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postado em: 23/7/2008
Deus Escolhe os Favoritos O Apóstolo João escreveu, no prólogo de seu evangelho: “Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem O revelou”. Outra sentença, em sua primeira epístola (4:12), começa da mesma forma, mas prossegue de forma surpreendente: “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o Seu amor é em nós aperfeiçoado. É uma idéia desconcertante pensar que Deus escolheu pessoas comuns como Seu canal preferido para revelar sua imagem — seu amor ao mundo”. E assim o mundo que Deus ama pode nunca conseguir vê-Lo, porque nosso rosto impede. Há muito tempo sinto-me perturbado por um comentário de Dorothy Sayers sobre as três maiores humilhações sofridas por Deus. Para ela, a primeira humilhação foi a encarnação, quando confinou-Se em um corpo físico. A segunda foi a Cruz, quando sofreu a ignomínia da morte por execução pública. A terceira é a Igreja. Ao ler este comentário pela primeira vez, cenas da história vieram-me à memória: as cruzadas, os massacres dos judeus, as guerras da religião, a escravidão, a Ku-Klux-Klan. Todos estes movimentos alegavam ter a aprovação de Cristo (houve até um navio negreiro batizado de O Bom Navio Jesus). Mas a humilhação prossegue no século XXI em lugares como a Iugoslávia, a África do Sul, o Líbano e a Irlanda do Norte, onde alguns dos piores conflitos do mundo envolvem cristãos. Ao olharmos para nós mesmos, só é preciso examinar a minha vida para ver até que ponto Deus se humilha para habitar em pessoas comuns. E triste, mas o mundo julga o próprio Deus pelas ações dos que carregam seu nome. No poema Before a Crucifix (Antes de um Crucifixo), Charles Swinburne descreve as “bestas que se alimentam de homens” e que vagueiam em torno da árvore da fé, impedindo que outros creiam: “Embora o coração deseje e a memória anele. Não podemos louvá-lo por causa delas”. Nietzsche disse rispidamente: “Os discípulos dEle terão que parecer mais que estão salvos para que eu possa crer no Salvador. A Igreja é, na verdade, humilhação para Deus, fazendo, por causa de sua hipocrisia, com que o mundo se afaste dEle”. Embora sejamos motivo de humilhação para Deus, também somos fonte de orgulho. Ultimamente tenho notado algumas frases fascinantes que transmitem o orgulho de Deus, até mesmo seu prazer, pelos que permanecem fiéis. Revi os textos bíblicos, procurando as características comuns a estes “favoritos” de Deus. Por exemplo: o Anjo Gabriel disse ao profeta Daniel que ele era “muito amado” no céu. Ao falar com Ezequiel (capítulo 14), o próprio Deus confirmou isto, relacionando Noé, Daniel e Jó como três de seus favoritos. Eles formam um trio interessante: um sobreviveu a uma inundação, outro à cova dos leões e o último a um holocausto pessoal de sofrimento. Na verdade, reparei que a maioria dos favoritos de Deus atravessou um teste duro de sua fé. Abraão, chamado de “amigo de Deus”, passou a maior parte de sua vida esperando, impacientemente, que Deus cumprisse Suas promessas. A Virgem Maria achou favor diante de Deus”, mas Kierkegaard, lembra-nos: “Será que alguma mulher já foi atingida pelo sofrimento como Maria, e não é verdade também que aquele a quem Deus abençoa, no mesmo instante, Ele amaldiçoa?” Em sua obra Fear and Trembling (Temor e Tremor) ele medita sobre a ansiedade, desespero e paradoxo que marcaram a vida de Maria. É claro que a Bíblia aponta para Jesus como Aquele que dá mais orgulho a Deus. Uma voz trovejou do céu: “Este e o meu Filho amado, em quem me comprazo”. Ele, o Servo Sofredor, certamente se encaixa no padrão descrito. Foi Jesus, afinal, quem incorporou as duas outras grandes humilhações de Deus. O mesmo padrão de fé sob fogo aparece em Hebreus 11, um capítulo que alguns chamam de “A Galeria dos Heróis da Fé”. Nele o autor registra, em detalhes terríveis, as lutas que podem sobrevir às pessoas fiéis, concluindo: “Homens dos quais o mundo não era digno”. Hebreus acrescenta ainda, sobre este grupo impressionante: “Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus.” Para mim, esta frase inverte o sentido da afirmativa de Dorothy Sayers sobre as humilhações de Deus: sim, a Igreja já foi causa de vergonha para Ele, mas também Lhe trouxe momentos de orgulho, e os santos sofredores de Hebreus 11 mostram isso. Os santos atingem esta condição porque se apegam, teimosamente, à convicção de que Deus merece nossa confiança, mesmo quando parece que o mundo está desabando. Os santos de Hebreus 11 colocaram suas esperanças em um país melhor, celestial, e por este motivo Deus não se envergonha de ser chamado de Deus deles. Paradoxalmente, a fé se desenvolve mais quando há incerteza e confusão: se duvida disso, leia a história da vida das pessoas que aparecem em Hebreus 11. Os favoritos de Deus, eles em especial, não estão imunes a períodos de testes. Como disse Paul Tournier: “Onde não há mais oportunidade para duvidar também não há mais oportunidade para crer.” Ao terminar meu estudo sobre os favoritos de Deus, um fato sobressaiu-se a todos os outros. Aquelas pessoas dificilmente se parecem com os santos saudáveis, prósperos e mimados que vejo apresentados nos programas religiosos na televisão. O contraste é chocante e me deixou confuso por algum tempo. Talvez seja esta a diferença: os programas na televisão precisam preocupar-se em agradar a uma audiência de milhares de pessoas, às vezes milhões. Os favoritos de Deus se dedicam a agradar a uma audiência composta por Uma só Pessoa. Receber o mandamento de amar a Deus acima de tudo, ainda mais estando no deserto, é como receber a ordem de sentir-se bem quando se está doente, cantar de alegria quando se morre de sede, correr quando as pernas estão quebradas. Este, porém é o primeiro e o maior dos mandamentos. Mesmo no deserto — especialmente no deserto — devemos amá-LO. Extraído de Philip Yancey, Perguntas Que Precisam de Respostas.