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postado em: 30/6/2016
”E, tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a erva, tomou os cinco pães e os dois peixes, e, erguendo os olhos ao céu, os abençoou, e, partindo os pães, deu-os aos discípulos, e os discípulos à multidão” (Mateus 14:19).
Recentemente estava no metrô de São Paulo, voltando para casa num fim de tarde em meio à multidão. Ao meu lado havia uma senhora lendo um livro, e pelo hábito da leitura logo estiquei meus olhos para ver o que ela estava lendo. Foi quando observei que, além do livro, ela trazia um recorte de jornal com a notícia: “Prefeitura de São Paulo quer proibir o sopão para moradores de rua!”
De imediato levei um susto. Ao chegar em casa fui pesquisar a notícia, e não é que era verdade?
Em continuidade ao que a prefeitura chama de “revitalização do centro de São Paulo”, acredita-se que o sopão faz com que moradores de rua se sintam à vontade nas ruas, pois tendo o que comer não buscam os serviços sociais oferecidos, gerando com isso um ciclo vicioso que alimenta a criminalidade, gerando violência, tráfico e uso de drogas. Esse projeto é continuidade da limpeza da região chamada de “cracolândia”.
Muitos setores da sociedade reagiram a essa notícia, alguns a favor, outros contra. Há explicações para as duas partes. Os sociólogos dizem que o sopão propicia a vida contínua na rua, fazendo com que os moradores de rua se sintam em “casa”, pois tendo onde dormir e comer, de nada mais precisam. Ou seja, o sopão alimentaria a multiplicação da miséria que vemos nas ruas.
Para antropólogos, os miseráveis já se acostumaram à vida sofrida e necessitada, perdendo a expectativa de uma vida diferente, fazendo do seu sofrimento sua cultura de vida, ou seja, sua pobreza e miséria na verdade seriam os instrumentos de sobrevivência, pois muitos vivem de esmolas, pequenos favores e serviços nos faróis e calçadas da vida.
Nas regiões centrais de São Paulo podemos ver o retrato social do nosso país. São centenas de moribundos andando como mortos-vivos, sob efeito de drogas e bebidas. Há muita prostituição, assaltos, violência de todo tipo, tudo isso alimentando a miséria. Há também as vítimas do sistema econômico, desprovidos de moradia, que habitam nos cantos escuros ou em qualquer lugar onde possam estar protegidas do frio e da chuva.
Esse é o retrato social do nosso país. Mesmo na cidade mais rica do Brasil a miséria é vista em todos os cantos. Para muitos, fome e miséria só acontecem nos Estados mais pobres da União. Porém essa é uma realidade presente até mesmo nas principais capitais do país. O sistema econômico faz diariamente suas vítimas, e isso é facilmente percebido nos grandes centros. A miséria se mistura aos centros de compras, aos carros importados, aos bons restaurantes. Diariamente, as nações mais ricas lançam suas bombas econômicas, que vão vitimando a cada dia mais vidas.
Porém, há sinais de esperança em meio a todo o caos. Em meio a tudo isso há pessoas que buscam dar um pouco de dignidade para esse povo esquecido e marginalizado pela sociedade.
São diversas as atitudes de misericórdia ao povo de rua, vindas de instituições ou até mesmo de iniciativas pessoais. Alguns distribuem sopão, outros pão com chocolate quente nas noites frias. Outros roupas, cobertores e agasalhos, tudo motivado pelo desejo de oferecer uma expectativa melhor de vida. É preciso dizer que o povo de rua é pobre, doente, vitima de décadas e décadas de esquecimento do Estado, que serve à burguesia e distribui aos pobres as migalhas que sobram.
Não é de hoje que vemos atitudes como essa na cidade de São Paulo. Há sempre a idéia de que o pobre, o miserável está atrapalhando, tornando a paisagem feia, suja, fétida. E essa é mesma a realidade de quem há muito tempo não tem dignidade em viver.
Essa notícia provocou indignação e revolta em muitos, e com isso o prefeito Kassab abandou essa idéia louca, fazendo com que os meios de comunicação se esqueçam dessa informação.
Fico a me perguntar: porque será que os moradores de rua, os drogados, os necessitados temem e se negam a usufruir do aparato social do Estado?
Precisamos buscar respostas para isso.
Com tudo isso, me lembrei de uma experiência vivida. Anos atrás, eu e um grupo de irmãos da minha igreja todos os domingos distribuíamos almoço aos moradores de rua de nossa cidade. Era feita uma pesquisa de onde havia os necessitados. As senhoras da igreja faziam o alimento que era servido em marmitex. Isso foi feito por muito tempo por nossa igreja, porém um dia esse ato foi marcado para sempre para mim e os demais irmãos.
Enquanto servíamos o alimento, uma senhora parou e ficou a nos observar. Logo se aproximou e perguntou: a qual grupo espírita vocês pertencem?
Eu respondi: somos evangélicos, e ela respondeu com tom de admiração:
“Poxa, eu não sabia que evangélicos faziam caridade!!”
Essa frase marcou minha vida! Não que eu acredite que evangélicos não façam realmente o bem ou a caridade, mas o que me chama a atenção é o fato de que a cada dia mais os atos de misericórdia em prol do próximo são cada vez mais escassos. Quando digo ato de misericórdia, estou me referindo às atitudes em prol da vida e da dignidade humana, sem a busca de qualquer bonificação ou proveito próprio.
É missão da igreja, e principalmente dos cristãos, praticar o bem e lutar pela paz e justiça, principalmente em defesa dos menos favorecidos e necessitados e dos que sofrem. Essa é a essência da mensagem de Cristo. Se ao menos nós conseguirmos enxergar os que sofrem, se ao menos tivermos em nosso vocabulário palavras como misericórdia, amor ao próximo, caridade, compaixão, podemos ter a esperança de que um mundo melhor é possível.
Vejo que muitos cristãos têm dificuldades para praticar atos de misericórdia. Unimo-nos ao mundo em seus valores e passamos a medir nossos atos, sempre exigindo dos mais fracos responsabilidades que não são aplicáveis aos fracos na fé.
Na passagem bíblica da multiplicação dos pães e dos peixes, vários pontos podem ser destacados:
1) – Jesus percebe a necessidade do povo, e tomado de intensa compaixão interfere na realidade da multidão, curando suas enfermidades e providenciando o suprimento.
As atitudes de Jesus diante do sofrimento dos seres humanos sempre foram de compaixão e amor, e nessa passagem bíblica fica claro que Deus não se agrada do sofrimento humano.
2) – Jesus nos demonstra que as coisas materiais não são obstáculos ou desculpas para não fazermos o bem. Ele diz aos apóstolos: dai-lhes vós de comer.
É nossa tarefa praticar o que Ele nos ensinou, e para isso temos que exercitar nossa fé através do elemento principal do cristianismo, que não é o dinheiro ou as coisas findáveis deste mundo. Temos que buscar em nossos corações compaixão pelos que sofrem, e assim teremos as verdadeiras ferramentas para suprir a necessidades dos que sofrem.
3) – Jesus, não se importando da significância ou do valor dos pães e dos peixes, manda a multidão se assentar, dá graças, abençoa os elementos e dá aos discípulos para que eles distribuíssem o alimento ao povo.
Aqui vemos a confirmação do que está escrito nos Salmos 37:3:” confia no Senhor e faze o bem; habitarás na terra, e verdadeiramente serás alimentado”.
O Salmo 37 nos ensina a descansar no Senhor, pois Ele não se esquece dos que sofrem. Vemos que Jesus demonstra aos seus discípulos que o princípio do amor ao próximo é reconhecer os atributos de Deus e saber quem Ele realmente é. O ato de multiplicar, de transformar é de Deus, porém cabe a cada um de nós o ato de praticar a fé verdadeira. Não é possível viver uma fé genuína em Cristo sem a prática do amor ao próximo.
Cabe aos cristãos demonstrar ao mundo que Deus ainda tem compaixão pelos que sofrem, mas isso precisa ser praticado. Precisamos demonstrar até mesmo ao Estado que existem pessoas que acreditam num mundo melhor, através de atitudes de compaixão e amor, que ainda há esperança para os que sofrem. É preciso ter espaço na igreja e na vida dos cristãos para a prática do bem. É preciso dispor de valores em socorro dos que sofrem. É preciso que nas igrejas haja espaço para alimentar os famintos não só da Palavra, mas também de alimento material.
Para isso servem as ofertas e os dízimos. Igreja é casa de Deus. Como pode ser igreja se não há suprimentos para os necessitados?
Esse ato da Prefeitura de São Paulo serve para nossa reflexão, pois demonstra a desumanização do Estado para com os mais necessitados. Mas demonstra que nossas relações com nosso próximo estão a cada dia mais líquidas, não palpáveis, escorregando entre nossos dedos. Temos dificuldades em enxergar as necessidades dos outros, e isso é reflexivo devido à dureza dos nossos corações por nos deixarmos influenciar pelos desejos do mundo.
Que sejamos receptivos ao Espírito Santo de Deus, para que Ele possa transformar nossos corações de pedra em corações cheios de compaixão e amor ao próximo.
“Também vos darei um coração novo, e dentro de vós porei um espírito novo; tirarei da vossa carne o coração de pedra, e dar-vos-ei um coração de carne.Dentro de vós porei o meu espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardareis os meus juízos e os praticareis” (Ezequiel 36:26-27).
Fonte: pedrasclamam.wordpress.com