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postado em: 24/12/2011
A ética de Sócrates e o calcanhar de Aquiles
Sócrates, o filósofo grego, morreu envenenado por uma bebida feita de cicuta. Sócrates, o genial jogador, faleceu envenenado pela bebida alcoólica. Nessa óbvia e trágica conexão greco-tupiniquim, o nosso Sócrates, rei do calcanhar no futebol, tinha também seu calcanhar de Aquiles. Como ele mesmo viria a admitir nos últimos meses, ele abusou do álcool e seu corpo começou a cobrar essa dívida que, em geral, se paga com a vida.
É claro que nenhuma cervejaria convidou Sócrates para protagonizar seus comerciais. Até porque em propaganda de bebida alcoólica só tem povo sarado e "guerreiro". E Sócrates não era um guerreiro de futilidades: assim como lutou pela participação dos jogadores nas decisões importantes do clube (criou a chamada Democracia Corintiana), ele lutou também pela participação popular no processo democrático brasileiro. As Diretas Já não vieram a tempo, em 1985, mas foi só uma questão de tempo.
Denunciando maracutaias e nada empolgado com a realização de uma Copa do Mundo num Brasil tão carente de necessidades básicas, o ex-jogador também se tornou persona non grata nos escritórios da CBF, o que, convenhamos, só engrandece seu currículo.
Assim como Antonio Carlos Brasileiro Jobim, Sócrates também tinha o Brasileiro no nome. Os dois tinham uma profunda ligação com o Brasil, com a arte musical brasileira, com o futebol-arte brasileiro. As melodias simples e assobiáveis de Tom camuflavam a invenção genial. O simples toque de calcanhar de Sócrates era um desafio à lógica. As invenções mais geniais são as mais óbvias.
Dentro de campo, resolvia as dificuldades com uma tranquilidade desconcertante. Mesmo seu célebre toque de calcanhar não era um enfeite; era refinado e prático, utilizado para desmontar a razão pura dos zagueiros. Por isso, os adversários não lhe roubavam a bola facilmente. Achavam que Sócrates iria recuar ou perder a bola, quando na verdade o Magrão estava preparando com uma falsa lentidão seu bote final.
Antes de tomar o cálice de cicuta e morrer, Sócrates, o filósofo grego, disse ao amigo Críton: "Devemos um galo a Asclépio; não te esqueças de pagar essa dívida". A ética do filósofo não morria com ele.
Após a conquista do bicampeonato paulista em 1983, um repórter perguntou a Sócrates Brasileiro qual o jogador determinante para aquele triunfo. Sócrates disse que foi o artilheiro Casagrande, o incansável Biro-Biro, o organizador Zenon? Nenhum deles. Sócrates cravou: "Foi Émerson Leão. Sem ele, acho que não chegaríamos ao título". Só que o goleiro Leão era o maior opositor de Sócrates na Democracia Corintiana. A voz honesta e a ética de Sócrates, o Brasileiro, eram ainda maiores que seu extraordinário futebol. Valeu, Doutor!
SOBRE O AUTOR
JOEZER MENDONÇA
Joêzer Mendonça é Mestre em Música pela UNESP. Escreve sobre música, mídias e religião. Edita o blog Nota na Pauta www.notanapauta.blogspot.com.