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postado em: 20/7/2013
Essa coisa chamada espiritualidade
Dâmocles invejava Dionísio, governador de Siracusa, a cidade mais rica da Sicília do século 4. Acreditava que Dionísio era um bem-aventurado, que possuía tudo quanto um homem pode desejar. Até que foi convidado por Dioníso para trocar de lugar com ele por um dia. No banquete noturno, Dâmocles percebeu que havia sobre sua cabeça uma espada que pendia do teto, sustentada apenas por um fio da crina de um cavalo. Imediatamente perdeu todo o interesse naquele lugar de honra. Devolveu o trono ao seu legítimo dono e nunca mais invejou sua posição.
O mito da espada de Dâmocles é geralmente usado para demonstrar a condição vulnerável dos que ocupam o poder. Mas pode também ser usado para demonstrar a morte que a todos espreita. Fala da efemeridade da condição humana. A espada de Dâmocles representa a insegurança, a vulnerabilidade, e aponta para a angústia que carregamos no peito em virtude da consciência de finitude.
A miserabilidade do ser humano está no fato de que não somente é finito, como todas as demais criaturas, mas também e principalmente consciente da inexorabilidade de seu fim. Paradoxalmente, entretanto, essa angústia diante da morte é também a salvação do humano. Tire a imortalidade do homem e ele cai de quatro, dizia Nelson Rodrigues.
A consciência da finitude nos angustia justamente porque somos habitados por um senso de eternidade. Esse paradoxo é descrito de maneira magnífica por Álvaro de Campos, pseudônimo de Fernando Pessoa, em seu poemaTabacaria: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
A palavra “espiritualidade” expressa esse encontro entre o finito e o infinito nas profundezas do ser humano. A espiritualidade é a experiência da busca e/ou encontro do sentido último da existência e, de certa maneira, o encontro com a realidade sagrada ou divina. A espiritualidade o implica o anseio de transcendência. O teólogo existencialista Paul Tillich sustenta que “Deus é a resposta à pergunta implícita na finitude do homem. Ele é o nome que damos àquilo que nos preocupa de forma última”, pois “tudo aquilo que preocupa o ser humano de forma última se torna deus para ele e, inversamente, um ser humano só pode estar preocupado de forma última com aquilo que, para ele, é deus”. A morte é certa. E a vida é questão de fé.
Por Ed Rene Kivitz
Fonte: http://www.guiame.com.br