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postado em: 5/9/2008
A Cura Interior
Mente Equilibrada
O templo das idéias religiosas tem uma novidade. Trata-se da cura interior. Na verdade, o conceito vem sendo divulgado desde a década passada, mas só agora está ganhando força no Brasil, principalmente entre evangélicos e católicos da linha carismática.
Criticada por uns e aplaudida por outros, a terapia vai se desfazendo dos excessos e sendo refinada. O livro Oficina de Cura Interior (Vinde Comunicações, 1996), do psiquiatra Fábio Damasceno, reflete o esforço para equilibrar verdade bíblica, abordagem psicológica e bom senso.
A definição de “cura interior” difere de autor para autor. Mas a idéia básica é que, combinando-se técnicas psicológicas e espirituais, Deus pode mudar o presente da pessoa, intervindo em sua relação com o passado, e prepará-la para o futuro.
Segundo o Dr. Damasceno, cura interior é simplesmente uma expressão mais moderna para “santificação”. Por santificação entenda-se o processo de “tornar-se mais semelhante a Cristo”, e não apenas o isolamento dos maus hábitos do mundo.
A cura interior ambiciona ir além da maturidade emocional e espiritual; seu objetivo é a transformação pessoal, levando o indivíduo a “desabrochar” para a vida. Pelos casos relatados na literatura especializada, tem tido sucesso.
Tudo que incomoda a pessoa e a faz sofrer é passível de cura: mágoas, ódios, medos, lembranças recorrentes (que sempre voltam à mente e causam tristeza), sonhos, humilhações, traumas, complexos, pecados graves, culpas profundas, sentimentos de culpa, problemas na área da sexualidade, perdas. Isso não significa, porém, que essa seja a única forma de terapia cristã, ou o remédio indicado para todos os tipos de pessoas.
Talvez o aspecto da cura interior mais criticado pelos cristãos tradicionais seja a visualização, técnica em que o terapeuta leva o paciente a reconstituir no pensamento a cena do fato que vai ser trabalhado. Em defesa da visualização, o Dr. David Searnands, autor de A Cura das Memórias (Mundo Cristão, 1994), argumenta que, após Sua ressurreição, Jesus não acendeu a fogueira na praia apenas para assar os peixes (João 21:9); Ele queria criar um ambiente parecido com o da negação de Pedro (João 18:18), a fim de curá-lo.
Um pré-requisito para a cura interior, ensina o Dr. Damasceno, é a limpeza espiritual, para que o trabalho psicológico não fique bloqueado. Se a pessoa tem ou teve algum envolvimento com forças malignas (ocultismo, feitiçaria, bruxaria, ídolos), deve quebrar a maldição e romper os pactos. O rompimento deve ser formal, ainda que a relação com o mal fosse informal ou apenas praticada por alguém da família.
Ele usa urna metáfora: a pessoa realmente convertida é uma casa onde Jesus agora habita. Só que é uma casa sem muros, sem janelas e com portas que não se fecham corretamente. Há um novo Senhor na casa, mas as “pessoas” que passam por fora dela, ao verem portas entreabertas ou paredes esburacadas, podem jogar sujeira lá dentro. É preciso ‘ajudar a pessoa a tomar consciência da sua herança em Cristo e a apropriar-se dela”.
Princípios
Rompidos esses possíveis elos, a pessoa dá alguns passos definidos na direção da cura, aqui expressos em cinco princípios:
Princípio n° 1: Tome conhecimento daquilo que está no fundo de si mesmo.
Quando você se conscientiza de sua historia, pensamentos, sentimentos e desejos secretos, acha o caminho da liberdade. O insight, ou revelação da realidade, e o começo da cura. Jesus disse: “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). Isso se aplica também à verdade psicológica.
Há vários caminhos espirituais para trazer os traumas (marca psicológica) e complexos (soma de traumas) à tona e, em seguida, obter a cura:
• Reflexão. O mergulho no mundo interior pela reflexão é um ótimo meio para conhecermos a verdade a respeito de nós mesmos. É no deserto existencial, quando a pessoa se isola e fica mais em contato consigo mesma, que se dão muitas revelações.
• Diálogo. Se a gente adoece por meio de vivências distorcidas, explica o Dr. Damasceno, haveremos de ser curados por meio de vivências sanadoras.” Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados “, escreve Tiago (5:16).
• Oração. Ao orar, a gente abre a mente e toma consciência da própria realidade. É aí que a cura começa. Lembrete: a oração deve vir do abismo da alma; não pode ser superficial. Deus, o maior Terapeuta, gosta de casos perdidos.
• Ação do Espírito. “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em Meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”, prometeu Jesus (João 14:26). O Espírito, como diz o Dr. Seamands, “esclarece o conteúdo e purifica os motivos da própria oração”.
Aqui, vale uma ressalva: a Bíblia nos diz para esquecer o passado, mas isso não contradiz a idéia da autoconscientização. A lembrança é diferente. “Não podemos mudar os fatos lembrados”, afirma Seamands, “mas temos possibilidade de modificar o seu significado e o seu poder sobre nossa vida presente.” Em outras palavras, você reescreve sua autobiografia, embora os fatos ainda continuem sendo fatos.
Princípio n° 2: Troque a revolta pela rendição ou entrega.
Ao tomarmos conhecimento da realidade, nossa reação natural é o ressentimento e a revolta. Mas não podemos parar; temos de dar o passo da submissão, O quebrantamento envolve arrependimento e humilhação diante de Deus. “Felizes os que choram, pois Deus os consolará”, disse Jesus (Mateus 5:4).
Os três principais mecanismos de defesa que impedem o reconhecimento da verdade e a entrega pessoal são negação (recusa em reconhecer os fatos), racionalização (inventar razões para justificar os erros) e projeção (culpar os outros pelos próprios problemas). Para obter a cura, é preciso eliminá-los.
Princípio n° 3: Decida perdoar e ser perdoado, expressando sua disposição de obedecer.
Para o Dr. Damasceno, “a obediência na vida do cristão, dentro do processo de cura interior, expressa-se, principalmente, pelo ato do perdão: abençoar o próximo, dar graças ou desejar bênçãos”.
Perdão é mandamento. Se não perdoarmos os outros, o Pai que está no Céu também não perdoará as nossas ofensas (Mateus 6:14 e 15). Perdoar é uma ação sanadora. Eu curo a ferida de alguém e Deus cura a minha.
Novamente, o Dr. Damasceno tem uma boa comparação. No relacionamento com os outros, é gostoso receber o impacto do seu lado “luz” (talentos, qualidades, potencial), na forma de respeito, carinho, elogio; e é desagradável receber o impacto do seu lado “sombra” (limitações, fraquezas, pecados), na forma de injustiças, ofensas e humilhações.
O aspecto luminoso nos encanta, já o sombrio nos chateia. Perdão, então, é trabalhar as sombras que ficaram acumuladas nos relacionamentos tal qual o lixo se amontoa numa casa que não é regularmente limpa.
Para perdoar, você deve primeiro reconhecer os sentimentos de ódio e assumir que você é responsável por seus sentimentos. Depois, entenda a natureza do perdão, sabendo que ele:
• é tanto uma crise quanto um processo;
• é vicário (você sofre no lugar de alguém);
• é grátis;
• deve ser livre e total, sempre e de novo;
• não é fazer de conta que não foi nada;
• vem antes do “esquecer”;
• implica em aceitação e não-julgamento;
• deixa a justiça com Deus.
Princípio n°4: Aplique ao seu dia-a-dia o conceito de que Deus é amor e lhe deseja o maior sucesso.
Você deve viver na certeza de que Ele é tão poderoso que consegue tudo, tão sábio que só faz o melhor e tão amoroso que deseja apenas o bem.
Que Deus joga no nosso time, está escrito em Romanos 8:26-28: “Assim também o Espírito de Deus vem nos ajudar na nossa fraqueza. Não sabemos como devemos orar, mas o Espírito de Deus, com gemidos que as palavras não podem explicar, pede a Deus em nosso favor. E Deus, que vê dentro dos corações das pessoas, conhece qual é o pensamento do Espírito. Porque o Espírito pede em favor do povo de Deus e pede de acordo com a vontade de Deus. Pois sabemos que em todas as coisas Deus trabalha para o bem daqueles que O amam, daqueles a quem Ele chamou de acordo com o Seu propósito.”
O Dr. Seamands acredita que “uma grande parte do processo de cura é a descoberta de que Deus pode tomar até a mais penosa de nossas experiências e fazê-la operar para o nosso bem e a Sua glória”. Isso “não significa que Deus seja o Autor de tudo que nos acontece, mas sim que Ele é o Senhor de tudo”.
Princípio n° 5: Mude seu modo de pensar e de agir.
A etapa efetiva da cura começa com um novo paradigma mental e culmina com a mudança de comportamento. Não é por acaso que o apóstolo Paulo fala tanto no novo estilo de vida daqueles que aceitam a Cristo (veja Gálatas 5:16-26, Efésios 4:17-32, Colossenses 3:18-25), e também em ter a “mente de Cristo” (I Coríntios 2:16).
Maus hábitos, a gente vence tomando a firme decisão de abandoná-los, restringindo-os, deixando-os morrer de fome; e substituindo-os por hábitos saudáveis, que devem ser estimulados, recompensados, alimentados.
O momento crítico é a fase de transição, quando o ex-hábito não traz prazer e o novo também não. Mas, vencido esse “ponto zero”, a recompensa aparece.
Faça você mesmo
Em geral, recomenda-se o auxílio de um terapeuta na cura interior. É que algumas lembranças penosas só vêm à tona sob certas condições positivas, criadas por um conselheiro compreensivo. O ideal, porém, é que a própria pessoa aprenda a trabalhar seus traumas e interaja diretamente com Deus. Afinal, ninguém nos entende mais do que Ele.
A cura interior leva tempo (santificação é coisa para a vida inteira) e deve ser vivenciada conscientemente, mas os terapeutas garantem que ela acontece.
Uma das maiores provas de que estamos Ok e em processo de crescimento espiritual é a capacidade de aceitar o amor de Deus e vivenciar esse amor em nossos relacionamentos.
Autor: Marcos De Benedicto, editor na CPB
Fonte: Sinais dos Tempos, Setembro de 1997