Digite uma palavra chave ou escolha um item em BUSCAR EM:
postado em: 29/6/2016
Introdução
“Os direitos humanos fazem de nós seres humanos. Eles são os princípios através dos quais construímos a morada sagrada para a dignidade humana.” Kof A. Annan
Ao iniciar essa pesquisa, me veio à lembrança uma experiência bastante marcante que vivi. Certa vez, estava eu num ônibus, em São Paulo, quando subitamente observei seis homens que, de forma violenta, tentavam atirar uma mulher para fora do coletivo. Tamanha era a violência, não me contive e fui interceder pela mulher, pois entendia eu que o motivo de tamanha violência era o fato dela não possuir dinheiro para pagar a viagem. Porém, constatei que esse não era o motivo, pois observei que ela estava com as mãos cheias de bilhetes de ônibus. Então perguntei a eles o porquê dela não poder seguir viagem. E eles responderam: “você não está sentindo o cheiro, olha como ela está vestida!”. E com mais violência ainda a colocaram para fora.
O motivo de tão grande violência não era simplesmente o fato daquela mulher ser pobre, ou estar suja, ou fedida. A principal causa era a de que todos que a cercavam não reconheciam nela sua humanidade. A pobreza que envolvia aquela mulher impedia que a sociedade reconhecesse nela os traços de um ser humano igual a todos e todas.
Tendo essa imagem em mente, iniciei essa pesquisa, tendo como objetivo definir o que é ser humano, quais as definições da sociedade, das leis, das religiões. O que é ser humano para os humanos?
Essa experiência define claramente que, no cotidiano, a definição de ser humano está constantemente indefinida. Será que os policiais, quando sobem os morros e favelas, saberiam definir o que é ser humano, atirando para todos os lados? Isso está claramente definido quando se levantam as estatísticas de morte por violência envolvendo policiais e todo o aparato de segurança pública.
Sem contar que os atos de desumanidade estão espalhados por toda a sociedade, atingindo a todos, dando a impressão de que o ser humano também é uma espécie em extinção. Isso se espelha pelo mundo. O que dizer do tratamento oferecido aos prisioneiros em Guantánamo, ou das mulheres que se tornaram vultos ou sombras nos países islâmicos? Quem é o ser humano? Os mais ricos, os mais poderosos? Qual é a relação de poder e humanidade? Por que os atos contra os direitos humanos estão sempre relacionados com abuso de poder? Esses são os principais objetivos dessa pesquisa.
1. Os direitos
Em 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa histórica medida solicitou aos países membros que publicassem o texto da Declaração “para que fosse disseminado, mostrado, lido e explicado, principalmente em entidades de ensino e outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma, baseado na situação dos países e dos territórios”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem por finalidade o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família, e de seus direitos iguais e inalienáveis. É o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
O desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros, que ultrapassam a consciência da humanidade, que deseja um mundo onde os seres humanos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do terror e da necessidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um grande marco da história da humanidade, porém ao longo dos anos se tornou apenas lei, perdendo todo o valor em sentido dos que sofrem e padecem. As grandes nações se fazem despercebidas do conteúdo da Declaração dos Direitos Humanos, e isso se evidencia no contexto social, onde o pobre, o negro, o doente, a mulher são expostos a situações cada vez mais degradantes. Com isso, pontos centrais da Declaração foram perdendo seu valor, do individual para o coletivo, até ganharem força cultural. O que significa a morte de um marginalizado, ou de um índio, ou o espancamento de uma empregada doméstica? O desconhecimento da Declaração se torna evidente em atos recorrentes da sociedade.
Jovens de classe média queimaram, de forma cruel, um índio que dormia em uma calçada em Brasília, e indagados sobre o porquê de tanta crueldade respondem, de forma simples: “pensávamos que fosse um mendigo”. Ou seja, índios, pobres, mulheres, prostitutas, travestis, favelados são de uma forma cultural seres desprovidos de humanidade. Na visão cultural dos mais abastados, isso é evidente. A visão da mídia brasileira e mundial, quando uma fatalidade atinge uma aldeia ou uma favela, é de tratar o fato com o sentido puramente ilustrativo, sem qualquer conotação de piedade ou reflexão de que ali estão seres humanos.
Dessa forma, a cada dia a Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornou um conteúdo desprovido de interesse coletivo, tanto pelo interesse individual e político. Os anseios humanos são satisfeitos de uma forma singular, sem o verdadeiro sentido que o documento exige. O conhecimento da Declaração dos Direitos Humanos devolve a toda a coletividade o conhecimento de que somos parte de um universo completo, onde homens e mulheres, crianças, idosos, negros, brancos, pobres e ricos são partes importantes da vida.
Segundo a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º.:
“Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
“Homem e mulher são iguais em direitos e obrigações”.
Através desse direito básico da lei brasileira, podemos indagar do porquê da lei não existir no cotidiano dos cidadãos. Uma lei existente, porém ineficiente para a vida do país. As leis brasileiras, em respeito dos direitos e deveres individuais e coletivos, estão fundamentadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, com o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações.
Aqui vemos que o intuito era de que todas as nações reconhecessem que os seres humanos têm o direito não só de vida, mas o reconhecimento de que são pessoas, e não coisas.
“As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades, concretas e vivas”.
O não reconhecimento e a não interpretação dos seres humanos se concretizam com a degradação do elo principal entre o universo e o ser humano, que é a vida. Observamos que a degradação da vida, tanto física como moral e ética, tira do ser humano sua interação com o universo. Os direitos humanos também se tornaram simplesmente leis, porém não mais estão sendo estabelecidos como regras de vida para os próprios seres humanos. O que dizer das atitudes do sistema econômico, para com os pobres, e do sistema político para com toda a sociedade?
As leis existem, porém recebem, ao longo do tempo, seus pesos e medidas. Um dito popular diz que “há leis para os ricos e para os pobres”. Isso logo é entendido se adentrarmos a um presídio brasileiro.
Desde a descoberta de que uma menina de quinze anos passou vários dias presa com dezenas de homens adultos, no Pará, descobrimos que as leis brasileiras são totalmente ineficientes, não cumprindo seu objetivo principal, que é a promoção e defesa da vida.
Por que isso acontece?
2. O poder a vida
Quanto vale uma vida? Quanto vale a dignidade humana? São perguntas complexas, mas realmente existe um preço. Dentro do sistema político e econômico, seres humanos são tratados como simplesmente índices. Os analistas econômicos não sabem atribuir a seus cálculos as dores da vida cotidiana de milhões de pessoas, que padecem diariamente. Índices não estabelecem o quão duro está sobreviver em um universo tão desigual. Pessoas que morrem nos hospitais e postos de saúde, devido ao mau uso do dinheiro público.
Quantos políticos não usufruem de uma vida glamorosa, com o dinheiro público, enquanto crianças e idosos padecem em hospitais precários? Como avaliar a dor de tanta gente que, para benefício de poucos, têm sua dignidade ferida?
Nisso está característica a desumanidade. O que é desumanidade? Essa é uma pergunta fácil de ser respondida pelos milhões que sofrem ao redor do mundo. Ela pode ter suas definições técnicas, mas as melhores respostas serão obtidas diretamente dos lábios daqueles que, no dia-a-dia, se vêem desrespeitados e feridos em sua integridade física, moral e são desprovidos da vida.
Será que políticos do mundo inteiro saberiam definir o que é desumanidade? Desumanidade só pode ser definida com o reconhecido da realidade daqueles que sofrem pelo mundo afora. A desumanidade é manifesta pela busca incansável do ser humano pelo poder. Quem tem o poder, determina as verdadeiras leis e regras para a vida.
Isso é manifesto nas atitudes do senhor George W. Bush, ao determinar, com o apoio do Congresso Americano, a invasão do Iraque. Foram gastos, até agora, três trilhões de dólares, para mostrar ao mundo que o poder é alvo dos ricos para com os pobres; que não importa declaração de direitos humanos, o que importa é a posse do poder.
Essa busca pelo poder se mostra em todas as camadas da sociedade, desde a patroa, que exerce poder sobre sua empregada, até os altos escalões políticos, militares e religiosos. Quem tem o poder determina os limites da lei e da vida. Isso está claramente demonstrado no cotidiano brasileiro, da África, da Índia, etc.
O homem, através do seu poder cultural, determina as regras e leis no âmbito familiar, não importando as leis universais. Com isso, a mulher perde, no âmbito cultural, o seu direito à igualdade, e dentro disso não importam as leis universais. O poder se sobrepõe à vida.
3. O que diz a Igreja
Segundo a Bíblia, todos somos semelhantes a Deus, tanto macho como fêmeas, e ainda determina que Deus ama a todos, tanto homens como mulheres e todo o universo. Essas declarações se assemelham muito às leis e declarações dos direitos humanos. Entende-se que muitas das leis se fundamentam na vida. Através do tempo, observamos que a Igreja também se deixou levar pelos enganos do poder puramente terreno.
As leis garantem a todos o direito à liberdade e à vida, e à liberdade de expressão tanto fora, como dentro da Igreja. Mas observamos que a Igreja também se tornou fonte de degradação da vida. Ao longo da história, as doutrinas sociais da Igreja privilegiaram mais aos ricos que aos pobres, transformando atitudes em fontes de total degradação para a vida humana. Suas leis, com o intuito de prevalecer no poder, se aliaram às atitudes políticas, degradando também a vida.
O que dizer das leis e regras para a mulher, que durante séculos se tornaram leis morais e culturais, determinando que o homem é o cabeça do lar, não imputando à mulher qualquer expressão? Não há semelhança a Deus quando se busca unicamente o poder. A expressão maior é daquele que está no poder.
A Igreja se alia ao poder econômico, tornando-se também a algoz dos que sofrem e padecem, não tendo qualquer consciência prática de sua responsabilidade social. O pobre só tem voz dentro do sistema religioso para clamar por justiça.
Conclusão
O presente trabalho tem em destaque a reflexão entre a utopia de um mundo possível e a utopia de um mundo real, porém cada parte é desafiadora, tanto para teólogos, sociólogos, antropólogos, médicos, enfermeiros, enfim, para todos aqueles cidadãos e cidadãs pertencentes ao contexto mundial.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos não pode ser encarada como uma utopia. Ela deve fazer parte do nosso dia-a-dia, dos nossos debates, de nossos sermões, de nossas orações, sempre com o intuito de ver, mesmo que seja com os olhos da fé, que é possível um mundo melhor.
Gostaria de concluir este trabalho com um texto do Prof. Dr. Benedito Ferraro, da PUC-Campinas, que diz que pensar o social é pensar Deus, pensar Deus é pensar o social.
“É certo que estamos remando contra a corrente. Nesse processo, pois, não pode haver desânimo, pois parar de remar significa voltar atrás. Não podemos deixar de manter as descobertas e conquistas já feitas. Frente aos novos desafios do neo-liberalismo, temos que buscar novos caminhos, lembrando que caminhando se abre caminho! O neo-liberalismo proclama o fim da história, e o fim das utopias. Nós continuamos a acreditar que Deus é o Deus da História e, portanto, a história continua, pois Deus é maior. O neo-liberalismo, através de seus intelectuais, afirma que quem quer o céu na Terra, acaba construindo o inferno. Nós continuamos a reconstrução do céu, para poder transformar a Terra! É preciso pensar o céu, para que a Terra se torne, de novo, o Paraíso! Volta do sonho bíblico tão caro à mentalidade semita. Busca da terra sem mares, tão querida dos povos indígenas! Sociedade sem classes, apregoada pelos marxistas, e ainda por construir! Reino de Deus antecipado na Terra, tema central dos cristãos e cristãs! Vivemos em tempos de busca da espiritualidade da esperança, para que possamos vencer os ídolos da morte e indicar que o futuro da história já está assegurado na vitória do Ressuscitado sobre a morte, e que a história tem um horizonte que não poderá ser retido por nenhuma força ou ídolo da morte! Devemos acreditar que esta vida é a mediação de nosso encontro com Deus. Amar a vida, amar o corpo, amar o mundo e acreditar que a vida vence a morte, porque Deus é o Senhor da vida”.
Bibliografia
• Bíblia TEB. Edições Paulinas: São Paulo, 1996. • SOUZA, Wilson de. O evangelho e as questões sociais. Rio de Janeiro: MK Edições, 2006. • SUSIN, Luiz Carlos. Terra prometida – movimento social, engajamento cristão e teologia. Ed. Vozes: Petrópolis, 2001. • SUSIN, Luiz Carlos. Teologia para outro mundo possível. Ed. Paulinas: São Paulo, 2006. • MOSER, Claudio e RECH, Daniel. Direitos humanos no Brasil – diagnóstico e perspectivas. Mauad: Rio de Janeiro, 2004. • Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. Compêndio da doutrina social da igreja. Ed. Paulinas: São Paulo, 2005. • MARCILIO, Maria Luiza e PUSSOLI, Lafaiete. Cultura dos direitos humanos. LTR Editora: São Paulo, 1998. • CAHALI, Yussef Seud. Constituição Federal, Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1999. • TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Ed. Sinodal: São Leopoldo, RS, 2005. • NIBUHS, H. Richard. A responsabilidade da Igreja pela sociedade. Tradução: Prof. Dra. Magali do Nascimento Cunha. • CASTRO, Clovis Pinto de. Dias melhores virão. Tempos de refrigério e tempos da restauração. Pastoral urbana. Editeo: S. B. C. SP, 2006, P>. 33. • CUNHA, Magali do Nascimento. Um olhar sobre a presença pública das Igrejas evangélicas no Brasil. Pastoral urbana. Editeo: S. B. C. SP
(UMESP – FaTeo – Maio de 2008)
Fonte: pedrasclamam.wordpress.com