Salmo 35 – Que Orações Você Publicaria?
Se você fosse Deus, que orações você publicaria? Pense bem: você publicaria na sua Bíblia as mais belas orações? Somente as orações que fossem sempre inspiradoras? Você editaria orações que pudessem representar belamente o seu caráter? Você publicaria apenas os anseios que dignificassem os escritores, seus auxiliares nessa publicação? Assim não fez o nosso Deus: Ele publicou os chamados "Salmos Imprecatórios". A expressão parece bonita, mas não o seu significado. Ele registrou orações que poderiam ser mal compreendidas e até comprometer o Seu caráter. Mas Deus é muito imprevisível mesmo. Isso não deveria nos surpreender.
Mas como podemos entender esses salmos imprecatórios, salmos em que os autores pedem vingança contra os seus inimigos? Como podemos entender estas orações inspiradas pelo Espírito Santo (At 1:16,20) em que os salmistas pedem o mal para os seus adversários, quando Cristo nos ordenou amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem? (Mt 5:44).
A primeira resposta que devemos manter é que esta decisão de Deus não foi errada, porque Ele é onisciente, conhece todas as coisas e sabe que estamos lendo um salmo difícil de compreender. Ele sabe que isso haveria de surpreender a muitas pessoas; mas Deus é um Deus é de surpresas mesmo. Ele deve ter as suas razões para agir assim. Mais: ele deve ter algumas lições para nós ao publicar esse tipo de oração. Portanto, devemos estudar os salmos imprecatórios ao lado dos outros que nos parecem mais "inspiradores", a fim de descobrir qual foi o propósito de Deus ao deixar publicar tais orações.
Uma coisa a mais devemos manter: Deus não está disposto a defender a causa dos nossos inimigos; antes, defende a nossa causa, quando estamos de fato ao lado da justiça e da verdade. Mas Ele não estará a defender-nos se mudarmos a nossa posição.
Esboço e estrutura do Salmo 35:
I. APELO POR VINDICAÇÃO (1-10)
A. Razão do Apelo (1-3)
B. Apelo por Vindicação (4-8)
C. Promessa de Louvor (9-10)
II. APELO POR LIBERTAÇÃO (11-18)
A. Razão do Apelo (11-16)
B. Apelo por Libertação (17)
C. Promessa de Louvor (18)
III. APELO POR JUSTIFICAÇÃO (19-28)
A. Razão do Apelo (19-22)
B. Apelo por Justificação (23-26)
C. Promessa de Louvor (27-28)
Por que foram escritos, publicados e registrados na Bíblia os Salmos imprecatórios? Por que encontramos Davi e outros salmistas, além dos profetas, escrevendo orações que pedem a vingança contra os inimigos? há oito razões que respondem a esta pergunta, e estão claras no Salmo 35, que é um dos mais drásticos que encontramos em toda a Bíblia.
Este é um salmo dividido em três partes, sendo que no final de cada parte temos um louvor, e no início de cada parte, temos as razões do apelo que será feito. E são 3 os apelos de Davi para Deus: VINDICAÇÃO, LIBERTAÇÃO E JUSTIFICAÇÃO.
I. APELO POR VINDICAÇÃO (1-10)
A. Razão do Apelo (1-3): Os inimigos estão contendendo, lutando e guerreando contra Davi.
Davi introduz o salmo pedindo a Deus que assuma as contendas e lutas que ele tinha com os seus inimigos, e o represente, usando uma linguagem legal e militar: "1 ¶ Contende, Senhor, com os que contendem comigo; peleja contra os que contra mim pelejam." As circunstâncias deste salmo são a fuga de Davi escapando da perseguição de Saul com o seu exército de 3.000 homens, no deserto de En-Gedi (1Sm 24:1,2). Note as palavras de Davi para Saul naquele dia, após ter poupado a sua vida: "Seja o Senhor o meu juiz, e julgue entre mim e ti, e veja, e pleiteie a minha causa, e me faça justiça, e me livre da tua mão" (1Sm 24:15). Seguramente, o Salmo 35 foi um desdobramento disso.
A 1ª razão dos salmos imprecatórios é que temos inimigos e não adianta você se desculpar, dizendo que não temos inimigos, que somos cristãos, porque certamente eles estão por aí, em todo o lugar, embora sejam inimigos não de nossa parte (Rm 12:18). Pois basta que alguém seja um cristão para sofrer perseguições (2Tm 3:12). Davi tinha inimigos entre os pagãos, inimigos entre o povo de Israel, inimigos dentro do palácio, inimigos dentro dos parentes, inimigos dentro da própria família, e dentro de si mesmo, e sem falar dos inimigos demoníacos e do próprio Satanás (1Cr 21:1). Nunca vi alguém que tivesse tantos inimigos na vida exceto Jesus Cristo (Sl 69:4; Jo 15:25). Nós também temos muitos inimigos: No trabalho, na escola, na rua, em casa, entre os parentes, na família e dentro da própria igreja, sem falar dos demônios e de nossa natureza pecaminosa – todos conspirando contra nós.
A 2ª razão dos salmos vindicativos é que precisamos aprender a deixar os inimigos nas mãos de Deus. Assim como fez Davi. Estava Davi se vingando dos inimigos com as suas próprias mãos? Não. Ele deixou a vingança nas mãos de Deus. Não adianta contendermos com eles, não vai ajudar nada lutarmos contra os adversários. Não podemos vencê-los. Isso exigiria possuir armas próprias, mas muitas vezes são eles os que possuem as armas mais poderosas.
Por isso Davi pede que Deus use as Suas armas: "2 Embraça o escudo e o broquel e ergue-te em meu auxílio. 3 Empunha a lança e reprime o passo aos meus perseguidores." Portanto, é Deus que deve agir no seu tempo certo, para guerrear as nossa batalhas com as Suas armas. Portanto, a Bíblia diz mais: "Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; Eu é que retribuirei, diz o Senhor." (Rm 12:19). Os salmos imprecatórios nos ensinam a clamar a Deus e deixar a nossa luta com o Todopoderoso. Você tem alguns inimigos? Deixe-os com Deus.
A 3ª razão para esse tipo de salmos, é nos lembrar de Quem é o nosso único e suficiente Salvador que nos liberta dos nossos adversários. O cristão não é ignorante de Seu Libertador. Ele nunca diz: "Quem me livrará do corpo desta morte?" (Rm 7:24), porque ele conhece o Salvador. Portanto, um salmo imprecatório é uma oração em que o salmista clama pela salvação que há em Deus somente, quando ele está desesperado em uma situação de grave perigo de vida.
O salmista não tinha dúvida sobre isso. Davi diz a Deus o que Ele deveria dizer ao Seu servo: "Dize à minha alma: Eu sou a tua salvação." (v. 3). Ele raciocinava assim: "Se Deus disser para mim que Ele é a minha salvação, então, estarei completamente seguro, muito mais do que se eu disser isso". Com efeito, Davi já havia dito isso, no salmo 27: "O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo?" Mas no verso 9 (Sl 27:9), ele teve medo da ira de Deus e medo de se perder, e no verso 12, ele teme a crueldade dos seus adversários.
Portanto, nada melhor do que ouvir a voz de Deus nos dizendo que Ele é a nossa Salvação. Não importa a multidão de inimigos que tenhamos (Sl 3:1). Se Deus está ao nosso lado, não importa quem seja, nem quantos sejam os nossos inimigos. Deus é o nosso Refúgio e Fortaleza. Ele diz à nossa alma: "Eu sou o teu Salvador." Podemos cantar com Davi e fazer nossas as suas palavras, dizendo a Deus para nos dizer a nós as palavras que mais nos consolam:
"Fala à minha alma ó Cristo, fala-lhe com amor!
Segreda com ternura: 'Eu sou Teu Salvador!'
Faze-me bem disposto para te obedecer
Sempre louvar Teu nome dedicar-te o ser.
Faze-me ouvir bem manso, em suave murmurar;
Na cruz verti Meu sangue, para te libertar;
Fala-me cada dia, fala com terno amor;
Segreda-me ao ouvido: 'Tu tens um Salvador.'"
B. Apelo por Vindicação. (Vs. 4-8)
Qual era o grande apelo de Davi? Digo isso em 3 frases:
1. Que os inimigos sejam envergonhados. "Sejam confundidos e cobertos de vexame os que buscam tirar-me a vida; retrocedam e sejam envergonhados os que tramam contra mim" (4). Davi ora por vindicação. A maior vergonha do inimigo é ser derrotado em campo de batalha. Se Deus estivesse com Davi a defendê-lo, é certo que os adversários sofreriam o maior vexame, a derrota mais esmagadora de que se tem ouvido.
2. Que os inimigos sejam perseguidos. "5 Sejam como a palha ao léu do vento, impelindo-os o anjo do Senhor. 6 Torne-se-lhes o caminho tenebroso e escorregadio, e o anjo do Senhor os persiga." Após a vergonha da derrota, o jeito é fugir. Mas assim como perseguiram os justos, merecem a perseguição de um simples justo que aplica a justiça. Deus enviaria o Seu anjo. No Salmo anterior, lemos que "O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que O temem e os livra." (Sl 34:7). É nessa confiança que Davi suplica a perseguição dos adversários, a fim de que possam em justiça sentir a amargura do que significa perseguir aos que temem a Deus.
3. Que os inimigos sejam destruídos. "8 Venha sobre o inimigo a destruição, quando ele menos pensar; e prendam-no os laços que tramou ocultamente; caia neles para a sua própria ruína." Davi estava certo em pedir a destruição dos seus inimigos? Davi não deveria amar e orar a favor dos inimigos? Mas ele aqui estava orando contra eles. Não são palavras fáceis de se ler e muito menos de se explicar. Mas o salmo todo pode nos elucidar as razões que justificam tal oração que roga a destruição dos inimigos.
Estas são as orações de vingança de Davi contra os seus inimigos. Mas por que não compreendemos as suas palavras? Muitas vezes lemos as maldições, sem ler as suas razões. Por que são justas as reivindicações de Davi? Os inimigos perseguiam a Davi (v. 3), buscavam tirar-lhe a vida (4), tramavam contra ele (4,7), abriram uma cova para a sua vida (7), e tudo "sem causa" (7). Os adversários não podiam apontar nenhum defeito na vida de Davi, mas mesmo assim, por mera crueldade e truculência, eles queriam devorar a sua vida.
A 4ª razão para os salmos imprecatórios, é que eles são corretos porque os inimigos são culpados do sangue inocente, e estão perseguindo aos justos "sem causa". De fato, os inimigos merecem a punição reivindicada com justiça pelos filhos de Deus. Lemos que a voz do sangue inocente clama, desde o justo Abel (Gn 4:10) até os mártires de todos os séculos: "Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?" (Ap 6:10). Esta é mais uma oração imprecatória dos justos registrada no Novo Testamento, por vontade de Deus.
A 5ª razão porque as orações vindicativas foram registradas é que Deus prometeu vingar o sangue inocente dos Seus filhos. Deus vingará os inimigos do seu povo, em tudo o que fizeram contra ele. Disse Moisés: "O Senhor fará justiça ao Seu povo e se compadecerá dos seus servos ... porque o Senhor vingará o sangue dos seus servos, tomará vingança dos seus adversários" (Dt 32:36,43). Aqueles que tocam nos cristãos, tocam na "menina dos olhos" de Deus (Sl 17:8). Ferem aqueles a quem o Salvador mais preza e por quem Se entregou em sacrifício na Cruz do Calvário. Deus não pode deixar de exercer a Sua justiça em favor dos Seus filhos e contra os Seus inimigos. Ele sempre aplica a justiça punitiva ou salvadora. "Porquanto derramaram sangue de santos e de profetas, também sangue lhes tens dado a beber; são dignos disso" (Ap 16:6).
C. Promessa de Louvor (Vs. 9-10)
A seguir, Davi promete que há de se alegrar e louvar: "9 E minha alma se regozijará no Senhor e se deleitará na sua salvação. 10 Todos os meus ossos dirão: Senhor, quem contigo se assemelha? Pois livras o aflito daquele que é demais forte para ele, o mísero e o necessitado, dos seus extorquiadores."
Este ponto parece mais difícil de entender. Como pode se alegrar na aniquilação dos seus inimigos? Davi não deveria estar orando pelo bem dos seus inimigos? Não deveria amar aos seus inimigos e orar pelos que o perseguiam? (Mt 5:44).
A 6ª razão deste salmo vindicativo é que a alegria do salmista está "no Senhor". É claro que é difícil separar a libertação do fato de que isso implica na destruição do inimigo, mas isto provoca uma alegria pelo Deus que temos, em Quem nos regozijamos pelo fato de que Ele pratica a justiça. Ao sermos libertos, podemos dizer: "Quem, Senhor, contigo se assemelha?" Isto significa o nosso reconhecimento da superioridade da justiça divina.
O salmista poderia até ficar penalizado pela morte de alguns inimigos, que anteriormente eram seus amigos; ele pode ficar triste pela perda de muitos deles e até lamentar o fato de sua perdição. Mas a sua alegria estava "no Senhor" e no fato de ser Deus o seu Salvador, em quem habita a justiça. "No Senhor", não nos inimigos destruídos.
Isto foi ilustrado na ocasião em que Davi foi perseguido pelo seu filho Absalão, juntamente com uma grande multidão de amigos que se colocaram ao lado do filho rebelde e se tornaram seus inimigos. No final da batalha em que foram derrotados todos os seus inimigos e morto o seu filho, Davi lamentou a morte do filho que caçava a sua vida para lhe usurpar o trono. Quando Davi soube da morte do filho, o que fez?
"Então, o rei, profundamente comovido, subiu à sala ... e chorou; e, andando, dizia: Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!" (2 Samuel 18:33). Eram sentimentos controversos - um misto de alegria e tristeza ao mesmo tempo, querendo dar a vida pela vida do filho. Não admira que Davi foi considerado o homem segundo o coração de Deus, que enviou o Seu Filho para morrer em lugar de nós outros, Seus filhos perdidos.
II. APELO POR LIBERTAÇÃO (11-18)
A. Razão do Apelo (11-16): Os amigos traíram a Davi, e se tornaram em seus piores inimigos.
Sabe qual foi a maior tribulação de Davi? Não eram os seus inimigos. Eram os amigos que se tornaram em inimigos. Eram os amigos que o traíram. Alguém poderia se lembrar das palavras de Cristo sobre amar os inimigos e orar por eles? Mas note como Davi fez exatamente isso: "11 ¶ Levantam-se iníquas testemunhas e me arguem [acusam] de coisas que eu não sei. 12 Pagam-me o mal pelo bem, o que é desolação para a minha alma. 13 Quanto a mim, porém, estando eles enfermos, as minhas vestes eram pano de saco; eu afligia a minha alma com jejum e em oração me reclinava sobre o peito, 14 portava-me como se eles fossem meus amigos ou meus irmãos; andava curvado, de luto, como quem chora por sua mãe."
É evidente o profundo amor e afeição de Davi por esses "amigos", tratados como irmãos, e lamentados "como quem chora por sua mãe", mas que se revelaram em seus piores inimigos. Mas agora, veja o resultado de amar e orar por aqueles inimigos! "15 Quando, porém, tropecei, eles se alegraram e se reuniram; reuniram-se contra mim; os abjetos, que eu não conhecia, dilaceraram-me sem tréguas; 16 como vis bufões em festins, rangiam contra mim os dentes".
A 7ª razão dos salmos de vingança é que os inimigos já foram longe demais. Eles são falsas testemunhas contra nós. Pagam o mal pelo bem que lhes fizemos. Alegram-se de nossas desgraças, quando o mal nos abate. Reúnem-se para tramar a morte daqueles que os amaram e suplicaram com jejum e orações, rogando por sua vida e saúde. Torturam e dilaceram aos que seguem o caminho de Deus. Revelam o seu ódio selvagem contra todos os que amam a Deus. E finalmente, desejam a morte daqueles que os ajudaram e clamaram por sua salvação. Os ímpios, que são alvos dessas orações que reivindicam a sua condenação, ultrapassaram os limites da misericórdia divina; não há como converter esses corações empedernidos. Pecaram contra o Espírito Santo. Não há salvação para eles.
É claro que não podemos julgar a espiritualidade dos outros; só Deus pode saber quem vai se salvar e quem vai se perder. Mas Davi não colocou os nomes deles, ao lado de seus pecados. Ele nem colocou o nome de Saul, que foi o pior de todos, e já estava condenado por Deus! Davi sentiu bater-lhe o coração acelerado quando se aproximou de Saul para lhe cortar o manto (1Sm 24:5) e poupou a sua vida, por duas vezes! Mas tudo isso deixava o salmista em uma grande tribulação, ainda penalizado por seus amigos traidores. Como Jesus, que parecia não suportar a separação de Judas.
B. Apelo por libertação (V. 17)
Davi apela por libertação: "17 ¶ Até quando, Senhor, ficarás olhando? Livra-me a alma das violências deles; dos leões, a minha predileta. 18 Dar-te-ei graças na grande congregação, louvar-te-ei no meio da multidão poderosa. "
Este é um apelo urgente (Até quando, Senhor?) visando a onisciência divina (V. 17: "Ficarás olhando?"; V. 22: "Tu, Senhor, os viste."), buscando a libertação. De fato, somente um Deus onisciente poderia ver todas as coisas, e a todas as pessoas, bons e maus, em todos os lugares do universo, para atender a todos os Seus filhos, e libertá-los dos seus inimigos que "tramam enganos contra os pacíficos da terra" (20). Mas Davi sabia disso, e apela por Sua sabedoria e visão onisciente para garantir a sua libertação.
Agora, chegamos na 8ª razão dos salmos imprecatórios: Deus publicou essas orações para nos ensinar a essência da verdadeira oração, sem falsas cortesias, e sem reservas. "Até quando, Senhor, ficarás olhando?" Você ora desta maneira para Deus? Nós somos muito finos e corteses em nossas orações, não querendo falar coisas impróprias numa oração por temor a Deus. Mas a verdadeira oração lança fora essa falsa delicadeza, esse fino trato, no qual tentamos esconder mesmo de Deus as muitas coisas que estamos remoendo em nosso coração. Entretanto, a verdadeira oração revela os sentimentos mais secretos da alma.
Quando estivermos prontos a orar e falar exatamente como nos sentimos, e quais são os pensamentos que nutrimos; quando estivermos prontos a revelar os mais íntimos segredos da alma, então, sim, estaremos começando a orar de fato e manteremos a verdadeira comunhão com o nosso Deus. Daí, virão as respostas às nossas preces mais profundas, às nossas mais indizíveis aspirações.
Veja como Davi ora: "Até quando, Senhor, ficarás olhando?" "Até quando terei de esperar, sem que faças coisa alguma?" Não parece descortês? Onde está a delicadeza, o fino trato e o respeito para com o Eterno? Mas Davi falava com sinceridade de alma. Ele tinha verdadeira intimidade com Deus. Abria o coração como a um amigo. Confiava-Lhe todas as tribulações. Note a sua angústia: "Livra-me a alma das violências deles; dos leões, a minha predileta." Ele não tinha receios de falar a verdade para Deus e Deus gostava tanto de Davi, que falou dele como alguém que era segundo o Seu coração (At 13:22).
Davi se dirige a Deus, como Alguém que tem a visão da onisciência, lamenta-se da violência de seus cruéis inimigos, suplica a libertação e promete-Lhe dar graças pela libertação. Ele crê que sua promessa de gratidão e louvor há de ser um argumento muito forte para fazer de Deus o seu Libertador naquele momento de perseguição terrível.
C. Promessa de Louvor (18)
Davi cantou a segunda promessa de que haveria de louvar a Deus diante das multidões reunidas: "18 Dar-te-ei graças na grande congregação, louvar-te-ei no meio da multidão poderosa." Davi antevê a grande vitória de seu Libertador sobre os seus inimigos.
III. APELO POR JUSTIFICAÇÃO (19-28)
A. Razão do Apelo (19-22): Os "inimigos gratuitos" odeiam a Davi e planejam a guerra contra ele. Mas Deus sabe de tudo isso.
Nesta terceira parte do salmo, Davi fala sobre a alegria malévola dos seus inimigos. E acrescenta o tipo de adversários que possuía: eles são "inimigos gratuitos" (v. 19), ou seja: eles não podem dizer por que são meus inimigos. Eles "me odeiam sem causa!" Essas palavras foram usadas por Cristo para Se referir aos Seus inimigos, fazendo delas uma profecia messiânica: "Quem me odeia, odeia também a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, pecado não teriam; mas, agora, não somente eles têm visto, mas também odiado, tanto a mim como a meu Pai. Isto, porém, é para que se cumpra a palavra escrita na sua lei: Odiaram-me sem motivo." Jo 15:23-25.
20: "Não é de paz que eles falam." A intenção dos inimigos era promover a guerra literal e fisicamente para destruir o ungido de Deus. 21: "Escancaram contra mim a boca e dizem: Pegamos! Pegamos! Vimo-lo com os nossos próprios olhos. 22 Tu, Senhor, os viste; não te cales; Senhor, não te ausentes de mim." Aqui temos a certeza de triunfo da parte dos adversários de Davi, que afirmam que já o viram em meio aos seus esconderijos. Mas ele apela a Deus que já os vira muito antes em suas ações de complô contra o Seu servo. A onisciência divina é invocada pela segunda vez (17,22).
B. Apelo por Justificação (Vs. 23-26)
Este é o 3º apelo do salmista e agora ele ora por justificação: "23 Acorda e desperta para me fazeres justiça, para a minha causa, Deus meu e Senhor meu. 24 Julga-me, Senhor, Deus meu, segundo a tua justiça; não permitas que se regozijem contra mim." Davi não só apela por justiça, mas que Deus o julgue, a fim de proceder a sua justificação perante os inimigos.
Em circunstâncias diferentes ou lutando com algum pecado, Davi não pediria para que Deus o julgasse, porque a Sua justiça haveria de quebrantá-lo; antes clamaria pela misericórdia. Mas agora, ele está precisando da justiça e apela para o mesmo Deus, porque Davi conhece muito bem o caráter divino e sabe que ele é constituído de muitas e infinitas misericórdias, mas também de justiça que absolve os justos.
Davi sabe que o juízo divino não é de se temer porque será justo. Muito mais são de temer os juízos humanos, por muitas razões e principalmente porque são injustos. Portanto, ele confia em que a justiça de Deus seja feita em prol de sua causa, a fim de que ele seja justificado diante dos seus inimigos.
Mas há uma expressão que nos é muito familiar: "Deus meu e Senhor meu." (23) Estas palavras nos indicam um íntimo relacionamento de Davi com Deus. A religião verdadeira está baseada não em regras e cerimônias, mas em um relacionamento próprio com Deus. Tomé, depois de um tempo de dúvidas e incertezas, completamente convertido diante do seu maravilhoso Salvador, disse a Jesus em atitude de adoração: "Senhor meu e Deus meu" (Jo 20:28). Necessitamos desse íntimo relacionamento com Jesus Cristo especialmente em nosso tempo quando cresce o número dos inimigos em proporção geométrica.
C. Promessa de Louvor (Vs. 27-28)
Davi faz um convite para todos os que temem ao Senhor, e sentem prazer na justiça e retidão dos justos: "27 Cantem de júbilo e se alegrem os que têm prazer na minha retidão; e digam sempre: Glorificado seja o Senhor, que se compraz na prosperidade do seu servo!" Então, promete Davi louvar a justiça pela qual ele será justificado: "28 E a minha língua celebrará a tua justiça e o teu louvor todo o dia."
Esta é a 3ª vez em que Davi promete louvar e engrandecer a Deus (9,18,27-28). São três apelos e três louvores. Aqui ele convida aos seus verdadeiros amigos que têm prazer sua integridade, a se unirem a ele e glorificarem ao Deus que lhe concede a vitória esmagadora sobre os seus inimigos.
Meu prezado amigo, por acaso você está orando contra os seus inimigos? Ou a favor deles? É possível que inimigos sejam transformados em amigos, e depois sejam salvos. Deus responde as agonizantes e fervorosas orações dos cristãos. Ou será que alguém está orando e rogando impropérios contra você? Será que há entre nós alguém que esteja roubando propriedades, dinheiro ou a reputação dos outros? Será que há alguém que está tramando o mal e arruinado a felicidade de outros? Eu conheço pessoas que se dizem cristãos e agem exatamente assim. Tudo isso é motivo para orações a Deus.
Mas se você está orando contra alguém, será que essa pessoa não é especial para Deus? Você quer o mal para alguém que confia no sacrifício de Jesus Cristo? Por acaso você persegue a alguém que é reputado segundo o coração de Deus? Então, cuide para que esse mal não se volte contra si mesmo.
Davi dizia sobre os seus inimigos: "Não digam eles lá no seu íntimo: Agora, sim! Cumpriu-se o nosso desejo! Não digam: Demos cabo dele!" (25). Davi dizia para os seus amigos: "Digam sempre: Glorificado seja o Senhor!" Mas para o Senhor, Davi dizia: "Dize à minha alma: Eu sou a tua salvação."
Cantemos sempre e louvemos ao nosso Redentor:
"Fala à minha alma ó Cristo, fala-lhe com amor!
Segreda com ternura: 'Eu sou Teu Salvador!'
Faze-me bem disposto para te obedecer
Sempre louvar Teu nome dedicar-te o ser.
Faze-me ouvir bem manso, em suave murmurar;
Na cruz verti Meu sangue, para te libertar;
Fala-me cada dia, fala com terno amor;
Segreda-me ao ouvido: 'Tu tens um Salvador.'"
Pr. Roberto Biagini
Mestrado em Teologia
30/11/2012
Adicional
Davi estava certo em pedir a destruição dos seus inimigos?