu este serviço para que ele nos falasse aos sentidos acerca do amor de Deus, expresso em nosso favor. Não pode haver união entre nós e Deus, senão por meio de Cristo... E nada menos que a morte de Cristo podia tornar eficaz Seu amor por nós.” [5]
Enquanto os emblemas nos são servidos, temos uma razão extra para nos deixar conquistar por Seu amor, assim como ocorreu ao centurião diante da cruz (Mc 15:39). Não temos que pensar em nós mesmos, em nossa indignidade, mas em Jesus e Sua justiça. O próprio senso de indignidade deve nos atrair à Comunhão, não afastar-nos dela.
“O momento da comunhão não deve ser um período de tristeza. Ao se reunirem os discípulos do Senhor em torno de Sua mesa, não devem lembrar e lamentar suas deficiências. Não se devem demorar em sua passada vida religiosa, seja ela de molde a elevar ou a deprimir... Agora, chegam para se encontrar com Cristo.”t
Necessitamos ajudar nossas congregações a compreender que a Comunhão não é um fim, mas um começo. A semana seguinte à comunhão, não a que a precede, deve ser a melhor para nós. Reconciliação com Deus, com nós mesmos e com nossos irmãos de fé não deve ser pré- requisito para participação na Ceia do Senhor, mas o resultado disso. Assim, “a comunhão sempre deve ser uma experiência solene, mas nunca sombria. Os erros foram corrigidos, perdoados os pecados, confirmada a fé; é tempo de comemorar”. [7]
Referências:
1. W Forester, Theologisches Wirterbuch zum Neuen Testament (Stuttgart: Kohlhammer, 1933), v. 1, p. 1013.
2. Rolf J. Põhler, Cène etAblution des Pieds (Dammarie-lès-Lys, França: Editions Vie et Santá, 1991), v. 1, p. 251.
3. Guia Para Ministros Silver Spring, MD: Associação Ministerial da IASD, 1992), p. 212.
4. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 655, 656. 5. lbid., 660.
6. lbid., 659
7. Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, p.
82, 83.
Autor: Roberto Lanno, Secretário da Igreja Adventista na Itália
Fonte: Ministério, Maio/Junho de 2009