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postado em: 13/9/2012
O rosto do outro na tela
Logo após o ataque terrorista do 11/9/2001, circulou um e-mail em que visualizava-se o que parecia ser um rosto na formação de nuvens de poeira e fumaça que saía das Torres Gêmeas. O autor anônimo não tinha dúvidas: era "o rosto do diabo".
Quem divulgou o e-mail certamente nunca viu o dono do rosto. Então, isso só tinha um objetivo: demonizar os autores do ataque terrorista. É claro que o atentado de 11/9 foi um ato terrível e nada celestial. Mas não há notícia de imagens que mostrem uma ‘face do mal" no cogumelo atômico produzido pelas bombas americanas sobre o Japão, ou nas nuvens de napalm sobre o Vietnã, ou nos destroços causados por terremotos e tsunamis.
Hollywood passou décadas representando o "outro", o estrangeiro, com todos os estereótipos possíveis. O latino sujo e barulhento, o italiano passional e teatral, o francês esnobe e arrogante, o russo espião e conspirador. Mas o pior tratamento foi relegado aos árabes. Apesar de toda a riqueza cultural e diversidade étnica do Oriente Médio, o árabe no filme de ação é o sujeito que mata sem piedade, não tem bons modos, fala uma língua ininteligível e é um fanático religioso e bruto.
Essa caricatura de árabe era o vilão preferencial dos filmes dos anos 1980. Águia de Aço I (1985) e II (1988) retratam os árabes como sádicos e perversos e os americanos como heróis que aniquilam os vilões. Em Comando Delta (1986), Chuck Norris e sua turma partem para libertar americanos e europeus sequestrados por palestinos; Pelotão da Vingança (1987) opõe os "maus" árabes contra os "bons" israelenses e americanos.
Uma marca de alguns desses filmes é expressar temores populistas em relação ao Outro malvado. Sim, o Outro é sempre o vilão. E pior: este Outro não tem rosto, não tem voz, como em Amanhecer Sangrento, Supercomando e Invasion USA. Em Ases Indomáveis (1986), o inimigo não é tão importante quanto o desfile de motos, óculos escuros e baladas românticas. Em Rocky IV (1986) Sylvester Stallone encarna o espírito belicoso da Era Reagan, chegando a trajar calções com a estampa da bandeira norte-americana e enfrentar no ringue um brutamontes soviético. No filme, Stallone ri, chora e sofre ao passo que seu oponente tem gestos mecânicos e não expressa emoções.
Para conhecer o outro, é preciso adentrar na sua cultura, saber de seus anseios e necessidades. Portanto, se você quer mais do que diversão cinematográfica e espetaculosa, se você não se importa com o idioma de origem mas com a qualidade do filme, me permita as sugestões:
Paradise Now (foto acima, 2005) - filme palestino sobre dois amigos de infância recrutados para um ataque suicida em Tel-Aviv. Os personagens são humanizados e têm dúvidas, inseguranças e outras vontades.
Munique (2005) - a retaliação infinita entre israelenses e palestinos aponta para o resultado catastrófico da intolerância (a cena final com as Torres Gêmeas ao fundo).
Filhos do Paraíso (1997) - cativante história de duas crianças iranianas às voltas com a perda de um par de sapatos.
Lemon Tree (2008) - uma viúva palestina vai à justiça contra o primeiro-ministro israelense (seu novo vizinho) que, por motivos de segurança, pretende derrubar sua plantação de limões.
Lawrence da Arábia (1962) - não se assuste com a idade do filme. Este grande épico não é falado em língua árabe, mas foi um dos primeiros a dar voz e vez aos homens da região. Como em Cruzada (2005), os árabes são seres com inteligência e dignidade.
Alguém pode dizer que os filmes que critiquei são apenas entretenimento passageiro. Ora, isso eles são mesmo. São só diversão de mentirinha. Porém, quando uma mentira é repetida constantemente, ela pouco a pouco passa a ser aceita como verdade. Por isso, é preciso que sejamos apresentados a outros olhares. Porque, ver o outro como um de nós, dotado de sentimentos, temores e esperanças, ajuda a perceber que todos os seres humanos somos muito parecidos, muito mais próximos do que imagina nossa vã ideologia.
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11/9 árabes cinema Hollywood Israel Palestina terrorismo
SOBRE O AUTOR
JOEZER MENDONÇA
Joêzer Mendonça é Mestre em Música pela UNESP. Escreve sobre música, mídias e religião. Edita o blog Nota na Pauta www.notanapauta.blogspot.com. Twitter: @notanapauta
Fonte: http://www.outraleitura.com.br