Introdução ao Livro de Eclesiastes
1. Título
O nome deste livro em hebraico é Cohélet, O Pregador. O que fala se aplica a si mesmo este título capítulo 1: 12. Cohélet se refere provavelmente ao que convoca uma reunião, ou ao orador ou pregador oficial de uma reunião tal. A forma hebraica feminina, e seu uso com uma forma verbal de gênero feminino no capítulo 7: 27, sugere a possibilidade de que tal como se usa em Eclesiastes designe não só a Salomão como pregador, mas à sabedoria divina que fala por seu intermédio. Figuradamente, a Sabedoria se dirige ao povo Provérbios 1: 20. Desta maneira Cohélet aparece como instrumento para a comunicação da sabedoria divina, e também como a Sabedoria personificada.
As palavras dos sábios se comparam com ferrões, e com pregos fincados... as dos mestres das congregações capítulo 12: 11. Declara-se que quanto mais sábio for o Pregador, tanto mais ensinou sabedoria ao povo. capítulo 12: 9. Em I Reis 4: 32, 33 se repete três vezes a palavra falou, o qual se refere não a composições escritas senão a discursos pronunciados ante uma assembléia convocada com dito propósito. O Espírito Santo queria que se entendesse que o ensino de Salomão se dirigia à grande congregação, a saber, a igreja de Deus em todos os lugares e em todas as épocas. ver Salmo 22: 25; 49: 1 a 4.
O título de Cohélet em grego e latim é Eclesiastes, que possivelmente seja uma tradução de Cohélet. O significado é algo similar. Cohélet deriva do Hebraico qahal, convocar a uma assembléia, cuja forma substantivo significa reunião, ou congregação. Em grego, a palavra que significa congregação deriva da raiz verbal kaléô chamar, cuja forma substantivo é ekklésia, igreja. Eclesiastes deriva de ekklésia.
2. Autor.
Desde os tempos mais antigos, e por consenso universal, considerou-se ao rei Salomão como autor do Eclesiastes ver PR p. 62. A frase descritiva hebraica, filho de David, rei em Jerusalém. Capítulo 1: 1, considerou-se como uma prova suficiente da paternidade literária de Salomão. Martinho Lutero, em sua obra Tischreden conhecida como Palestras de sobremesa, foi o primeiro em pôr em dúvida que Salomão fosse o autor do Eclesiastes.
Posteriormente, até Lutero, foi de opinião unânime a respeito da autoria dos livros de Provérbios, Eclesiastes e Cantares eram obras do mesmo autor. Fez-se notar que há diferenças de estilo literário. Esta diferença do estilo do Eclesiastes, quando se compara com o de Provérbios e Cantares, pode-se atribuir facilmente ao fato de que tratam temas diferentes, ou a uma avançada maturidade num período posterior da vida de Salomão. Cantares poderia corresponder ao tempo do primeiro amor de Salomão para com Deus; Provérbios, com um período posterior, e Eclesiastes, com sua velhice.
Eliminar a crença de que Salomão é o autor, como o faz a maioria dos escritores modernos, é ficar completamente à deriva com respeito ao autor do Eclesiastes. Certamente não há nenhum fundamento para atribuí-lo a nenhum outro autor. Tal opinião faz que o Pregador do capítulo 1: 1 seja uma mera figura literária que escreveu com o espírito e o poder do rei Salomão ver Lucas 1: 17.
É absolutamente impossível chegar a determinar uma data precisa em que se escreveu o Eclesiastes; pelo geral, os modernistas sustentam que foi no século III AC. Mas o rei Salomão morreu no ano 931/30 AC ver t. II, págs. 137, 138; e se aceita que ele foi o autor, a data de composição seria imediatamente anterior a dito ano.
A posição do livro de Eclesiastes no cânon hebreu pode ser de alguma ajuda na tentativa de descobrir a data aproximada da inserção do livro segundo o temos agora no cânon. Em primeiro lugar, o Eclesiastes está incluído entre os Megilloth, os cinco rolos ou livros miscelâneas: Cantares, Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester. Em segundo lugar, o Eclesiastes é um dos últimos cinco livros segundo a ordem do cânon hebraico: Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, e Crônicas. Em ambos os casos achamos ao Eclesiastes imediatamente antes de Ester. Isto pode sugerir que estes dois livros ingressaram no cânon aproximadamente ao mesmo tempo ver t. I, pp. 40 a 42. É possível, e ainda provável, que o livro, já escrito, se o tivesse posto em circulação durante anos, e talvez séculos, antes que chegasse a fazer parte do cânon[1].
Eclesiastes ou o Livro do Pregador
Antes de emitir enunciados interpretativos do conteúdo do livro em referência, considero ser de utilidade para o estudioso conhecer algumas peculiaridades que envolvem a autenticidade e a trajetória histórica da preservação do texto.
O nome Eclesiastes é uma derivação fonética do termo grego Ekklesiastes, que aparece como título do livro na versão grega do AT, denominada Septuaginta. Por sua vez, esse termo encontra sua raiz no vocábulo: ekklesia; que tem o sentido de reunião ou assembléia. Na Bíblia hebraica, aparece o termo Qohelet, cuja raiz encontra-se na seqüência das consoantes: Q, H, L, cuja primeira acepção é reunião ou ajuntamento de pessoas. Nas formas verbais, essas consoantes dão o sentido de reunir, juntar; dessa maneira, o termo substantivado Qohelet, pode significar aquele que reúne uma assembléia para falar-lhe; ou seja, o pregador.
A inclusão do livro de Eclesiastes, o pregador, no Cânon das Sagradas Escrituras foi debatida por muitos séculos. O Código Samaritano, do período pré-cristão, não inclui os livros classificados como Hagiografos, entre os quais se encontra o Eclesiastes. Os judeus do período intertestamentário não aceitavam os Hagiografos, principalmente os cinco rolos: Cantares, Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester, por considerarem que os autores da Septuaginta incluíram vários livros referência aos apócrifos, sem contar com a devida autoridade que a canonicidade requer.
A expressão assertiva de Jesus, encontrada em Lucas 24: 44, outorga autoridade canônica dos Hagiografos. Neste texto se lê: Importava se cumprisse tudo o que de Mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. A palavra Salmos deve ser entendida como uma referência aos Hagiografos, pois era o nome original pelo qual era conhecido; segundo a declaração de Filo de Alexandria, no seu texto de Vita Contemplativa, p. 25, os judeus residentes em Alexandria e que falavam grego decidiram o impasse na célebre reunião denominada: Sínodo de Jamnia ou de Jabneh, realizada no ano 90 d.C. incluindo no Cânon das Escrituras Sagradas os Hagiografos, entre eles, o livro de Eclesiastes. Mesmo assim, durante os primeiros cinco séculos da era cristã, a disputa sobre a canonicidade de alguns livros Ezequiel, Cantares, Provérbios, Eclesiastes e Ester, ainda motivava polêmicos debates, no ambiente judeu.
Os Massoretas, judeus tradicionalistas que divulgaram as Sagradas Escrituras entre os séculos VI a X, sempre consideraram o livro de Eclesiastes, dentro do Cânon do AT. A atual Bíblia hebraica, que é baseada no texto completo encontrado em Leningrado Codex Leningradensis, apresenta uma nota esclarecedora no livro de Eclesiastes, mencionando que a cópia foi feita por Aaron Ben Mosheh Ben Asher, descendente da notável família de judeus massoretas.
Em relação à autoria do livro de Eclesiastes, um grupo de teólogos e eruditos modernos, utilizando os parâmetros da assim chamada alta crítica, negam que o texto tenha sido escrito por Salomão, no fim do século X a.C.; afirmando que as características lingüísticas, estilo literário, relação histórico-ambiental, apontam para uma autoria de período posterior, sugerindo diversas datas, como o ano 250 a.C. Outros argumentos propostos são que o livro não menciona o nome de Iahweh; não faz nenhuma referência à Lei Divina e é omisso ao relacionar o povo de Israel como nação vigente.
O fato de a tradução grega chamada Septuaginta, realizada durante o governo de Ptolomeu II Philadelfo, entre os anos 285 a 246 a.C., incluir o livro de Eclesiastes indica que cópias do livro já existiam muito tempo antes. Entre os chamados rolos do Mar Morto, foram encontrados na caverna 4 de Qumram, fragmentos do livro de Eclesiastes, datados possivelmente no terceiro século a.C. os quais, sem dúvida, foram cópias de textos anteriores a essa data. Esses achados provam que o texto não teria sido escrito nos anos 250 a.C. senão muito tempo antes.
Mas o recurso fidedigno para sugerir a autoria do livro é a afirmação encontrada no próprio texto no capítulo 1: 1, onde se lê: Palavra do pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém. Os adjetivos indicados claramente qualificam Salomão como autor desse texto. Essa assertiva ainda é reforçada no uso do pronome em primeira pessoa do singular do verso 12, do mesmo capítulo: Eu, o pregador, venho sendo rei de Israel..., não dando lugar a outra identidade no concerto das personalidades da História[2].
3. Fundo histórico.
O fundo histórico do Eclesiastes se estabelece claramente no livro mesmo. Depois do prólogo, versos 1 a 11, aparece uma breve declaração de Salomão: Eu o Pregador fui rei sobre Israel em Jerusalém. Capítulo 1: 12. Em hebraico o verbo fui está em tempo perfeito, a mesma forma que teria empregado Salomão ao dirigir a palavra a uma assembléia convocada em sua velhice.
Como ainda é rei, faz uma declaração com respeito a sua própria experiência pessoal. Refere-se, não tanto a acontecimentos históricos, com os quais sem dúvida seus ouvintes estavam bem familiarizados, como a seu próprio esforço por atingir a felicidade[3].
A grandeza do governo de Salomão
O governo de Salomão era de prosperidade, conseqüência natural da administração progressista de seu pai, o rei Davi. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que houve motivos baseados na política exterior que determinaram tal situação de prosperidade. Em termos gerais, as grandes nações e as de menor expressão viviam em ambiente sem pretensões de conquistas. O grande império assírio vivia atormentado por problemas internos que o impulsionavam à procura de uma pacificação nacional. O último rei assírio que estimulava a expansão territorial foi Tukulti Ninurta I 1.248 a 1208 a.C.. Tomou Babilônia, destruiu seus muros e se tornou rei desse império. Mais adiante, reclamou honras divinas. Não contente com sua capital Ashur, fundou nas margens do rio Tigre, uma nova capital com o nome: Kar Tukulti Ninurta. Sua vida terminou quando o próprio filho o encerrou nessa cidade e lhe ateou fogo. Então, a Assíria entrou em decadência nos períodos do reinado de Davi e de Salomão.
O Egito era administrado por faraós da XXI dinastia 1.087 a 945 a.C. As grandes conquistas e gigantescas construções que caracterizaram o período dos Ramésidas, já haviam passado. Agora, os egípcios viviam impassíveis, como se temessem uma ameaça externa. Foi nesse período que um dos faraós dessa dinastia deu sua filha em casamento a Salomão, com a tentativa de manter a paz.
Na Palestina, as ameaças internas de nações estabelecidas sumiram de maneira radical. Os Horitas retiraram-se à região norte, pelas montanhas do Taurus até alcançar o território da Capadócia. Os hititas, ou heteus, seguiram em fuga, ao norte da Mesopotâmia onde fundaram o estado Hatina, nos despojos do antigo império de Mitani. Alguns hititas ou heteus permaneceram em Israel na condição de servos.
Nesse ambiente livre de ameaças externas floresceu o reino de Salomão. No entanto, para manter essa afirmação, não se deve deixar de destacar os atributos pessoais de Salomão e os dons adquiridos pela sua dependência de Deus. A formação de Salomão no palácio real de Davi determinou o desenvolvimento de notáveis qualidades morais. Antes mesmo de ser coroado, seu pai destacou a sua prudência I Reis 2: 9 e sabedoria I Reis 2: 6. Assim que foi coroado, Salomão requereu de Deus coração compreensivo para julgar... Para que prudentemente discirna entre o bem e o mal... I Reis 3: 9. Munido dessas qualidades, Salomão engrandeceu seu reino.
O prestígio pessoal de Salomão, não somente como excelente administrador, mas também como homem de grande saber e intelecto, era amplamente divulgado entre as nações estrangeiras, de onde partiam personalidades importantes para testemunhar da sabedoria do rei de Israel[4].
4. Tema.
Ainda que Salomão ocupasse um lugar preeminente entre os reis hebreus, tanto em sabedoria como em prosperidade temporária, relata em Eclesiastes a inutilidade de todas estas vantagens para conseguir a felicidade verdadeira e estável. E como atingirá o homem a felicidade? Cooperando com seu Criador e cumprindo assim o propósito divino para a existência humana.
O pregador uma vez que medita na incerteza da felicidade, discorre sobre a desgraça real que enche o mundo. Para um mundo cheio de angústia, o sábio não propõe uma espécie de bem-estar social como à solução das desigualdades ou injustiças humanas. Quando conclui sua apresentação, o pregador apresenta uma série de sugestões práticas. Como indivíduos, devemos prestar toda a ajuda possível aos pobres e aos doentes; mas o mais importante é que rendamos a Deus o coração e os afetos, e que obedeçamos, e nos prepararemos para o juízo final. O Eclesiastes proporciona uma sã filosofia da vida, do propósito da existência do ser humano, de seu dever e de seu destino.
Com a exposição de suas experiências pessoais, Salomão tenta guiar a outros pelo caminho da fé em Deus. Descrevem a tirania que há no mundo, as injustiças, os fracassos que poderiam debilitar a fé do ser humano em seu Criador. Mas não se pode desprezar nem propor em forma indefinida no dia da retribuição. Ainda que persistam por um tempo as desigualdades, estas com freqüência são medidas essencialmente disciplinarias. O dever e a felicidade final de toda pessoa consistem em defrontar à vida com a determinação de aproveitar ao máximo suas oportunidades. Deus se encarregará do futuro.
O livro do Eclesiastes se apresenta ao povo de Deus, não como uma nação escolhida, mas como uma assembléia de indivíduos que se reúnem sob a direção do Cohélet, o Pregador. O debate da assembléia concerne aos interesses do indivíduo como membro do grupo, responsável ante Deus direta e pessoalmente. O Eclesiastes proporciona assim uma transição adequada do Israel segundo a carne ao Israel segundo o espírito. O ensino de Salomão, rei de Israel, cujo nome significa paz, mas que ele não achou em sua própria vida pessoal até bem avançada em sua velhice, foi incluído com toda propriedade pelos judeus na seção final do AT como a culminação adequada da filosofia da vida, ilustrada mediante o trato de Deus com seu povo nos tempos antigos.
Quando Salomão perdeu de vista a fonte da sabedoria, glória e poder que o céu lhe tinha outorgado tão bondosamente, as tendências naturais lhe dominaram a razão. A confiança em Deus e na direção divina imperceptivelmente cedeu o lugar a uma crescente confiança própria e à busca de seus próprios caminhos. À medida que Salomão subordinava a razão à sua própria inclinação, se lhe embotava a sensibilidade moral, se lhe endurecia a consciência e se lhe pervertia o juízo. A dúvida ateísta e a incredulidade que lhe endureceram o coração também debilitaram seus princípios morais, degradaram sua vida e finalmente o levaram a uma apostasia completa. Durante anos foi acossado pelo temor de que sua incapacidade para apartar-se da insensatez terminaria numa ruína completa ver PR, p. 36 a 57.
No ocaso de sua vida sua consciência ao fim acordou, e Salomão começou a compreender a realidade de sua insensatez e a ver-se a si mesmo como Deus o via: um rei velho e néscio que não admite conselhos capítulo 4: 13. Aproximava-se o tempo de sua morte, e não achava prazer em refletir em sua vida mal vivida capítulo 12: 1. Sua mente e seu corpo estavam debilitados pelos excessos versos 2 a 5; PR, p. 57. Completamente arrependido, esforçou-se por reformar sua antiga vida extraviada; e com espírito contrito regressou cansado e sedento das cisternas rompidas da terra para saciar-se uma vez mais no manancial da vida.
Mas a recuperação do favor de Deus não lhe restaurou em forma milagrosa a fortaleza física e a força mental dos anos mal vividos Ministério da Cura, p. 126. O pecado é um tremendo mal, que descompôs todo o organismo humano, pervertendo a mente e corrompendo a imaginação. Ministério da Cura, p. 357, e o arrependimento de Salomão não impediu que desse fruto o mal que tinha semeado. Educação, p. 46. Não podia esperar que escapasse aos resultados desgostosos do pecado. PR, p. 57.
No entanto, recuperou uma medida limitada da sabedoria que tinha dilapidado quando andava depois da insensatez. Por sua própria amarga experiência, Salomão aprendeu quão vazia é uma vida dedicada a procurar as coisas terrenas como o bem mais elevado. PR, p. 56. Gradualmente chegou a compreender a impiedade de sua conduta, e procurou a maneira de levantar sua voz de advertência que salvasse a outros das amargas experiências pelas que ele mesmo tinha passado PR, p. 58 a 60 e 62, e assim contrastar, até onde fosse possível, a influência nefanda de sua loucura.
Dessa maneira, mediante o Espírito da inspiração, Salomão registrou para as gerações futuras a história de seus anos mal vividos, com suas lições de advertência PR, p. 57. O livrou de Eclesiastes é o relato de sua insensatez e seu arrependimento. PR, p. 62, uma descrição de os erros que lhe tinham feito mal viver inutilmente os dons mais preciosos do céu. PR, p. 58. A vida de Salomão está repleta de advertências. PR, p. 60 e contém muito que é apresentado pela Inspiração não como um exemplo para imitar, como uma advertência solene. Descreve em termos muito enfáticos como Salomão procurou o prazer, a popularidade, a riqueza e o poder; mas o pensamento que unifica esta triste narração é a sincera análise que faz o autor dos processos mentais pervertidos com os quais ele tinha justificado sua conduta extraviada.
As partes de Eclesiastes que relatam a experiência e o raciocínio de seus anos de apostasia não se têm de tomar como a expressão do pensamento e a vontade do Espírito Santo; no entanto, são um registro inspirado do que verdadeiramente Salomão pensou e fez durante esse tempo ver PR, p. 58, e constitui uma séria advertência contra esse tipo de pensamento e ação equivocados. Por exemplo: a atitude cínica para com a vida, expressada nos capítulos. 2: 17; 4: 2; 7: 1, 28, dista muito de ser um modelo para o cristão ver capítulos. 1: 17; 2: 1, 3, 12; etc. Não há como desvincular de seu contexto passagens como estas, para provar alguma suposta verdade que a Inspiração nunca se propôs ensinar.
No estudo do livro de Eclesiastes é sumamente importante diferenciar entre o raciocínio sutil e pervertido ao qual se refere Salomão e o discernimento mais claro que seguiu a seu arrependimento. O contexto de uma declaração com freqüência demonstra se Salomão se refere ao falso raciocínio de anos anteriores, ou às reflexões depuradas dos dias de seu arrependimento. A proposta do pensar pervertido e das atitudes de seus anos passados se apresenta com freqüência mediante expressões em passado: vi, disse, procurei, fiz, dei meu coração, etc. capítulos 1: 13 a 2: 26. Por contraste, as solenes conclusões extraídas da experiência começam com freqüência com expressões como estas: conheci ou vi capítulos 3: 10 a 14; 5: 13, 18. Uma nota de cinismo e incerteza caracterizam pelo geral o pensamento de seus anos anteriores capítulos 1: 18; 2: 11, 14 a 20; 4: 2, 3; 6: 12; 7: 1-3, 27, 28; 9: 11. Em mudança, as conclusões que refletem os juízos maduros da vida posterior têm um tom positivo capítulos 5: 1, 10; 9: 11; 11: 1; 12: 1, e os princípios enunciados capítulos 5: 10, 13; 6: 7; 8: 11; 11: 9; 12: 7, 13, 14 confirmam-se em outras passagens das Escrituras.
Deve notar-se também que Salomão usa a palavra sabedoria para referir-se tanto à sabedoria mundana capítulos 1: 18; 7: 12; etc. como à verdadeira sabedoria capítulos 7: 19; 8: 1; 10: 1; etc. Quando começou a procurar deleites e a viver insensatamente, esperava desfrutar de todos os prazeres do pecado e ao mesmo tempo reter sua sabedoria e são juízo capítulo 2: 3. No meio de sua necessidade, cria-se sábio capítulo 2: 9, mas não se dava conta de seu auto engano até já passados muitos anos e, como o filho pródigo Lucas 15: 17, voltou em si, mas como um homem mais triste e mais sábio capítulo 7: 23. Tal é o engano do pecado, como o compreendeu Eva para seu mal-estar e amarga desilusão ver Gênesis 3: 5 a 7[5].
Sabedoria do mundo e sabedoria de Deus
A palavra sabedoria, utilizada por Paulo em I Coríntios 3: 19 é a tradução do vocábulo grego sophia. Na época de Paulo, os cidadãos gregos faziam uso desse vocábulo para referir-se indistintamente à sabedoria popular e àquela que procede de uma realidade superior, sem avaliar sua natureza de ser falsa ou verdadeira. É por essa dupla conotação que Paulo tenta diferenciar uma da outra, especificando: a sabedoria deste mundo.
Qual é a sabedoria deste mundo? A inferência possível, de acordo com o qualificativo dado por Paulo, é: a sabedoria originada na mente humana. Mas por que é contrária à sabedoria que procede de Deus? Para elucidarmos a razão dessa dualidade, precisamos obter maior compreensão do significado do vocábulo grego sophia, sabedoria. O significado desse termo, no pensamento grego; sem pretender manter dependência dessa expressão cultural.
Para Aristóteles, Sophia, sabedoria, é identificada com a Filosofia Primeira ou Metafísica. A sabedoria não está no mundo físico. Ela se torna real mediante a união de uma razão intuitiva humana com o conhecimento rigoroso daquilo que é superior ou que expressa seus princípios divinos. Platão, o filósofo que exalta o bem e o belo, sugere o conceito de sabedoria como uma virtude superior. Sábio é aquele que possui todas as condições necessárias para pronunciar juízos reflexivos e maduros.
Considerando essas asserções, inferimos que a sabedoria só existe num ambiente superior, além da natureza humana. Para adquirir sabedoria, o homem precisa buscá-la em Deus; pois há, neste processo, uma relação de íntima dependência. Na linguagem bíblica, esse conceito se expressa: O temor do Senhor é a sabedoria. Jó 28: 28; O temor do Senhor é o princípio da Sabedoria. Salmo 111: 10. O homem, pela sua natureza, só pode gerar e adquirir conhecimento. É a prática das virtudes que diferencia o homem que só tem conhecimento do homem que tem sabedoria. O homem que tem conhecimento pode saber o que é a bondade; mas só o homem sábio é quem pratica a bondade; e, todos os outros frutos do Espírito.
Finalmente, a sabedoria que procede de Deus torna o homem prudente, justo e praticante das virtudes do Espírito. O homem com conhecimentos pode ser sábio, se seus conhecimentos são utilizados para o bem. Não pode ser considerado sábio o homem cujos conhecimentos adquiridos são utilizados para o mal; pois Deus não está nele. Esta última condição é aquela que caracteriza a sabedoria do mundo[6].
O declínio do governo de Salomão
A grandeza do governo de Salomão entrou em declínio por causas políticas e causas morais ou por uma inter-relação entre as elas. Politicamente, Salomão tomou medidas que originaram inconformismo entre o povo de Israel. Elevou a carga tributária de seus súditos; dividiu o reino em 12 distritos, obrigando-os a contribuir durante um mês, cada ano, para a alimentação do palácio, estimado em 5.000 pessoas; aumentou a tributação dos comerciantes estrangeiros que atravessavam o território de Israel; gerou descontentamento e conseqüente ameaça das nações de Edom, Damasco e, posteriormente, do Egito; enfrentou sem solução a revolta de Jeroboão.
No campo da moralidade, duas atitudes do rei Salomão: a sensualidade e a idolatria contribuíram para consolidar, de forma irreversível, o declínio de seu reino. Nos primeiros anos de governo, manifestou conivência com o povo que oferecia sacrifícios sobre os altos. I Reis 3: 2. Seu casamento com a filha de Faraó não seria a primeira experiência no sentido de manter um harém numeroso com mulheres de várias etnias. O prestígio de seu reinado e os hábitos político-sociais daquela época, entre as nações do Oriente Médio, permitiam o permanente aumento de esposas e concubinas a perambular pelos corredores do palácio real.
As razões para um governante ou homem de prestígio, nobre e rico possuir muitas mulheres eram eventualmente umas obrigações de estado. Para manter a paz política entre nações, em geral, o governante do reino vencido oferecia sua filha em casamento ao governante vitorioso. Uma forma de consertar ou estreitar alianças políticas era consolidar esse ato através de casamentos. Muitos nobres da mesma nacionalidade ou estrangeiros davam mulheres aos governantes, a título de presente. Muitas mulheres, capturadas como prisioneiras, ocupavam as recâmaras do palácio, como troféus de guerra; moças e até crianças eram transferidas dos seus lares ao palácio, como forma incomum de pagamento de dívidas; em época de baixo índice demográfico, a posse de várias concubinas tornava possível a existência de um número elevado de descendentes. Nessas práticas, consideradas legais e adequadas à época, Salomão não seguiu a regra divina em relação ao casamento, mas obedeceu aos padrões da moralidade inescrupulosa de nações pagãs.
Essa falha de comportamento levou Salomão e seu reino ao declínio de poder e de comunhão com Deus. Sendo já velho, suas mulheres lhe perverteram o coração para seguir outros deuses... Salomão seguiu Astarote, deusa dos sidônios, e Milcom, abominação dos amonitas... edificou Salomão um santuário a Quemos, abominação de Moabe... e a Moloque, abominação dos filhos de Amom. I Reis 11: 4 a 7[7].
5. Esboço.
I. Prólogo: A vaidade da vida, 1: 1 - 11.
A. Os vai e vens das gerações são aparentemente em vão, 1: 1 a 4.
B. Os intermináveis ciclos da natureza parecem carecer de propósito, 1: 5 a 8.
C. Há algo novo, algum grande propósito para a existência? 1: 9 a 11.
II.Salomão procura a felicidade, 1: 12 a 2: 26.
A. A mais conhecimento, mais desilusão, 1: 12 a 18.
B. A vaidade do prazer, o regozijo e as posses materiais, 2: 1 a 11.
C. O sábio e o néscio são iguais ao morrer, 2: 12 a 17.
D. O sábio está insatisfeito com os resultados de seus esforços, 2: 18 a 23.
E. A satisfação só provem de Deus, 2: 24 a 26.
III. Tempo para tudo, 3: 1 a 4: 8.
A. Tempo para as diversas atividades humanas, 3: 1 a 15.
B. Tempo para o juízo divino, 3: 16 a 22.
C. Tempo permitido para as injustiças humanas, 4: 1 a 8.
IV. Quatro ideais, 4: 9 a 5: 9.
A. O valor do companheirismo, 4: 9 a 12.
B. O valor da sabedoria, 4: 13 a 16.
C. O valor da reverência, 5: 1 a 7.
D. O valor de Injustiça, 5: 8, 9.
V. A insensatez da vida, 5: 10 a 6: 12.
A. A insensatez do materialismo, 5: 10 a 12.
B. O mistério do sofrimento, 5: 13 a 17.
C. A inutilidade do esforço, 5: 18 a 6: 12.
VI. Coisas pelas quais vale a pena viver, 7:1 a 22.
A. A reputação e a formação do caráter, 7:1 a 10.
B. A sabedoria para entender o proceder de Deus, 7: 11 a 14.
C. Uma perspectiva equilibrada da vida, 7: 15 a 18.
D. Ninguém é perfeito, 7: 19 a 22.
VII. A busca da sabedoria, 7: 23 a 12: 7.
A. Seus fracassos, 7: 23 a 29.
B. Solução de seus conflitos, 8: 1 a 15.
C. Os caminhos inescrutáveis de Deus, 8: 16 a 9: 6.
D. O contentamento no meio das vicissitudes da vida, 9: 7 a 10: 6.
E. Cada ação terá sua recompensa devida, 10: 7 a 11: 10.
F. O fim da vida, 12: 1 a 7.
VIII. Epílogo. O que Deus espera da humanidade, 12: 8 a 14[8].
O livro começa com a expressão "Palavras de Qohélet, filho de David, rei de Jerusalém", geralmente considerada como título da obra. No contexto da literatura sapiencial do Médio Oriente, encontram-se obras semelhantes a este livro, tanto no Egito (o "Diálogo do Desesperado com a sua Alma", os "Cantos do Harpista") como na Mesopotâmia (especialmente o diálogo acróstico chamado "Teodiceia Babilónica").
NOME Etimologicamente, "Qohélet", parece ter conexão com o termo "Qahal", isto é, "assembleia". "Qohélet" designa um substantivo comum, aparecendo, por vezes, acompanhado de artigo. É alguém que tem a função de pregador ou de presidente da assembleia cultual. O texto grego traduziu o termo hebraico "Qohélet" por "Eclesiastes", que se transferiu para o latim e, depois, para as outras línguas. Daí o título do livro aparecer como ECLESIASTES, por influência grega e latina, ou como QOHÉLET, que é a tendência das traduções modernas, transliterando o hebraico.
Qohélet é identificado em 1,1 com o filho de David, rei de Jerusalém. Um
tal filho de David só poderia ser Salomão. Porém, um estudo sério, tanto
no plano da linguagem como no plano da doutrina, situa o livro num
período posterior ao regresso do Exílio e anterior à época dos Macabeus.
O facto de aludir ao rei Salomão, nada significa; atribuí-lo àquele
soberano não passa de uma ficção literária por parte de alguém que
procura um patrocínio de peso para as suas próprias reflexões.
Um estudo aprofundado sobre Eclesiastes
Introdução
Em nosso estudo do Eclesiastes, pretendemos fazer uma análise que parte de uma observação panorâmica e se aprofunda nos diversos temas do livro. Em alguns momentos faremos uma leitura que considera o ponto de vista do autor e vai um pouco além, utilizando, para isso, o conhecimento que nos oferece o contexto bíblico geral.
Classificação e características
Os livros do Velho Testamento se classificam como: livros da lei, livros históricos, poéticos e proféticos (maiores e menores). Entre os livros poéticos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares) encontram-se os sapienciais ou livros de sabedoria (Jó, Eclesiastes e Provérbios), os quais se caracterizam por apresentar reflexões, conselhos práticos e filosofia de vida. Seu objetivo é a transmissão da sabedoria de tal forma que a mesma venha preencher as lacunas porventura deixadas pelos códigos da lei.
Alguns trechos do Eclesiastes têm forma poética. São eles: 3.2-8; 7.1-14; 11.7 e 12.7. As demais passagens se apresentam em prosa.
Os escritos sapienciais não se restringem ao conteúdo de Jó, Provérbios e Eclesiastes. Antigas civilizações já utilizavam escrituras desse tipo, tais como a Suméria (3000 a.C.), Babilônia, Egito, Arábia, Pérsia, Edom e Fenícia. Mesmo se tratando das Sagradas Escrituras, a literatura sapiencial se apresenta também em outros textos fora dos livros poéticos. São parábolas, provérbios e metáforas como os que encontramos em Jz. 9.7-15; 14.12; I Sm.1.12; 18.7; II Sm.12.1-4.
Os livros bíblicos sapienciais se especializam em determinados temas. Jó se aplica à questão do sofrimento. O livro de Provérbios é dedicado à moral, enquanto que Eclesiastes apresenta a questão da felicidade humana.
Título do livro
O que é eclesiastes? pregador, aquele que fala a uma assembléia. Este termo tem origem grega, o que, a princípio pode parecer estranho, uma vez que o Velho Testamento foi escrito em hebraico. Tal ocorrência se justifica por uma herança da versão chamada Septuaginta. Esta foi uma tradução do Velho Testamento do hebraico para o grego. O título original era "Qoheleth", sendo traduzido para o termo grego "Eclesiastes", o qual foi mantido em nossas versões portuguesas. O mesmo ocorreu com outros livros da Bíblia, tais como Gênesis e Deuteronômio.
Autoria
Quem é o eclesiastes? Quem é este pregador? Os versículos encontrados em Ec.1.1; 1.12; 2.1-11 nos conduzem à pessoa de Salomão. Embora seu nome não seja mencionado em nenhum momento, os textos citados não deixam margem para que se pense em outra pessoa. Consideremos as afirmações de Ec.1.1 e 1.12: "Filho de Davi.... rei de Israel em Jerusalém..." O único homem que se enquadrou nesses termos foi o próprio Salomão pois, após a sua morte, nunca mais houve um rei de Israel em Jerusalém. O reino foi dividido e em Jerusalém se encontrava o rei de Judá. Os reis de Israel ficavam em Samaria.
Entretanto, os críticos apresentam as seguintes questões contra a autoria salomônica.
Questão 1 – Nas passagens de Ec.1.2 e 7.27 o escritor conjuga os verbos na terceira pessoa. Fala do pregador como sendo outro e não ele mesmo. Poder-se-ia admitir a hipótese de uma auto-apresentação em terceira pessoa. Contudo, esse tipo de conjugação aparece em 12.8 em um contexto mais complexo. A fala em terceira pessoa se apresenta como um aposto no meio de uma frase dita em primeira pessoa. Parece então bem claro que, de fato, o pregador e o escritor do livro de Eclesiastes são duas pessoas distintas. Tal evidência não constitui grande dificuldade, já que era bastante comum a existência de escribas que registravam as palavras ditadas pelos autores. O profeta Jeremias tinha a seu serviço Baruque, que escrevia suas profecias. Não é de se estranhar que um rei, como Salomão, tivesse ao seu dispor um ou vários escribas. No novo testamento, como exemplo de situação análoga, podemos citar as cartas de Paulo. Algumas vezes o apóstolo ditava e algum dos seus discípulos escrevia (Rm.16.22).
Questão 2 – O Eclesiastes apresenta passagens aparentemente contraditórias. Isto poderia indicar a obra de dois autores. Partindo dessa premissa, foram formuladas algumas hipóteses:
A) O Eclesiastes seria originalmente uma obra cética, a qual teria recebido adições posteriores. Foi a proposta dos teólogos A. H. McNeile (Inglaterra), G. A. Barton (USA) e E.Podechard (França), todos no século XX.
B) O livro teria sido obra de 9 pessoas: 7 autores e 2 editores. Foi a hipótese de D.C. SiegFried.
Essas especulações sobre possíveis retoques em uma obra cética original não resistem diante de algumas indagações: Se um editor tentou melhorar a obra por não concordar com ela, não seria mais prático eliminá-la? Seria bastante contraditório imaginar um judeu ortodoxo tentando melhorar uma obra cética ao invés de destruí-la. Se essas hipóteses de edições posteriores correspondessem à realidade, seria natural a existência de versões conflitantes do Eclesiastes. No entanto, não existem conflitos significativos entre os manuscritos conhecidos. As diferenças detectadas se encontram em detalhes mínimos tais como o uso de artigos e outras partículas.
O vocabulário e os conceitos unem as partes que muitas vezes são consideradas contraditórias, nos levando a crer que, embora contrastantes, as idéias partem da mesma pessoa.
Além dos indícios internos no livro, temos a favor da autoria de Salomão o testemunho dos seguintes rabis judeus: Meir Zlotowitz , em seu livro Megillas Koeles, e Nosson Schermann.
O mais importante de tudo isso é que a palavra de Deus prevalece independente do autor humano. Em outros livros, como Hebreus e Jó, a identificação do autor é ainda mais difícil, ou mesmo impossível. Contudo, sua mensagem nos é transmitida de forma poderosa e eficaz.
Data e idioma original
Entre os autores que consideram a autoria de Salomão, a data de escrita do Eclesiastes tem sido colocada próxima de 977 a.C.. Como é de se esperar, muitos críticos questionam essa datação. Ao se colocar em dúvida a data questiona-se novamente a autoria. Alguns querem localizar a origem do livro em período próximo ao terceiro século a.C.. Sendo assim, estão eliminando a figura de Salomão do contexto. Não se defende uma época mais recente, pois, entre os manuscritos do mar Morto, encontraram-se fragmentos do Eclesiastes, os quais são considerados como oriundos do século II a.C.
As dificuldades nesse ponto surgem quando se analisam as características idiomáticas do livro. No texto em hebraico encontram-se influências lingüísticas de diversos tipos, as quais se apresentam em formas pronominais, artigos, uso de consoantes como vogais, e outras partículas. Assim, tem-se no Eclesiastes um hebraico diferente daquele encontrado nos outros livros do Velho Testamento, até mesmo em Provérbios, o qual se atribui a Salomão. Para responder a essa questão surgiram as seguintes hipóteses:
1 - Para D.S. Margoliouth (1921), o Eclesiastes foi escrito em um tipo de "hebraico estrangeiro".
2 - F. Zimmermann sugere que o livro tenha sido escrito originalmente em aramaico e depois traduzido para o hebraico. Sua idéia é apoiada por C.C. Torrey (1948) e H.L. Ginsberg (1950).
3 - M.Dahood (1952) afirma que o idioma fenício foi usado no texto original.
A essas colocações, houve a reação de R.Gordis, o qual defende a tese da escrita em um "hebraico tardio", numa época em que a língua já havia incorporado termos e detalhes de outros idiomas.
Aramaísmos são comuns no hebraico a partir do séc.X a.C.. Contudo, maiores dificuldades surgem quando se encontram duas palavras do idioma persa no texto. O auge do Império Persa se estendeu de 549 até 331 a.C., muito fora, portanto, do período de vida de Salomão.
Influências fenícias são também encontradas em Jó, Salmos, Provérbios, Isaías, Ezequiel e Naum, o que não constitui evidência cabal de que tais escritos tenham sido elaborados originalmente no idioma fenício.
Como podemos conciliar todas essas informações e ainda manter a afirmação de que Salomão tenha escrito o livro de Eclesiastes? Se os críticos tivessem baseado suas teorias no estudo do manuscrito original do Eclesiastes, então a questão ficaria bem mais difícil. Contudo, sabemos que ninguém possui os textos originais. Assim, toda a análise se dá sobre versões posteriores, cópias, sendo que a mais antiga disponível data do século II a.C.
Desse modo, é natural que tais versões apresentem influências da época em que foram produzidas. Seria normal que o copista quisesse passar os ensinamentos na linguagem usual daqueles dias, o que poderia então ser chamado de "hebraico tardio", já influenciado por diversos idiomas. Tomemos como exemplo uma de nossas versões, a Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida, a qual utiliza a palavra "indústria" na passagem de Eclesiastes 9.10. É óbvio que tal anacronismo da tradução não nos leva a pensar que a obra original tenha sido produzida após a Revolução Industrial.
O próprio autor poderia ter mencionado a época e o local da produção de sua obra. Contudo, a ausência de tais informações acabam por reforçar o caráter universal do tema tratado pelo Eclesiastes, o qual não se restringe ao judaísmo e ao povo judeu, embora esteja a eles vinculado.
O Epicurismo
Alguns comentaristas afirmam que o Eclesiastes apresenta máximas do Epicurismo quando diz que o melhor para o homem é comer, beber e gozar do fruto do seu trabalho. O Epicurismo foi uma doutrina filosófica que se originou com Epícuro (342 a 270 a.C.), um filósofo grego. Suas principais idéias são:
1. Deísmo – É possível que Deus ou deuses existam, mas, se existirem, não estão se importando com os seres criados, não havendo de dar-lhes nenhuma recompensa ou castigo. Todo o conhecimento possível vem pelos sentidos físicos.
O bem é sinônimo de prazer físico e mental. Os seguidores de Epícuro acabaram por desprezar o prazer mental, dedicando-se exclusivamente aos prazeres do corpo. Não há vida após a morte.
Quando analisamos em conjunto os ensinamentos do epicurismo, concluímos que tal doutrina não se encontra nas páginas do Eclesiastes, uma vez que o autor fala de Deus de forma bem objetiva e atuante na vida humana, menciona a sabedoria que é dada por Deus, avisa sobre o juízo divino em relação às obras humanas. A própria vida após a morte fica subentendida na questão do juízo (12.14) e também na afirmação de que o espírito volta a Deus (12.7).
Canonicidade
O exame de partes isoladas do livro podem conduzir o leitor a ter dificuldades em relação à sua natureza canônica. Há quem veja na obra contradições, pessimismo, ceticismo e epicurismo. Porém, o Eclesiastes foi citado como canônico por Melito (Sardes) 170 d.C.; Orígenes (185-225); Epifânio (Sardes) (315-403 d.C.); Jerônimo (347-419) e diversos escritores judeus.
Soma-se a esses testemunhos a declaração interna do livro, que diz que suas palavras foram dadas pelo único Pastor. Em se tratando de um livro do Antigo Testamento, o seu reconhecimento por parte de Israel tem grande importância para nós. Além disso, há que se levar em conta o que foi dito pelos já citados "Pais da Igreja".
Salomão – Vida e obra
Devido à insustentabilidade das hipóteses contrárias, consideraremos Salomão como o autor do Eclesiastes. Seu nome significa "pacífico". De fato, a paz foi uma característica marcante do seu reino, que durou de 1015 a 975 a.C., de acordo com uma das datações mais aceitas. Salomão era filho do rei Davi com Bate-seba, a que fora mulher de Urias. O Senhor mandou que o profeta Natã lhe desse o nome de Jedidias (amado de Jeová). II Sm.12.24.
Salomão foi o rei mais rico, sábio e famoso que Israel teve (I Reis 4.21,29-34). Durante o seu reinado, Israel se tornou um grande império. Em seus dias, devido à paz dominante, houve grande desenvolvimento da nação em vários setores, incluindo o comércio e a produção literária. Contudo, o autoritarismo e os altos impostos também marcaram esse período.
Salomão escreveu Cantares, Provérbios, e Eclesiastes. Os salmos 72 e 127 também são atribuídos à sua autoria. (I Reis 9.20-21; 10.14-29). Há quem diga que o livro de Cantares tenha sido escrito no tempo da mocidade do rei; Provérbios seria obra dos tempos da maturidade e Eclesiastes seria a reflexão na velhice.
Apesar de toda a sua sabedoria, Salomão cometeu muitos erros. Enriqueceu-se muito às custas do sacrifício do povo, teve inúmeras mulheres, fez alianças políticas com homens ímpios e acabou se envolvendo com a idolatria. (I Rs. 11.1-12. Compare com Dt. 17.14–17).
Análise
Análise é um exame minucioso. Uma das providências que favorecem a análise é a decomposição do que se quer estudar. Por exemplo, ao se analisar a água torna-se necessário o exame e a compreensão de seus elementos básicos: o oxigênio e o hidrogênio. No estudo da língua portuguesa temos, por exemplo, a análise sintática e morfológica, nas quais as frases são divididas de tal forma que seus elementos sejam identificados e estudados isoladamente. Da mesma maneira, o nosso estudo partirá de uma visão panorâmica e se aprofundará num exame minucioso, cujo alcance ficará restrito aos mecanismos, métodos e instrumentos de estudo de que dispomos.
A análise do texto se fará através da observação e correlação:
Observação – Nesse ponto, minúcias do texto devem ser observadas, tais como classificação de palavras e a ocorrência de palavras-chaves. Dependendo do caso, pode-se perguntar como, o quê, onde, quando e por quê. Deve-se também investigar o significado dos vocábulos e tipo de emprego, se é figurado ou não. Nesse momento, é importante o uso de dicionário da língua portuguesa e dicionários bíblicos. É também desejável a disponibilidade de versões bíblicas diferentes.
Correlação – O texto examinado deverá ser, sempre que possível, correlacionado com outros versículos e capítulos do mesmo livro e com outros livros da Bíblia. É importante também que, se possível, o assunto seja confrontado com seu contexto histórico e social. Como se pode ver, alguns pontos da análise nem sempre são aplicáveis devido à falta de informações que muitas vezes se observa em relação a determinado livro ou determinada época.
O Resultado que se espera da análise é o entendimento, a interpretação. Existe muito que se pode extrair do texto bíblico através da análise. Contudo, acreditamos que existem mistérios nas Escrituras os quais só podem ser revelados pelo Espírito Santo. Pensemos, por exemplo, nas colocações que o apóstolo Paulo fez em relação a Sara e Hagar. Pelos métodos analíticos jamais chegaríamos a conclusões como aquelas, as quais não se encontram disponíveis no texto original, tratando-se de significado oculto pelo Senhor. Contudo, acreditamos que toda revelação deve ser coerente com a interpretação, sempre que esta for possível.
O Objetivo da análise é o conhecimento e a aplicação do mesmo.
Texto chave: 12.13: "De tudo quanto se tem ouvido o fim é: teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem".
Palavra chave: Vaidade (37x) - Qualidade do que é vão, fútil, inútil e de pouca duração.
Tema central e vocabulário em destaque
Tema central: A busca da felicidade no confronto entre a vida, a morte e a eternidade.
Todo livro sapiencial tem o objetivo de ensinar ou transmitir a sabedoria, a qual se apresenta como antídoto contra a tolice do ser humano. Observa-se no Eclesiastes o que poderíamos chamar de "tratamento de choque contra a tolice". O autor apresenta afirmações muito fortes e convida o leitor a encarar a realidade humana em face da morte.
A seguir, apresentamos de forma esquematizada alguns dos principais temas e conceitos do livro. Acrescentamos algumas expressões que não se encontram no Eclesiastes, mas se apresentam como instrumentos de análise.
O Eclesiastes destaca a supremacia de Deus, acima de tudo. Deus criou o homem (7.29) e deu ele o tempo (9.11). Esse tempo se divide em passado, presente e futuro. A administração temporal cabe, parcialmente ao homem, até o momento em que Deus lhe toma esse controle. Nesse tempo se situa a vida do homem. O seu desafio é descobrir o melhor a se fazer de modo a se aproveitar bem esse tempo (2.3). Salomão observou, experimentou e descreveu tudo o que o homem faz em seu tempo de vida. Em todo esse processo ele procurou descobrir o que traria ao homem maior satisfação, enfim, a felicidade. A palavra "Deus" aparece em 33 versículos do livro. "Tempo" aparece em 19 versículos. A palavra "homem" é mencionada em 47 versos. Essa freqüência nos faz notar a importância desses termos na análise existencial proposta pelo autor.
Salomão então cita as ocupações humanas, seus interesses e os alvos dos seus esforços no período chamado vida e localizado cosmicamente debaixo do sol ou debaixo do céu. Fala então de conhecimento, sabedoria, trabalho, dinheiro, bens, riqueza, comida, bebida, relacionamentos, alegria, prazer, pecado, sofrimento e religião. Tais assuntos ocorrem diversas vezes e se entrelaçam no decorrer dos capítulos de Eclesiastes. Colocados nessa ordem que escolhemos, percebemos que existe uma relação natural entre esses elementos, o que não significa a sua realidade plena na vida de todas as pessoas.
Assim, o conhecimento possibilita o trabalho, que, por sua vez trará o dinheiro. Este se incumbe de trazer os bens, a comida, a bebida e, eventualmente, a riqueza. Havendo suprimento das necessidades básicas, já podem ser assumidos relacionamentos, os quais são apresentados por Salomão como questão importante na vida humana. Tudo isso, em conjunto, deveria proporcionar o prazer e a alegria para o ser humano e muitas vezes proporciona de fato. Contudo, Salomão observa que o pecado e o sofrimento também fazem parte da vida humana.
O sofrimento surge de várias fontes. O próprio prazer, quando se torna escravidão, traz o sofrimento como conseqüência. E mesmo em suas formas mais legítimas, o prazer tem um fim e em seu lugar se instala novamente o sofrimento. Olhando pelo lado positivo, em algumas situações o sofrimento produz crescimento. Logo, sua completa supressão, se fosse possível, seria também prejudicial.
O pecado contamina a existência humana (9.18), que poderia ser tão maravilhosa. O sofrimento, como conseqüência do pecado, acaba também se tornando um dos motivos que conduzem o homem à prática religiosa. Ao falar da religião (5.1), o autor não a trata como fim em si mesma, como solução para os problemas observados. Até na casa de Deus encontra-se o tolo fazendo o seu sacrifício. Nota-se, portanto, a religiosidade humana contaminada pelo seu pecado.
Com todas as possibilidades de sofrimento, será que o homem poderá encontrar felicidade entregando-se à sua busca pelo prazer e pela alegria? Talvez fosse então aconselhável que o homem se dedicasse única e exclusivamente aos objetos do seu deleite: a comida, a bebida e os relacionamentos. A certa altura da sua exposição, Salomão nos indica esse caminho (2.24). Parece então que a busca excessiva pelos prazeres do corpo e pelas posses materiais possam constituir a justificativa suficiente para a vida humana. Em um primeiro momento, pensa-se na vida e em seus valores de forma positiva: construir muito, aproveitar tudo e possuir o máximo.
Depois de mencionar tantas coisas positivas da vida humana, Salomão coloca em destaque a morte. Esta surge então como uma ameaça contra todas as conquistas humanas e valores da vida. Diante dessa realidade, tudo passa a ser visto como coisa vã. Daí vem a máxima: "Tudo é vaidade." Tal afirmação indica que nada tem valor nem sentido. Tudo o que for conquistado será perdido. Tudo o que for aprendido será esquecido (9.5). Tudo o que se conseguiu ser será aniquilado. Esta parece ser uma conclusão desesperada de alguém que se depara com a morte.
Diante desse fato previsível e certo, todas as ocupações humanas, bem como suas conquistas, têm de ser reavaliadas. O tolo, "personagem" muito mencionado em Provérbios e Eclesiastes, vive o presente e ignora o futuro. Esta atitude pode afetá-lo de tal forma que venha a ser negligente em relação ao trabalho, aos estudos e aos projetos em geral. A sabedoria nos leva a considerar o futuro. Cabe lembrar aqui o que Cristo ensinou condenando a ansiedade pelo dia de amanhã (Mt.6.34), mas valorizando o planejamento (Lc.14.38-32).
Além do fato futuro da morte, devemos considerar também a eternidade que nos aguarda no futuro. Salomão faz então essas considerações. Muitas coisas que pareciam valer a pena, perdem seu valor quando confrontadas com a morte. Outras, se desvanecem quando confrontadas com a eternidade. Salomão toca nesse ponto quando fala do retorno do espírito para Deus (12.7) e também do futuro juízo divino sobre as obras humanas (12.14).
Eis então completo o plano de confronto: a vida, a morte e a eternidade. Para que se tenha então uma perspectiva correta da existência, deve-se considerar tudo isso. Diante do peso de tão grande ponderação, o autor tece suas conclusões, onde se destaca a necessidade que o homem tem de se lembrar do Criador e o seu dever de temê-lo e obedecer os seus mandamentos.
Vemos então que o Eclesiastes tem uma linha de desenvolvimento que vai do natural ao espiritual. A maior parte de suas colocações se refere ao que é terreno, o que está debaixo do sol. Dentro desse limite tudo é vaidade. Na busca pelo que atende ao corpo, tem-se como conseqüência a aflição do espírito. Contudo, o livro vai elevando sua análise rumo ao que é eterno. Ao tratar especificamente dessa parte, o autor já não diz que é vaidade. Não é vaidade lembrar do criador, temer e guardar os mandamentos.
A Preciosidade do tempo
O tempo se divide entre passado, presente e futuro, ou podemos vê-lo como o tempo da vida, o tempo da morte e a eternidade. Muitos problemas surgem pelo erro na administração do tempo. O foco exagerado em alguma dessas divisões pode trazer conseqüências prejudiciais. Quem vive de recordações não aproveita o presente. O mesmo acontece com quem é dominado pela ansiedade ou preocupação com o futuro. Perde-se então o hoje e antecipa-se o sofrimento de amanhã que, em muitos casos pode ser apenas uma ilusão que não irá se concretizar. Não se pode pensar apenas na vida como se a morte não existisse.
Também não é prudente o foco na morte a ponto de se perder a motivação pela vida. Outro extremo é a dedicação exclusiva às questões relativas à eternidade, tais como práticas espirituais ou religiosas, a tal ponto de se negligenciar o suprimento das necessidades naturais. Há necessidade de equilíbrio do foco no tempo. Qual é o ponto de equilíbrio? É uma questão a ser definida pela sabedoria.
O que acontece na maioria das vezes é que o homem fica preso no âmbito da vida, desconsidera a morte e a eternidade e poderá ser apanhado desprevenido pelos últimos tempos, sejam estes universais ou pessoais. Jesus alertou seus discípulos acerca dos "cuidados desta vida", que consistem no atendimento às necessidades e desejos humanos, mas que podem constituir laço caso se tornem tão prioritários que venham a tomar o lugar dos cuidados espirituais.
Assim, a busca do necessário pode se tornar prejudicial quando obscurece os valores eternos (Lc.21.34). Foi o que aconteceu nos dias de Noé: comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento. Noé entrou na arca e o povo não percebeu até que o dilúvio caiu sobre eles (Mt.24.38-39). O que importava era apenas o presente, apenas os interesses do corpo, apenas a vida em seu momento imediato.
Reflexão diante da morte
No capítulo 2 de Eclesiastes, está o relato das grandes conquistas, experiências e realizações de Salomão. Nesse processo, certamente há que se perceber o inegável prazer de todas aquelas aquisições, fartura e conforto. Entretanto, ao se confrontar com a realidade da morte, Salomão, num primeiro momento desvaloriza todas as coisas e afirma que tudo é vaidade (2.14-18). Ele chega a aborrecer todo o seu trabalho e até a própria vida. Percebe-se então a amargura do confronto com o fim inevitável da vida terrena. É um momento de choque. Sob esta perspectiva, tudo passa a ser visto de modo crítico e destrutivo. Já que iremos morrer, o que vale a pena ser vivido? A primeira resposta é: nada vale a pena. Tudo é vaidade. Tudo está condenado.
Mais adiante, o autor de Eclesiastes já não parece tão amargurado. Então, ele retoma a valorização de muitas coisas e fatos terrenos. Agora, porém, de modo mais comedido, moderado. Vamos jogar fora a vida por causa da morte? Vamos perder a vida antecipadamente abrindo mão de tudo que podemos usufruir? De modo nenhum. Afinal, se temos algo nesta vida, isto é dom de Deus e deve ser usufruído, mesmo sendo transitório (Ec.2.24; 5.19). Contudo, já não se observa todo aquele ímpeto de busca que se viu no capítulo 2.3-10. Vamos, sim, valorizar a comida, a bebida, o trabalho, os bens, mas sem os extremos anteriores, já que se tem em mente a morte como obstáculo intransponível e limite decisivo contra as grandes realizações do homem.
A realidade da morte deverá ser confrontada com nossos atos, atitudes, tratamentos interpessoais, sentimentos, etc., a fim de se determinar o que vale a pena e o que não vale.
Algumas coisas valem a pena por causa da vida em si: comer, beber, usufruir dos bens na companhia de quem se ama.
Considerando a questão da morte, constatamos que algumas coisas da vida deixam de valer a pena: Acúmulo de riquezas, excesso de trabalho, excesso de estudo, atitude de orgulho, etc. A morte coloca os seres humanos em condição de igualdade, anulando todos os privilégios naturais, diferenças culturais, econômicas, sociais, etc. "Como morre o sábio, morre o tolo." (Ec.2.16). Sendo assim, o orgulho, a soberba, e o tratamento de desprezo para com o próximo, são atitudes que não se justificam. Perdem totalmente o sentido quando se pensa na morte e seu significado.
A moderação torna-se palavra de ordem. Já que a morte é uma realidade, o mais sensato é que o homem adquira apenas o que puder usufruir. Até a sobra que se deixa como herança é vista negativamente por Salomão (2.21). Da mesma forma, o trabalho deve ser feito conforme as forças (9.10) e o estudo demasiado poderá se tornar apenas enfado (12.12). Contudo, tais palavras não devem ser usadas como justificativa para a preguiça e a negligência, pois a atitude passiva de cruzar os braços é própria do tolo (4.5). O que se busca em tudo isso é o equilíbrio, que será produto exclusivo da sabedoria. Moderação é prudência; Preguiça é tolice. Nosso desafio é sempre distinguir entre esses elementos nas mais diversas áreas da nossa vida.
Considerando a eternidade, cuja consciência foi gravada por Deus no coração humano (3.11), passamos a detectar outras coisas que deixam de valer a pena na vida: os excessos e o pecado, sendo que ambos estão muitas vezes relacionados. Por outro lado, o autor diz o que vale a pena em função da eternidade: lembrar do Criador, temê-lo e obedecer aos seus mandamentos.
Onde está o limite?
Esta é uma pergunta importante para que se saiba até onde ir nas buscas, conquistas e realizações. Contudo, uma pergunta sem resposta. Muitos limites estão estabelecidos pelas leis, mas estas não conseguem abranger a infinita variedade que envolve a ação humana e os detalhes da vida. E, mesmo nas situações previstas em lei, a variação de aspectos é tão grande e freqüente que justificam a presença dos intérpretes para definir a correta aplicação dos dispositivos legais. Desse modo, a sabedoria é superior à lei pois se aplica a toda e qualquer situação. Em cada instante, em cada caso específico, só a sabedoria poderá definir com precisão o limite para as ações humanas.
Por exemplo, vimos que o acúmulo de bens não se justifica diante da morte. Entretanto, qual é o limite para esse acúmulo? O que é riqueza? Não existe um parâmetro numérico definido para que se determine o que seja o ponto que separa a pobreza da riqueza. A dificuldade é tão grande que já se "criou" uma classe média entre as duas posições. E o problema não está resolvido. Sentiu-se então a necessidade de se dividir em classe média baixa e classe média alta. E onde está o ponto divisório entre ambas? Não se sabe. Portanto, está demonstrada a necessidade que cada um tem de possuir a sabedoria, de modo que possa definir em sua própria vida os limites para suas buscas, conquistas e realizações.
Visão cosmológica
Ao invés de ver positivamente o universo e seus fenômenos, o autor faz uma observação crítica de tudo isso, destacando a rotina da natureza, o que, a seu ver, é algo enfadonho e monótono.
Antropologia – (Antropos = homem) – Nessa parte, Salomão se dedica a descrever as experiências humanas, inclusive as suas próprias, buscando determinar o que possa ser melhor para o homem durante seu tempo de vida.
Crítica social I – Depois de analisar diversas questões do homem, o autor passa a abordar as relações humanas com o próximo (4.4), desde o simples companheirismo (4.10), passando pelos laços familiares (4.8,11) até às relações de autoridade. Salomão valoriza a convivência (4.9) mas destaca as ocorrências de impiedade (3.16), opressão (4.1), lágrimas (4.1), e inveja (4.4). Observa ainda a ausência do juízo (3.16) e do consolo para os oprimidos (4.1). Diante de tal quadro, chega a ver positivamente a morte como um tipo de livramento (4.2). Em meio a todos os problemas do convívio social, Salomão conclui que pior será a situação daquele que estiver só (4.8-11).
Crítica religiosa – Nessa parte é analisada a relação do homem com Deus. Até nesse momento é observada a tolice (5.1) e o erro humano (5.6). O que deveria ser puro e santo também corre o risco de contaminação pelo pecado. É o caso do sacrifício do tolo, sua precipitação diante de Deus e os votos não cumpridos.
Crítica social II – É bem comum no Eclesiastes o retorno aos assuntos já tratados. O autor volta então a observar as questões sociais. Vê a opressão e a violência no lugar da justiça. Contempla a riqueza e a pobreza, embora o proveito da terra deva ser para todos (5.9). Procura mostrar algo de bom na vida do pobre: seu sono tranqüilo (5.12) e apresenta aspectos negativos na vida do rico: sua insaciável busca pelo dinheiro (5.10), sua falta de tranqüilidade (5.12), a perda dos bens (5.14), e o caso do rico que não pode comer da sua fartura (6.2).
Ideologia
O autor apresenta idéias sobre a administração da vida, comparando coisas (7.27) e apontando qual é a melhor (7.1-3). A busca do equilíbrio é incentivada (7.14-17). A obediência à autoridade pública é aconselhada (8.2). A questão da aparente injustiça da vida é explorada (8.11). Novamente se retoma o tema da morte (8.8; 9.5) e das alegrias que podem ser alcançadas em vida (8.15).
Conclusões éticas
A ética envolve questões morais do comportamento, escolhas entre o bem e o mal. Depois de tantas análises da vida, o autor expõe suas conclusões. Novamente enfatiza o valor dos prazeres da vida (9.7-9) aliados a um trabalho sem excessos (9.10). Adverte contra os danos causados pelo pecado e valoriza a sabedoria (9.18). Faz então uma série de advertências em forma de provérbios (10). Finaliza com incentivo ao gozo da vida, mas lembra a prestação de contas (11.9). Termina essa parte incentivando o jovem a lembrar-se do Criador antes que venham a velhice e a morte e o juízo (12.1-7,14).
O bem e o mal
O autor de Eclesiastes tem uma grande preocupação em relação ao bem e ao mal. Verificamos isso ao buscar no texto essas palavras e suas derivadas. O mal vai sendo detectado em quase tudo, a começar do coração humano. Mas nem tudo está perdido. Salomão identifica o bem em muitos aspectos da vida. Cabe a cada um a escolha.
O autor se aplica a comparar várias coisas em busca do que é melhor. Chega ao ponto de mencionar a excelência da sabedoria. Nosso desafio é evitar o mal, buscar o bem, alcançar o melhor e o excelente.
Vejamos as ocorrências dos termos relacionados ao assunto:
Mal - 5.1,13,14,16; 6.1-3; 8.5-6; 9.3; 10.5; 11.2,10.
Maldade - 7.15; 9.3.
Maltratado - 10.9.
Amaldiçoar - 7.21-22; 10.20.
Mau - 9.2; 10.1; 12.1; 9.12.
Má - 4.3; 8.3; 8.11-12.
Bem - 2.24; 3.12,13; 4.8; 6.6; 7.14,20; 8.12,13.
Bom - 2.26; 6.12; 7.18; 7.26; 9.2; 9.7.
Boa - 5.18; 7.11; 11.6.
Melhor 2.3; 2.24; 3.12; 3.22; 4.3,6,9,13; 5.5; 6.3,9; 7.1,2,3,5,8,10; 8.15; 9.4; 9.16; 9.18.
Excelente - 2.13; 7.12.
Vejamos também alguns texto fora do Eclesiastes que mencionam o termo "excelente": Pv.8.6; Ec.2.13; Ct.4.16; Rm.2.18; Fil.1.10; I Cor. 12.31. Não se acomode no nível do que é bom.
Algumas considerações:
A) 5.1 – "... pois não sabem que fazem mal." Um dos fatores que catalisam o crescimento do mal é a ignorância. A bíblia nos foi dada para que possamos adquirir o conhecimento necessário para se identificar o mal em suas diversas formas afim de que o evitemos.
B) Ao mencionar o mal Salomão não falou sobre Satanás. Sua ação no Velho Testamento não era bem identificada. Por exemplo, no livro de Jó: Depois que Satanás destruiu tudo o que aquele homem possuía, sua conclusão foi: "Deus deu, Deus tomou." Ele atribuía tudo a Deus. Isso não está absolutamente errado, já que Deus tem o controle final de todas as coisas. Porém, Jó não percebeu a mão de Satanás nesse processo.
C) O que é bom torna-se mau quando passa a ocupar o lugar de Deus em nossas vidas (idolatria), (amor ao dinheiro 5.10); quando ocupa o lugar da espiritualidade (exemplo: trabalho no lugar do culto). A serpente de bronze que Moisés fez tornou-se um ídolo e precisou ser destruída (II Rs.18.4). Muitas coisas tornam-se más quando são feitas no tempo errado ou da maneira errada.
Exemplo: arrancar uma planta que não cresceu ou colher um fruto que não amadureceu. Ec.10.16-17 (tempo e modo) 8.6. O modo de se fazer as coisas é, em muitos casos, o fator diferenciador entre o sucesso e o fracasso. Muitas pessoas falam verdades de modo ofensivo e depois se justificam dizendo que são "francas". São palavras certas ditas da maneira errada. Assim, palavras boas surtem um efeito mau.
D) Tudo é bom enquanto for justo, enquanto não for vergonhoso. (A própria consciência identifica isso com alguma eficiência. O problema é que a consciência pode ser condicionada e se tornar ineficiente.) Tudo é bom enquanto não causar escândalo. Vejamos uma lista de considerações pertinentes a essa questão em Filipenses 4.8.
Desejo x cobiça
A preocupação ética do Eclesiastes poderia ser resumida em se buscar o bem e evitar o mal. Porém, a definição do limite entre esses elementos nem sempre é fácil. Como foi observado por Salomão, o homem precisa de comida, bebida, trabalho, dinheiro, relacionamentos, alegria, prazer, etc. Em suas buscas, conquistas e realizações, o ser humano vai avançando numa direção que passa pelos domínios do bem e pode acabar alcançando o espaço do mal. Mas como se identifica a linha divisória entre as duas coisas? Podemos ver também nesse movimento uma passagem pelos domínios da sabedoria, da tolice e da loucura.
Para ilustrar, vamos pensar na velocidade desenvolvida por um automóvel. Só para termos uma idéia, consideremos que até aos 80 quilômetros por hora estaríamos nos limites da sabedoria. Atingindo os 120, isso seria tolice. Ao chegarmos aos 180, teríamos alcançado a loucura. Assim acontece em várias ações humanas. Contudo, não existe um velocímetro na vida para determinar em que ponto estamos. A lei determina alguns limites, mas não todos, principalmente para coisas que são boas e aparentemente inofensivas. Uma faca não é boa nem má, mas o seu uso vai determinar essa característica. Desse modo, muitas coisas boas podem se tornar más devido a vários fatores. Em I Coríntios 10, Paulo fala que os judeus "cobiçaram as coisas más". Que coisas eram essas? Comida, bebida e diversão. Isso não é originalmente mau. A maldade está então na cobiça (Ec.6.7). Se alcançamos algo bom motivados pela cobiça, então isso se torna mau.
O homem desvia sua necessidade psicológica e espiritual para o físico, criando falsas necessidades. Por exemplo, muitas pessoas com ansiedade, desviam seu problema para uma ilusória necessidade de alimentação. A infelicidade ou sentimento de insatisfação pode ser erroneamente identificado como falta de alguma coisa material, quando, na realidade o que está faltando é algo espiritual.
O risco e a inutilidade do excesso – A importância do equilíbrio
O excesso é uma das origens do mal em muitas de suas manifestações. Em diversos textos, o autor de Eclesiastes menciona o excesso.
Onde está o limite entre o suprimento, o conforto e o exagero?
Algumas vezes, o exagero de alguém causa necessidade para outro. Por exemplo, enquanto uma pessoa possui muitos hectares de terra, outra não tem sequer um lote.
Vejamos os versículos de Eclesiastes que se referem ao excesso ou grande quantidade de qualquer coisa:
1.18 (sabedoria, trabalho) 4.8 (trabalho, riqueza) 5.2-3 (palavras) 5.7 (sonhos) 5.11 (bens) 5.12 (comida) 6.3 (filhos) 6.3,6 (tempo de vida) 7.16-17 (justiça, sabedoria, impiedade) (extremos) 10.17 (comida e bebida).
A busca excessiva de Salomão.
2.5 - Toda a espécie 2.7 - grande possessão - mais do que todos 2.8 - amontoei - de toda sorte
2.9 - engrandeci-me e aumentei mais do que todos. 10 - tudo.
Seria interessante ler outras palavras de Salomão sobre o excesso em Provérbios: 24.13-14; 25.16.
O homem quer mais do que lhe é dado. Adão e Eva podiam comer de quase todos os frutos disponíveis, mas quiseram até mesmo aquele que tinha sido proibido.
A felicidade não está no excesso. Depois de buscar tudo ao máximo, Salomão encontrou novamente a vaidade e a aflição de espírito.
O excesso daquilo que você quer trará também o excesso daquilo que você não quer (1.18). Muito conhecimento poderá trazer muito trabalho. Este, por sua vez, pode até não trazer excesso de dinheiro. Se trouxer, este virá acompanhado de muitas perturbações que só o rico conhece. "Onde se multiplicam os bens, multiplicam-se também os que deles comem" (5.11).
Salomão apresenta os riscos do excesso e sua inutilidade. Algumas vezes pode ser perigoso, outras, inútil. Ele não proíbe o excesso. Proibir é próprio da lei e não da sabedoria. A sabedoria orienta ao cuidado. Muitos excessos são lícitos, ou seja, não são proibidos. Contudo, podem não ser convenientes. Cabe a cada um julgar com sabedoria cada situação. Isso é bem do estilo no tempo da graça. Não é proibido comer carne de porco, mas convém? Até que ponto? I Cor.10.23.
Vejamos uma linha de conquista progressiva, onde a primeira posição corresponde ao mínimo necessário para o suprimento da necessidade. Em um segundo momento, existe algum excesso. Podemos ver nisso, não um exagero, mas uma posição de conforto. O excesso não será negativo nesse ponto. A posse material, por exemplo, em níveis ainda maiores pode se tornar inútil ou até mesmo arriscada.
Ao pensarmos em dinheiro, verificamos sua necessidade e utilidade (7.12). É bom que o tenhamos em quantidade superior à necessária. Isso seria confortável. Se possuirmos muito mais do que precisamos, então não seremos capazes de usufruir de tudo. Se atingimos o que se considera acúmulo de riqueza, então podemos perder a tranqüilidade e a liberdade. Muitos chegaram a esse nível e vivem se escondendo com medo de roubos e seqüestros.
Evidências do judaísmo em Eclesiastes, enfoques teológicos e vínculos bíblicos
A aparente separação do Eclesiastes em relação ao contexto bíblico se desfaz pelos seguintes elementos:
Referência a Davi (1.1), Jerusalém (1.1,12 2.9), Israel (1.12), Casa de Deus - templo (5.1), sacrifícios (5.1), votos (5.4), anjo (5.6), mandamentos - lei (12.13). Imortalidade da alma/espírito (3.19-21 12.7), Deus (5.1) (Elohim 33 vers.), pecado (2.26), juízo (12.14).
- O teocentrismo de eclesiastes, abordando os vários aspectos das relações divinas com o homem:
Deus criador (12.1) - doador (2.24,26 5.18,19) - orientador (soberania) (9.1) - único Pastor (12.11), legislador - 12.13), Juiz (11.9 12.14 3.17).
- O pecado como causa da desgraça humana - 7.25-26 8.3,13 9.18
- O juízo – No tempo presente, na vida terrena, o justo e o ímpio passam pelas mesmas coisas. Aparentemente se observa injustiça. Salomão viu isso e se sentiu incomodado (2.14-16; 8.10-14; 9.1-3). Deus ama a todos e a todos oferece a oportunidade. Por isso, o juízo não se executa logo. Contudo, Salomão afirma que o julgamento vem e Deus o executará (11.9; 12.14; 3.17).
- Ligações com Gênesis - Pecado - 2.26 Trabalho - 1.13 Morte - 12.7 3.19-21
- Ligação com Apocalipse - Juízo (11.9 12.14) - A eterna morada do homem (12.5).
- Semelhança com Jó 3 - Ec.4.1-3 6.2-6
- Semelhança com Provérbios - Ec.10; 12.9
Referências a Deus
As referências a Deus no livro fazem com que o mesmo possa ser considerado teocêntrico, ao contrário do que sugerem alguns críticos negativos. Eclesiastes apresenta Deus como criador, doador, orientador, legislador e juiz. Tudo isso está totalmente coerente com o contexto bíblico geral.
Em nossa leitura, notamos que os verbos associados à pessoa de Deus chamam a atenção por seu sentido e pela freqüência com que se repetem. Entre eles destacam-se os verbos "fazer", "dar" e "julgar", os quais reforçam a tese de que o autor apresenta Deus como criador, doador e juiz. Deus criou todas as coisas e deu muitas delas ao homem. Tudo foi feito perfeito (Ec.7.29) e formoso (Ec.3.11). Contudo, o homem corrompe a criação e também a si mesmo. De tudo isso, Deus pedirá contas ao homem no juízo (3.15,17; 11.9).
Deus Criador
Ec.3.11 – Deus fez tudo formoso em seu tempo. Deus faz uma obra oculta.
Ec.3.14 – O que Deus fez durará eternamente.
Ec.7.14 – Deus fez o dia da prosperidade e o dia mau. Não podemos ter uma visão parcial, como se as adversidades estivessem fora dos planos de Deus.
Ec.8.17 – Obra de Deus.
Ec.11.5 – Obra de Deus.
Ec.12.1 – Lembra-te do teu Criador.
Deus como doador
Ec.1.13 – Deus dá o trabalho ao homem.
Ec.2.24 – Deus dá oportunidade para que o homem usufrua do fruto do seu trabalho.
Ec.2.26 – Deus dá ao homem sabedoria, conhecimento, alegria e trabalho.
Ec.3.10 – Deus dá o trabalho ao homem.
Ec.3.12-13 – Deus dá oportunidade para que o homem usufrua do fruto do seu trabalho.
Ec.5.18 – Deus dá ao homem o tempo de vida.
Ec.6.2 – A alguns, Deus deu riquezas. Dentre esses, alguns não receberam a condição de uso das mesmas.
Ec.8.15 – Deus nos dá a vida.
Deus como juiz
Ec.3.15 – Deus pede contas do que passou.
Ec.3.17 – Deus julgará o justo e o ímpio suprindo a falta da justiça humana (v.16).
Ec.11.9; 12.14
Depois de receber tantos dons, o que o homem faz? Se esquece de Deus. Por isso, o autor de Eclesiastes diz: "Lembra-te do teu Criador.." (Ec.12.1). E quando se lembra, o homem continua sua trajetória de erros. Em seu esforço religioso, oferece o "sacrifício de tolos" (Ec.5.1). Faz votos e muitas vezes deixa de cumpri-los (Ec.5.4-6). O autor reforça o dever humano para com Deus: temer ao Senhor (Ec.5.7; 7.18; 8.12,13;) e obedecer aos seus mandamentos (Ec.12.13). Este é o nosso dever, sempre atentos ao que agrada ao Senhor (Ec.5.4; 9.7; 7.26), pois estamos todos em suas mãos. (Ec.9.1).
A Casa de Deus (Ec.5.1)
O livro enfatiza bastante a atividade humana. Em meio a tudo isso, faz-se referência à casa de Deus, na qual o homem deve "guardar o seu pé." A casa de Deus é um lugar onde o homem deveria parar sua atividade e ouvir a voz de Deus. "Inclina-te mais a ouvir..."
Nota-se nessa ordem a importância da palavra de Deus, a qual deve ser ouvida pelo homem. Precisamos ter cuidado para que o excesso de atividade humana não venha ocupar o lugar da palavra de Deus em nossas igrejas e em nossas vidas. "Inclina-te mais a ouvir..."
Não basta "escutar" a palavra de Deus. O verbo "ouvir" pressupõe "atender", "obedecer". A obediência inclui atividade, mas agora tem-se uma ação divinamente orientada.
O autor nos alerta contra a religiosidade fútil diante do verdadeiro Deus. Assim, o servo de Deus estaria fazendo tolices como fazem aqueles que não conhecem o Senhor. Este é o caso de se fazer muita coisa para Deus e deixar de fazer exatamente o que ele mandou que fizéssemos.
O versículo 2 do capítulo 5 nos traz uma expressão ainda mais íntima. Agora o homem está "diante de Deus". Nesse momento, o homem tem a tendência de falar muito e falar errado. O autor condena essa precipitação e abundância de palavras (Ec.5.2-3). Está em pauta a questão da oração. Quando oramos de forma impensada, corremos o risco de falar tolices, inclusive fazendo votos que não poderemos cumprir (Ec.5.4-6). Isso ocorre, principalmente, quando se tem um tempo de oração a observar.
Muitas vezes, o assunto já terminou mas ainda há tempo para orar. Então começamos a encher o tempo com palavras vazias e repetitivas (Mt.6.7). Seria melhor então que dedicássemos esse tempo para ouvir o Senhor através da sua palavra. Quando orarmos, precisamos de objetividade. Isto será melhor que a excessiva quantidade de palavras. Precisamos ter em claro em nossa mente o objetivo da nossa oração.
Como disse Oséias: "Tomai convosco palavras e voltai para o Senhor. Dizei-lhe: Perdoa toda a iniqüidade." (Os.14.2). Pelo quê vamos orar? Não devemos começar a falar ou cantar de modo irrefletido e irresponsável. Tendo objetivos claros, poderemos nos lembrar deles e esperar conscientemente a resposta de Deus. Veja a objetividade do salmista que diz: "Uma coisa pedi ao Senhor e a buscarei: que eu possa habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor e aprender no seu templo." (Salmo 27.4).
No mesmo versículo em que diz que o homem está "diante de Deus", o autor completa dizendo que o homem está na terra e que Deus está nos céus. Pode parecer uma contradição. Contudo, acho mais coerente ver nesse texto não uma idéia de distância geográfica, mas de duas realidades diferentes, dois níveis distintos. A realidade divina é representada pela palavra céu. A realidade humana é terra.
Muitas vezes, nossas orações são erradas porque não compreendemos a ação divina. Queremos interpretá-lo sob a ótica terrena. Nós vemos as obras de Deus, não as compreendemos, mas queremos julgá-las. Então nos precipitamos com nossa boca e falamos de modo errado diante de Deus. Isso pode ser nossa reclamação, nossa murmuração, que também é um tipo de oração negativa. Deus está no céu. O Seu propósito é superior. Sua vontade é suprema. Vamos então nos inclinar para ouvir e aprender com Ele.
Ao dizer que "Deus está nos céus e tu estás sobre a terra", é como se o autor estivesse exortando o leitor a "se colocar no seu lugar". O adorador que chega para cultuar a Deus, não está em posição de determinar o que Deus deva fazer, nem a ele cabe o questionamento das obras divinas, nem tampouco a revolta ou rejeição contra os desígnios do Senhor. Se assim for, não é adoração que veio prestar.
No versículo 4, encontramos a afirmação de que "Deus não se agrada de tolos." O culto tem o objetivo de agradar a Deus. Afinal, para quem é o culto? Para Deus ou para os que cultuam? Se o culto estiver voltado para o homem, então este se tornou o seu próprio deus. Se o objetivo da nossa pregação e do evangelho que anunciamos for para agradar aos homens, então não somos servos de Cristo (Gálatas 1.10).
O homem
Todo o livro de Eclesiastes se relaciona ao ser humano. Evidentemente, foi escrito para o homem, avalia a vida humana, as relações humanas e a relação entre o homem e Deus.
Muitas vezes o autor menciona "o homem". Tal referência é um tratamento genérico, ou seja, refere-se a qualquer ser humano, seja homem ou mulher, independente de qualquer distinção. Temos nesse detalhe uma evidência do caráter universal de Eclesiastes. Sua mensagem se dirige a todos os homens (12.13), e não apenas aos judeus, como seria natural em se tratando de um escrito do Velho Testamento. Logo, esse livro apresenta uma característica avançada para o seu contexto, não se restringindo pelo nacionalismo ou exclusivismo judaico.
Em outros momentos, a expressão "o homem" ganha um complemento. Por exemplo: "O homem que é bom" (2.26). O termo "que" determina um tipo específico de homem, ou simplesmente o homem genérico em situações específicas.
"O homem" - genérico - caráter universal de Eclesiastes (1.3; 2.3; 6.10; 7.2; 8.8; 12.13)
"O homem que... " - específico - 2.12,26 etc
PROGRESSÃO DA ANÁLISE DO AUTOR SOBRE O HOMEM
Capítulo 1 - Salomão vê o universo.
Capítulo 2 - Salomão vê a si mesmo, fala consigo mesmo, fala de si mesmo e de seus interesses, conquistas, construções e decepções. Nesse capítulo, os pronomes e verbos se referem quase que exclusivamente à primeira pessoa do singular: Vejamos os números de acordo com a versão bíblica de Thompson: Nos primeiros 20 versículos do capítulo 2 o pronome "eu" aparece 5 vezes; "meu" 11 vezes; "minha" 5 vezes; "me" 7 vezes; "mim" 5 vezes, "comigo" 1 vez, e 44 verbos referentes ao próprio autor, incluindo conjugações em primeira pessoa e os gerúndios, particípios e infinitivos relacionados. Existem ainda alguns verbos em terceira pessoa mas usados pelo autor para se referir ao seu próprio coração, seus olhos e suas mãos. Nesses mesmos versículos existem poucas referências genéricas ao homem e algumas mais específicas, que se referem aos servos e servas do autor. Em resumo, Salomão está analisando sua própria vida para tirar conclusões aplicáveis a todos os homens.
A partir do versículo 21 do capítulo 2, o autor vê os outros homens, suas atividades e relações mútuas.
AS RELAÇÕES HUMANAS
Observando as relações humanas, o autor vai especificando o papel ou posição do homem dentro da relação ou fora dela. Surgem então as seguintes referências:
- O próximo (ou estranho) – mostra contato casual, sem compromisso, sem amizade, sem parentesco – (4.4; 6.2).
- O companheiro – o amigo (4.10).
- Mulher, filho, irmão, parente - relação conjugal e familiar – (4.7-12; 6.3; 7.26; 9.9; 11.5)
- Relação social – (4.1; 5.8; 8.2).
Como disse Deus, "não é bom que o homem esteja só". Assim, ele se aproxima do outro tornando-se "próximo". Havendo uma relação amistosa e cooperativa, tornam-se "companheiros". A próxima fase é a relação conjugal e familiar, que não deve suprimir o companheirismo da fase anterior, ou não deveria suprimir. Da família surge a sociedade. Salomão contempla o quadro social de sua época com as diferenças de classes e relações sociais diversas. Em meio a tudo isso, o autor avalia também as relações do homem com Deus, como são e como deveriam ser (cap.5 e 12).
RELAÇÕES E POSIÇÕES SOCIAIS
Como vimos, muitas vezes o autor de Eclesiastes se refere ao homem de forma genérica e, às vezes, de forma específica. Tais tratamentos evidenciam as igualdades e as diferenças humanas. Em alguns momentos o homem quer ser igual ao outro homem. Em outro instante, quer ser diferente. Por exemplo, se o homem quer entrar em um grupo, então procura ser igual aos demais, assumindo valores e padrões de identificação do grupo, afim de ser aceito. Quer ser normal, de acordo com as normas do grupo. Depois que sua admissão está consumada, o homem procura ser diferente para obter destaque. Busca então a individualidade. Em última análise, o homem não quer ser genérico, comum. Quer ser específico, especial, diferente. Por isso, sempre deseja posições, adjetivos e títulos que o façam diferente e, de preferência, superior ao seu próximo (Ec.1.16; 2.7,9). No arranjo social humano, Salomão observou que o homem genérico assumiu ou recebeu posições diferenciadas.
O homem comum (genérico) herda posições e títulos (10.16; 2.7) - adquire (disputa) posições, títulos e adjetivos. Acaba ganhando outros adjetivos, alguns até indesejáveis e talvez merecidos. O fato é que estamos sempre sendo julgados, sentenciados e rotulados pelos que nos observam.
Selecionando alguns adjetivos: rico, pobre, justo, ímpio, sábio, tolo, opressor e oprimido, fizemos o esquema acima, apresentando as combinações que julgamos possíveis (3.17; 4.1; 5.8; 5.12; 7.7). Algumas delas podem ser vistas no Eclesiastes. Nosso objetivo é perceber a análise social que Salomão fez. Ele observa tais características do ser humano e algumas combinações entre elas. Em 4.13, menciona-se um "jovem pobre sábio" e um "rico velho tolo". Jovens e velhos podem ser encontrados em qualquer das posições acima descritas. Estão em confronto posicões sociais e condições morais. Precisamos examinar essas combinações, de modo que venhamos a perceber o valor de cada característica. Somos convidados a avaliar a pior e a melhor combinação. Salomão fez esse tipo de exame e concluiu: "Melhor é o jovem pobre e sábio." Destaca-se nessa frase o valor da sabedoria.
Algumas combinações são desconcertantes. Em 9.11-18 temos um "sábio pobre oprimido". Com isso, o autor mostra que não existe uma relação lógica e natural entre sabedoria e riqueza, ou entre justiça e riqueza, ou entre idade avançada e sabedoria. Ter um "jovem sábio" (Sal.119.100) ou um "sábio oprimido" (7.7; 10.5-7) não parece ser algo natural. Contudo, a bíblia vem nos mostrar essas realidades. O próprio autor de Eclesiastes parece um pouco surpreso com tais observações. Ele fica admirado ao constatar que não é dos sábios o pão, nem dos prudentes a riqueza (9.11). Algumas expectativas acabam não se cumprindo. Como poderíamos então falar da riqueza como algo ligado necessariamente à vida do servo de Deus? Parece que esse tipo de associação não tem respaldo bíblico.
É possível que uma pessoa se desloque entre os níveis morais e sociais apresentados. Deus nos dá tempo e oportunidade para descer ou subir. Descer é sermpe mais fácil. O rico pode perder sua riqueza por qualquer má aventura (5.14). Para o pobre tornar-se rico é bem mais difícil. Já nascemos em uma posição social definida. Temos sobre nós o peso da herança. O livro fala sobre "o que nasceu pobre", o "servo nascido em casa" (4.14; 2.7) e também sobre um rei que é criança, ou seja, nasceu rico (10.16). Contudo, aquele "que nasceu pobre" tornou-se rei. Saiu do cárcere para reinar (4.14). O autor mostra a mudança de posição social. Vemos aí a possibilidade que, estando nos propósitos divinos, torna-se realidade. Tal referência nos faz lembrar a história de José do Egito, que saiu do cárcere para governar.
O homem se ilude com sua posição e passa a desprezar ou até a oprimir aquele que lhe parece inferior. Salomão examina tudo isso e chega a mostrar os riscos da riqueza e e os prazeres do pobre (5.12-20).
Em todo esse quadro de situações e posições, o que importa de fato é a questão moral ou espiritual do homem. Muitas vezes nos deixamos levar pela questão de riqueza e pobreza como se isso fosse o mais importante. Muito mais significativo é o peso da justiça, da impiedade, da sabedoria e da tolice.
O homem se ilude com sua posição social, mas precisa se conscientizar de sua real condição para viver bem com Deus e com o próximo. Por isso, o autor compara o homem com os animais. Tenta, assim, mostrar a igualdade humana, a despeito da aparente diferença (3.18-20; 5.15.)
Diante de tantos adjetivos, destacam-se: "vivos" e "mortos" como o melhor e o pior adjetivo, já que enquanto há vida há esperança de melhora em todos os aspectos (9.1-5). A morte vem mostrar a igualdade humana. Do pó para o pó. A desigualdade da vida se desfaz no pó da morte (Jó 3.11-22). Contudo, o Eclesiastes fala do juízo. Então, a desigualdade volta à pauta. Não uma desigualdade social, mas uma desigualdade espiritual e eterna em consequência da desigualdade moral em vida (Dn.12.2). Lembre-se da história do rico e do Lázaro, sua desigualdade social em vida e sua desigualdade espiritual pós-túmulo.
TIPOS DE RELAÇÕES SOCIAIS OBSERVADAS PELO ECLESIASTES
Serviço (Serviço + propriedade = escravidão) - 2.7-8
Governo - 8.2-4
Domínio - 8.9
Opressão - 4.1 = (Governo + opressão = Ditadura)
Família (2.18,21,26)
Contato físico (3.5)
Exploração (6.2)
Pranto pelo morto - 12.5
Esquecimento - 2.16
O autor fala sobre um aspecto ideal para as relações humanas: a ajuda e o consolo ao próximo. Contudo, nesses casos, ele aconselha mas não viu nenhum exemplo para mencionar. (11.1-3; 4.1). Observam-se no texto referências aos erros e conflitos que ocorrem nas relações humanas em todos os níveis (4.1,4; 5.8; 7.21,22,26; 10.4-5,20; 7.7; 9.14). Contudo, os relacionamentos humanos corretos são apresentados como necessários e fundamentais (4.8-12; 9.9). Se tudo isso pode trazer problemas, a ausência das relações pode ser ainda um problema pior. "Ai do que estiver só..." (4.10).
CARACTERIZAÇÃO HUMANA NO ECLESIASTES
O substantivo comum "homem" é alterado por adjetivos, advérbios, predicados, predicativos ou trocado por outro substantivo ao qual acrescentam-se novos adjetivos. Desse modo, caracterizamos as pessoas.
Exemplos:
Homem
Homem que trabalha
Homem trabalhador
Profissional
Bom profissional
Péssimo profissional
Homem
Homem que não trabalha
Homem preguiçoso
Malandro
Malandro perigoso
Malandro muito perigoso.
Note-se a evolução da caracterização humana. Estamos sempre conquistando ou ganhando adjetivos e substantivos. Exemplos em Eclesiastes.
Homem (genérico) (6.3)
Homem que seguir o rei (2.12).
Homem pobre (9.15)
Pecador (2.26)
Grande rei (9.14)
Tais terminologias podem parecer muito semelhantes em sua função caracterizadora do ser humano. Contudo, quando usamos a preposição "que" estamos, normalmente, falando de uma ação eventual. Uma coisa é falar de um "homem que faz o bem". Outra coisa é chamá-lo de "bom". Somente uma prática constante pode dar ao homem o adjetivo correspondente à sua ação. Seria correto dizer que o "homem que segue o rei" é um seguidor? Só diríamos isso se soubéssemos que existe a prática constante de seguir o rei. Poderíamos chamá-lo de "discípulo"? Só se soubéssemos que existe entre ambos um compromisso. Uma coisa é se referir a alguém como "um homem que escreve". Outra coisa é chamá-lo de "escritor", "escriba" ou "escrivão". Então, para cada tipo de ação ou situação usamos um tipo de caracterização que, embora seja semelhante, contém sentido bem diverso. Os adjetivos negativos, entretanto, são adquiridos com mais facilidade. Por exemplo, "o homem que" roubar uma única vez já ganhará o nome de "ladrão", do qual dificilmente se desvencilhará no futuro
SITUAÇÕES, AÇÕES, POSIÇÕES, E TÍTULOS
Somos caracterizados em função de situações em que nos encontramos, ou devido às nossas ações, ou por causa das posições que ocupamos. Sempre gostamos de ganhar adjetivos. Ser chamado de "homem" não chega a ser, normalmente, um elogio ou um insulto, mas ser chamado de "homem forte" já é algo totalmente diferente. Veja como o adjetivo muda completamente a imagem da pessoa, mesmo que isso seja uma ilusão. Entretanto, os adjetivos não chegam a ser satisfatórios para o ser humano. O homem quer possuir títulos honrosos. Poderíamos falar de alguém como "um homem que governa". Isso é pouco. É uma designação fraca. Então podemos acrescentar-lhe um adjetivo: "homem governador". Daí, como acontece com muitos adjetivos, o "governador" se torna substantivo. Substantivo é nome. Então, já não chamamos habitualmente tal homem pelo seu nome próprio, mas pelo título recebido. Contudo, o homem quer títulos mais pomposos. Então o governador ganha título de "rei", "presidente", etc.
Saindo um pouco do nosso livro-tema, vejamos no evangelho de João, capítulo 1 (19 a 28), a valorização humana pelos títulos. O texto fala de sacerdotes e levitas (note os títulos) que foram entrevistar João Batista e lhe perguntaram: "Quem és tu? És Elias? És profeta? Quem és? Que dizes de ti mesmo?" Após dizer várias vezes "não sou", João se identificou como "a voz que clama no deserto". Ele poderia ter se apresentado como levita, já que era da tribo de Levi, ou pelo menos como filho do sacerdote Zacarias. Poderia dizer que era profeta e não estaria mentindo. Contudo, João não aceitou títulos. Aqueles judeus queriam saber qual era a posição social e religiosa de João. A posição era importantíssima para eles, como, muitas vezes é para nós. Contudo, João não disse quem ele era mas sim o que ele estava fazendo: "Eu sou a voz que clama...". O mais importante não é o título que temos mas o trabalho que estamos executando. Acontece, em muitos casos, o contrário. Muitas pessoas têm títulos mas não fazem aquilo que o título indica. É como uma garrafa com um rótulo bonito e conteúdo ruim.
FAZER, SER E ESTAR
Sempre fazemos muitas coisas. Mas queremos ser alguma coisa, e essa é a ilusão resultante dos adjetivos e títulos. Queremos adjetivos relativos aos nossos bons atos ou boa situação. Quando os recebemos, pensamos que somos aquilo. Por exemplo: o homem "rico" age, pensa e vive como se houvesse alcançado o "ser" rico. Na realidade o correto seria que tal pessoa se visse como alguém que "está" rico. Esta é a visão real da vida humana. O verbo ser não é muito apropriado para o ser humano, a não ser naquela declaração divina: "Tú ÉS pó." Aí está o que o homem é. Nas outras questões, o verbo "estar" é o mais coerente com a transitoriedade humana. Precisamos nos lembrar disso, afim de que não venhamos a ser dominados pela soberba, pelo orgulho e pelo desprezo para com o próximo. O verbo ser é bem apropriado para a pessoa de Deus. Somente ele É, SEMPRE FOI E SEMPRE SERÁ. Ele não muda. Por isso, ao ser perguntado por Moisés sobre o seu nome, o Senhor respondeu: "EU SOU".
Vejamos os adjetivos e títulos encontrados no livro de Eclesiastes, os quais demonstram a atenção do autor em relação à caracterização humana em função de suas situações, ações, posições e conseqüentes títulos. Normalmente pode-se constatar que para cada posição de destaque ou vantagem existe outra simetricamente oposta, onde outra(s) pessoa(s) ocupa(m) lugar de desprezo. Sem isso, não haveria valor para as posições de destaque. Afinal, não haveria nenhum destaque. Em alguns casos, o adjetivo apresentado não se encontra no texto mas está subentendido.
Servo / senhor - 7.21; 10.7
Governador / governado - 10.4-5; 7.19
Rei / súdito - 1.1; 9.2; 9.14; 10.16,20; 5.9; 8.2
Dominador / dominado - 8.9 (pastor dominador?) 9.17
Pregador / ouvinte (povo) - 1.1; 12.9
Sucessor - 4.15; 2.18-19
Altos - 5.8
Rico / pobre (trabalhador) - 5.8 5.12,13; 9.14-16; 10.6;
Sábio / tolo (insensato) - 7.19; 10.6; 8.1,5; 2.14; 5.1; 6.8; 9.11; 7.4-7,9; 7.19; 8.17;
9.1; 9.14-15,17; 10.2-3,6,12-15
Príncipes - 10.7,16,17;
Nobres (adj. e subst.) - 10.17
Cantor e cantora - 2.8.
Jovem / velho - 4.13
Justo / ímpio - 7.15-17,20; 8.10,13,14; 9.1-2
O estranho - 6.2
Louco - 2.14
Forte (homem?) - 6.10; 7.19
Paciente - 7.8
Orgulhoso - 7.8
O homem que teme - 7.18; 8.12
(Homem) que faça o bem - 7.20
(Homem) que nunca peque - 7.20
(Homens) que entravam no lugar santo - 8.10
Pecador - 8.12; 9.18
(Homem) que não teme - 8.13
Bom / mau - 9.2
Puro / impuro - 9.2
(Homem) que sacrifica - 9.2
(Homem) que jura - 9.2
(Homem) que não sacrifica - 9.2
(Homem) que não jura - 9.2
Ligeiros, valentes, prudentes, entendidos - 9.11
Grande - 9.14
Perfumista - 10.1
Encantador – 10.11
Preguiçoso – 10.18
Consolador (não há) - 4.1
Obs.: No capítulo 12 temos a caracterização exclusiva da pessoa de Deus: Único pastor/ criador (12).
"Sábio" é um adjetivo (e também substantivo) entre os mais valorizados pelo Eclesiastes. O sábio, mesmo que seja "pobre", poderá superar o "grande", o "rico" e o "forte" (9.14-18). O jovem sábio supera o rei velho e insensato (4.13). Outro adjetivo em destaque é o "justo". Contudo, o autor insiste que todos serão "esquecidos". Todos serão anulados pela morte (2.14-16). Entretanto, o livro deixa uma janela aberta para a eternidade. Apesar da transitoriedade de seus efeitos terrenos, a sabedoria e a justiça terão valor eterno diante do juízo divino (12.14).
No espaço da vida é que se encontram todas as posições, adjetivos e títulos assumidos pelo homem. Enquanto se tem o adjetivo "vivo" muitos outros são cobiçados e conquistados. Depois, recebe-se um único adjetivo: "morto" (9.3-6), o qual é o mais duradouro que o ser humano pode possuir antes do juízo. Salomão fala então da morte de modo claro e direto (2.16; 3.2,18-21; 4.2; 5.15; 6.3; 7.1-4,17; 8.10,13; 9.10; 12.5,7). Enfatiza a igualdade biológica humana, que muitas vezes é esquecida diante da desigualdade social. Em sua ênfase biológica, o autor acaba por comparar o homem com os animais irracionais. A mortalidade humana e a ineficácia de todos os recursos diante de tal realidade são fatos apresentados de modo contundente como que numa tentativa de mostrar ao homem a fragilidade de suas posições sociais e a importância das questões morais, uma vez que estas serão consideradas no juízo divino (12.14). O homem se ilude com suas posições, seus títulos e usa de sua condição para oprimir o seu próximo.
A referência que o livro faz à eternidade é bem resumida mas fundamental. Sem isso, tal escrito estaria confinado em uma visão biológica, terrena e limitada pela morte. A maior parte das declarações do autor estão restritas aos aspectos terrenos da vida humana. Por isso é usada a expressão "debaixo do sol". Dentro desse limite, tudo é vaidade. A menção à eternidade é uma "janela" que o autor deixou como um escape para a vaidade terrena e o motivo principal para se cultivar a justiça e a sabedoria nesta vida.
O HOMEM E O ANIMAL
- Qual é a vantagem de um sobre o outro? (Ec.3.19).
- Sob o ponto de vista biológico: nenhuma. Esse é o tipo de visão que o autor tem ao comparar homens e animais. Observe semelhança do Salmo 49 com a visão de Eclesiastes.
- O animal se restringe aos limites da natureza.
- O homem vive desafiando, superando e contrariando a natureza. 7.29
- Isto é bom ou ruim?
- Depende de seu uso para o bem ou para o mal.
- Qual o limite? Quando o progresso ameaça o equilíbrio. Onde é esse ponto? Só a sabedoria pode responder em cada situação.
- O homem tem o que aprender com o animal.
- A formiga, o gafanhoto, as aves do céu. Não têm títulos nem posições sociais, mas trabalham no tempo certo. (Pv.6.5-8; Pv.30.21-33; Mt.6.26). Salomão observou e aprendeu.
- O animal tem o seu prazer nas coisas simples. O autor nos chama a atenção para os prazeres simples da vida: comer, beber, dormir, ver o sol, gozar a vida (Ec.2.24; 5.18; 5.12; 9.9; 11;7).
- Desvantagem humana: o homem tem o pecado (8.11) que o animal não tem. (Cobiça: Ec.4.8; 5.10; 6.7,9 – inveja: Ec.4.4 – ansiedade: Ec.5.12).
- O homem precisa reconhecer sua semelhança biológica com o animal (3.18-19 - morte) para refletir sobre sua cobiça e sua soberba.
- O homem vai além do animal quando é espiritual.
- Homem natural x homem espiritual - I Cor. 2.14
TEMPO
DEUS NOS DEU O TEMPO - NÃO SABEMOS QUANTO - NÚMERO DEFINIDO DE DIAS -
TEMPO = OPORTUNIDADE
Entre as coisas que Deus deu ao homem está o tempo. (oportunidade - a cada manhã - Lm.3.22-23).
Como nasce o sol, também "nascemos" a cada dia. Ec.1.5.
Ec.2.3 - Número dos dias - definido – porém, pode-se morrer antes - 7.17 (Ex.: suicídio).
O que fazemos da oportunidade que Deus nos dá? Apc. 2.20-21 (arrependimento do pecado ou tolerância?).
Na palavra oportunidade estão todos os valores relacionados à vida humana.
Tempo ocupado pelo trabalho - 8.16 - para oprimir 8.9 - por dores 2.23 nas trevas 5.17
No Novo Testamento temos a parábola da grande ceia. Cada convidado se ausentou porque preferiu preencher seu tempo com outras coisas, as quais não eram más em si mesmas. Porém, tornaram-se malignas porque se constituíram em empecilho ao propósito de Deus para aquelas pessoas. (Mt.22.1-14; Lc.21.34).
TEMPO PARA TUDO - DETERMINADO - NÃO PREDESTINADO - É USADO OU PERDIDO
Ec.3 - Equilíbrio em tudo - tempo para isso e para aquilo. Ex.: tempo de falar e tempo de estar calado. Quem perde esse equilíbrio torna-se desagradável.
O autor diz que há tempo para tal coisa mas não diz quando é esse tempo. É preciso sabedoria para se discernir o tempo certo.
Ec.3.1, 11 - Tempo determinado não é predestinação. É um tempo definido para uma realização. A ação humana não está determinada. Passa o tempo de plantar mas o homem não planta. Jr.8.7
Não há tempo determinado para o pecado - 9.8
A SABEDORIA E O TEMPO - SABER O TEMPO E O MODO
Um dos sinais da sabedoria é a identificação do tempo e do modo. Ester 1.13 Ec.8.5-6.
O homem não conhece o seu tempo: 9.11-12
ESPERA OU INICIATIVA?
A espera - necessária ou demasiada? Cautela ou covardia? Preguiça? (10.18)
A iniciativa - necessária ou precipitada? Decidido ou apressado?
Tensão entre a espera e a iniciativa. É preciso sabedoria para se decidir por uma ou outra atitude.
Os erros e acertos (nossos ou dos outros) vão nos ensinando. Experiência gera sabedoria.
Se tivermos oportunidade de repetir certas ações, talvez possamos fazê-las de modo cada vez mais correto e no tempo apropriado. Porém, algumas ações são únicas na vida. Não podemos errar, já que não teremos chance de tentar novamente. Por isso, precisamos de sabedoria prévia, não produzida pelo erro anterior, mas pela palavra de Deus (Jr.8.9) e pelo dom do Espírito Santo (Tg.1.5; I Cor.1.19-30; 2.1-16; 12.8). A sabedoria humana, terrena, pode ser muito útil para o êxito material, mas a sabedoria espiritual é aquela que conduz o homem à justiça e à salvação.
"Filho meu, ouve as minhas palavras..." Ouvir a experiência dos pais pode poupar os filhos de muitos sofrimentos desnecessários. É uma maneira mais suave de se adquirir alguma sabedoria.
No tempo certo - 10.17
Antes da hora - 10.16
Pressa - 5.1-2; 8.3; 7.8-9. Pv.14.17; 16.32; 25.8 Tardio - Tg.1.19
Não tardes - 5.4;
EM QUE SITUAÇÃO SE DEVE ESPERAR?
Quando se trata de um fruto que precisa amadurecer. (3.11) (Tg.5.7)
Quando se trata de um investimento cujo resultado requer tempo. (EC.11.1)
SEJA TARDIO PARA O MAL OU PARA O QUE FOR ARRISCADO (Tg.1.19)
EVITE-O AO MÁXIMO – Em algumas situações, uma ação negativa poderá ser necessária para que se
evite um mal maior. É preciso muita sabedoria para se julgar esse tipo de situação. (PV.6.16-18)
NÃO DEMORE A FAZER O BEM (Rm.12.11,12,13).
A DIVISÃO DO TEMPO
Tempo – Vida – Anos – Dias – Manhãs e Tardes
Tempo (princípio e fim) Ec.3.11 / Vida – Ec.9.3 (adolescência, mocidade, primavera da vida, Ec.11.9-10; 12.1, velhice – Ec.12.1-7) /
Anos – Ec.11.8 / Dias - Ec.11.8 (manhã e tarde – Ec.11.6 - Gn.1.5,8,13,19,23,31)
Ec.11.8 - Não pense apenas nos anos. Administre os dias.
Salomão menciona o dia em Ec.1.5.
A expressão "debaixo do sol" indica o dia.
O valor do dia - Mt.6.11,30-34 - o pão nosso de cada dia.
Ensina-nos a contar os nossos dias. Salmo 90.12-15; 89.47.
Dia - unidade de tempo a ser administrada. É o que temos.
Lembra-te do teu criador nos DIAS da tua mocidade. Ec.12.1.
Gozar o bem todos os dias - não perca a chance diária - 5.18,20/ 8.15; 9.9 11.9.
Preocupação com o dia - gasto como sombra - 6.12 - Não se pode reter a sombra. Inconsistente, uma ausência de luz.
Dias bons e dias maus - 7.14 - 12.1
Dia da morte - 8.8 (7.1).
O dia mais importante: hoje - Heb. 4.7 - II Cor. 6.2.
PARA USAR BEM O TEMPO, ESTABELEÇA ORDEM DE PRIORIDADE
"Antes que..." (Cap.12)
11.6 - plantar primeiro, comer depois. (Compare 11.6 com 10.16).
Prioridade - 12.1 - Não espere - "Antes que..." vs. 1,2,6.
Lembra-te do Criador antes que tudo isso aconteça, inclusive o verso 7.
Antes, porque "depois" será muito tarde.
NÃO PERCA O FOCO ENTRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO.
Foco no passado - 7.10
REMINDO O TEMPO
Remindo o tempo - Ef.5.16 Col.4.5 (salvar, aproveitar, evitar a perda).
O TEMPO DO JULGAMENTO
3.1-8,11,17 - O tempo de Deus julgar o que o homem fez no seu tempo.
OBSERVAÇÕES:
O "depois" não nos pertence. Ec.3.22.
100 anos - muito tempo e pouca realização - 6.3,6
Nada novo - novo é o homem - Ec.1.10 - Temos noção errada sobre o tempo devido à brevidade da nossa vida. Na medida em que envelhecemos, nossa noção de tempo vai mudando. Para uma criança, 1 ano é muito tempo.
PESSIMISMO E OTIMISMO
PESSIMISMO
1.2,8,9,13,14,15,18
2.1,11,12,15,17,18,21,23
3.19
4.2,3,4,16
5.1,10,11,14,17
7.1-3,7,8,20
8.11,16
10.8-9
OTIMISMO
2.26
3.1,17
5.12,18
7.14
8.5,15
9.9
11.1
12.1
Conceitos
Expectativa de que o bem ou o mal aconteçam.
Interpretação negativa ou positiva de um mesmo fato.
Somos pessimistas em relação a algumas coisas e otimistas em relação a outras. Assim como nos alegramos e nos entristecemos em momentos distintos.
O que mais se evidencia em nossas atitudes pode nos caracterizar. É algo aderente à nossa personalidade.
Nossas experiências anteriores determinam a nossa expectativa. (Bloqueio em relação ao futuro. Bom é ter esperança - Lm.3 - Trazer à memória o que dá esperança. - Selecione suas lembranças, desprezando as ruins. - Pense no que é bom - Fil.4.8).
Eclesiastes
Autor pessimista - a julgar pela quantidade de evidências.
Toques de otimismo.
Peso da realidade - fatos negativos - o pecado a tudo corrompe - um só pecador (Adão, o primeiro) - a mosca (10.1).
A mensagem do livro - Não é pessimista nem otimista. Conscientiza das duas possibilidades e deixa o leitor escolher seu próprio rumo. 11.9 12.13-14.
Fica destacado o grande risco do mal. Não se enfatiza a recompensa pelo bem.
Algumas reflexões do autor equilibram suas próprias afirmações anteriores. 5.18 x 6.2
8.6; 11.8.
Com pessimismo ou com otimismo, trabalhe: 11.1,6. Algumas pessoas deixam de trabalhar, não por pessimismo mas por preguiça. Então dão desculpas pessimistas para sua atitude. (Pv.)
Em caso de utilização impressa do presente material, favor mencionar o nome do autor: Anísio Renato de Andrade – Bacharel em Teologia.
Para esclarecimento de dúvidas em relação ao conteúdo, encaminhe mensagem para [email protected]
Site criado por Ernesto Zambon com informações tiradas da internet apenas com o objetivo de divulgar Eclesiastes.
[1] CBASD, vol. 3, pp. 1.075 a 1.076.
[2] Comentário Lições da Escola Sabatina 01, 1º Trimestre de 2007, Ruben Aguilar, UNASP.
[3] CBASD, vol. 3, p. 1.076.
[4] Comentário Lições da Escola Sabatina 01, 1º Trimestre de 2007, Ruben Aguilar, UNASP.
[5] CBASD, vol. 3, pp. 1.076 a 1.078.
[6] Comentário Lições da Escola Sabatina 01, 1º Trimestre de 2007, Ruben Aguilar, UNASP.
[7] Comentário Lições da Escola Sabatina 01, 1º Trimestre de 2007, Ruben Aguilar, UNASP.
[8] CBASD, vol. 3, pp. 1.078 a 1.079.