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postado em: 23/7/2008
A AIDS é Um Castigo de Deus? Alguns dos melhores momentos que passo “lendo” acontecem enquanto corro em volta do lago em Chicago, equipado com meu toca-fitas pequeno, no qual ouço fitas com livros gravados. Certo dia de inverno as ruas sombrias da cidade e o céu acinzentado formaram o cenário perfeito para o livro que eu escolhera: “A Journal of the Plague Year” (Diário do Ano da Praga), de Daniel Defoe. Ele descreve em prosa, meticulosa e claramente, a peste bubônica que assolou Londres em 1665. No relato (que apresenta a história em forma de ficção realista), Defoe vagueia pelas ruas de uma cidade fantasma. Mais de duzentas mil pessoas haviam fugido de Londres, e os que permaneceram se trancavam dentro de casa para se protegerem, aterrorizados quanto ao menor contato com outros seres humanos. Nas vias públicas principais, onde antes transitava grande número de pessoas, agora a relva crescia. “Dor e tristeza fixaram-se em cada rosto” - diz Defoe. Na época mais aguda da praga, entre 1500 e 1700 pessoas morriam a cada dia, e os corpos eram recolhidos à noite e enterrados em covas bem profundas. O livro descreve cenas horríveis: crianças mortas presas no abraço permanente do rigor mortis de seus pais, bebês vivos sugando, em vão, o seio da mãe recém-falecida. Enquanto eu ouvia, o relato de Defoe tornou-se particularmente tocante à vista de uma praga da atualidade. Eu e minha esposa moramos em um bairro habitado por muitos homossexuais e não poucos usuários de drogas. Não pude evitar uma reflexão sobre os paralelos entre o tempo de Defoe e o nosso ao correr perto de uma clínica para pacientes de Aids. Vi os cartazes colados em postes ornamentais, informando que aquele era um lugar que cuidava de pessoas com o vírus HIV. Em comparação com a Grande Praga, a epidemia de Aids atingiu uma proporção muito menor da população, mas despertou uma reação de histeria notavelmente semelhante. Na época de Defoe, parecia que a ira de Deus, derretida, era despejada sobre todo o planeta. Dois cometas brilhantes apareciam no céu toda noite: alguns diziam que eram o sinal certo de que a mão de Deus estava por trás da praga. Profetas fora de si perambulavam pelas ruas. Um repetia o grito de Jonas: “Ainda quarenta dias e Londres será destruída!” Outro andava por toda parte nu, balançando uma panela de carvão em brasa sobre sua cabeça para simbolizar o julgamento de Deus. Outro ainda, também nu, repetia com tristeza a mesma frase o dia inteiro: “Oh, o grande e terrível Deus! Oh, o grande e terrível Deus. Temos nossa versão moderna destes profetas. A maioria deles, porém, anda bem vestida e tende a estreitar o espectro do julgamento de Deus, focalizando-o em um grupo de pessoas, em particular os homossexuais, representados desproporcionalmente entre os que sofrem de Aids nos Estados Unidos. Em alguns círculos, quase consigo detectar um suspiro de alívio e satisfação porque afinal “eles estão recebendo o que merecem”. O ex-ministro da Saúde, C. Everett Koop, cristão evangélico, recebeu caixas e caixas de cartas repletas de ódio sempre que ousou propor que o motivo de pessoas contraírem a Aids não era o fato de pecarem e merecerem ser castigadas. A crise da Aids mistura-se com um anseio misterioso entre os seres humanos: o desejo profundo de que o sofrimento fosse atrelado ao comportamento. Há um livro em minha estante, Theories of Illness (Teorias da Doença), relatando uma pesquisa feita em 139 grupos tribais de todo o mundo. Apenas quatro deles não pensam na doença como sinal de desaprovação de Deus (ou dos deuses). O autor afirma que os poucos grupos que duvidavam dessa doutrina provavelmente mudaram sua crença após contato prolongado com a civilização moderna. Praticamente só dentre todas as civilizações da história, a nossa, moderna, secular, questiona se Deus age diretamente em acontecimentos humanos como pragas e catástrofes naturais. Estamos confusos. Será que Deus escolhe uma cidade do sul dos Estados Unidos para ser arrasada por um tornado como alerta do julgamento final? Será que impede a chuva de cair na África como sinal de sua desaprovação? Ninguém sabe a resposta com certeza. Mas a Aids, aí a história é diferente. Indiscutivelmente, a probabilidade de transmissão da Aids é maior entre os que praticam o sexo promíscuo ou compartilham agulhas sujas. Para alguns cristãos, esta doença parece atender, por fim, ao anseio de uma ligação nítida entre comportamento e sofrimento como punição. De modo geral, a conexão já foi estabelecida, da mesma forma que fumar aumenta o risco de câncer, obesidade favorece o aparecimento de problemas do coração e a promiscuidade heterossexual amplia a possibilidade de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Conseqüências naturais desses comportamentos envolvem, em muitos casos, sofrimento físico. Os cientistas reconhecem este fato e advertem todos dos perigos. Mas a pergunta oculta permanece: será que Deus manda a Aids como uma punição específica, destinada a um alvo por Ele escolhido? Outros cristãos não têm muita certeza. Acreditam em que é muito perigoso tomar o lugar de Deus, e até mesmo interpretar a história em nome dEle. Assim como os amigos de Jó, é muito fácil ser interpretado como mal-humorado ou presunçoso em vez de profético. Deus disse que a vingança Lhe pertence e sempre que nós, mortais, tentamos apropriar-nos dela, pisamos em terreno perigoso. Julgamento sem amor suscita inimigos e não convertidos. Entre os homossexuais que moram no mesmo bairro que eu as afirmações dos cristãos sobre a crise da Aids fez muito pouco no sentido de levá-los à reconciliação com Deus. Até mesmo a ligação aparente entre causa e efeito quanto à Aids levanta perguntas de respostas complicadas. Que dizer de um “inocente” que adquire o vírus, como os bebês filhos de mães infectadas e aqueles que recebem transfusão de sangue? São amostras do julgamento de Deus? E se, de repente, alguém encontrar a cura, será que isto significará que a punição de Deus acabou? Os teólogos europeus debateram durante quatro séculos sobre qual seria a mensagem mandada por Deus durante a Grande Praga; mas bastou um pouco de veneno de rato para pôr um fim a todas aquelas questões angustiadas. Ao refletir sobre estas duas pragas, o flagelo da peste bubônica que matou um terço da humanidade e o flagelo moderno, acompanhado de histeria semelhante, pego-me recordando um incidente da vida de Jesus, registrado em Lucas 13: 1-5. Algumas pessoas lhe perguntaram sobre uma tragédia daqueles dias, e eis como Ele respondeu: “Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis. E aqueles dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram mais culpados do que todos quantos homens habitam em Jerusalém? Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis”. Depois contou uma parábola sobre a misericórdia de Deus, que constrange o pecador. Ele parece dizer que nós, os “espectadores” da catástrofe, temos tanto a aprender com o acontecimento quanto os próprios atingidos. Uma praga deveria ensinar-nos muitas coisas. Em primeiro lugar, humildade. E gratidão a Deus que, até aqui, tem mantido suspenso o julgamento que todos merecemos. E compaixão, aquela que Jesus demonstrou para todos que choram e sofrem. Finalmente, a catástrofe coloca juntos a vítima e o espectador, em um chamado geral ao arrependimento, lembrando-nos subitamente da brevidade da vida. Avisa-nos a nos prepararmos para a possibilidade de sermos a próxima vítima de um desabamento, ou do vírus da Aids. Ainda não encontrei na Bíblia qualquer apoio para uma atitude de presunção: “Ah, eles merecem o castigo; olhe como se debatem”. Na verdade, a mensagem de uma praga parece ser dirigida tanto aos sobreviventes quanto aos que são atingidos por ela. Acredito que a Aids contenha tanto significado para nós que fazemos nossa corrida em torno da clínica quanto para aqueles que sofrem dentro dela. Extraído de Philip Yancey, Perguntas Que Precisam de Respostas. Nota do Editor IASD Em Foco: Philip Yancey é jornalista e um dos melhores escritores religiosos da atualidade. Seus escritos são pautados pela profundidade e equilíbrio na análise das questões controversas e, desta forma, concordo quase 100% com tudo o que ele diz neste artigo; muitas pessoas até bem intencionadas fazem verdadeiro “terrorismo eclesiástico” com relação às catástrofes naturais, epidemias e outras tragédias. No entanto, é bom lembrar que quando ele afirma: “Estamos confusos. Será que Deus escolhe uma cidade do sul dos Estados Unidos para ser arrasada por um tornado como alerta do julgamento final? Será que impede a chuva de cair na África como sinal de sua desaprovação?”, não está com isso jogando por terra os juízos finais assinalados na Bíblia, quando Deus castigará os pecadores impenitentes. Veja alguns textos e declarações a esse respeito: “A perversidade e crueldade dos homens alcançarão tal atitude que Deus Se revelará em Sua majestade. Muito em breve a impiedade do mundo terá atingido seu limite e, como nos dias de Noé, Deus derramará os Seus juízos”. – Eventos Finais, pág. 22. “Chegou agora o tempo em que num momento podemos estar em terra sólida e, no outro momento, pode ela estar fugindo de debaixo de nossos pés. Haverá terremotos onde menos se espera”. – Idem, pág. 24. “Em incêndios, em inundações, em terremotos, na fúria das grandes profundezas, nas calamidades por mar e terra, é transmitida a advertência de que o Espírito de Deus não agirá para sempre com os homens”. – Ibidem. “Deus tem um propósito ao permitir que ocorram essas calamidades. Elas constituem um de Seus meios para chamar homens e mulheres à razão. Mediante atuações incomuns pela Natureza, Deus expressará a instrumentalidades humanas em dúvida o que Ele revela claramente em Sua Palavra”. – Idem, pág. 26.