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postado em: 27/3/2009
Teorias Milenares
O ano 2000: Vai ele anunciar o milênio?
George W. Reid
Hollywood o projeta na tela. Desde jornais sérios a tablóides frívolos, ele recebe tratamento que é tanto assustador como espalhafatoso. O mundo dos computadores está trabalhando febrilmente para impedir um crash de seus programas. Teólogos da direita como da esquerda falam e escrevem a respeito como se fosse uma coisa trivial ou a única coisa que importa.
Milênio! Essa é a palavra mágica. Ao se aproximar o ano 2000, vai o século levar a história a uma nova oportunidade ou ao caos? Irá a raça humana precipitar-se numa crise de comunicação que afetará toda informação eletrônica vital, tais como contas de banco, registros legais, fórmulas químicas, ações e títulos, taxas e registros acadêmicos? Irá ele interromper de modo crítico o transporte aéreo e desencadear um holocausto atômico?
Líderes religiosos estão aproveitando-se da oportunidade para lançar uma nova época de fé. Uns poucos prevêem o fim de todas as coisas, mas os menos inclinados a excitamento especulativo vêem o ano 2000 como um marco a partir do qual proclamar o começo de uma nova época religiosa. Um elemento é a convocação papal para uma assembléia de líderes religiosos de todas as fés em Jerusalém no ano 2000.
Os últimos dois séculos trouxeram uma transformação geral da auto-compreensão religiosa, especialmente entre cristãos. Desde os primórdios, a religião tem tratado do relacionamento entre a natureza e o sobrenatural. O iluminismo do final do século 17 conseguiu desacreditar virtualmente toda crença no sobrenatural, deixando o cristianismo reduzido largamente a uma organização de serviço social, com um mínimo de conteúdo sobrenatural.
O produto final: um cristianismo enfocado sobre idéias, mas sem certeza sobre Deus. Dentro deste vácuo, explicações alternativas desenvolvidas para prover significado e uma cosmovisão fundiram-se num amálgama que deslocou a versão bíblica do sobrenatural. Com as idéias bíblicas sendo abandonadas como mito, a religião voltou-se para preocupações humanas.
Os textos bíblicos foram dissecados, avaliados pela lógica humana, e a comunidade intelectual cristã embarcou na busca do Jesus histórico. A ciência tornou-se o guia para o futuro e a profecia bíblica foi reduzida a escritos posteriores aos acontecimentos, com a escatologia uma esperança melancólica de acontecimentos incertos.
Mas a esterilidade de tal religião, privada de seu propósito de ligar a humanidade com Deus, impele as pessoas alhures. Hoje uma nova geração está no comando, pessoas à busca de respostas satisfatórias a questões argutas. O sobrenatural, abandonado há muito como extinto, re-emergiu como linha de frente do interesse religioso.
De novo milagres estão em voga. Os anjos estão por toda parte, no mundo literário, na indústria de diversão, mesmo entre teólogos que não mais acreditavam neles. O misticismo da Nova Era permeia agora a música, a literatura, a filosofia, a educação e mesmo a medicina. Cristãos evangélicos, que hoje contam com uns 400 milhões de membros, não mais podem ser ignorados. O fundamentalismo exerce agora uma força profunda nas religiões não cristãs.
Em direção de uma utopia milenial
Desta nova plataforma, os guias religiosos de hoje esperam lançar um reavivamento poderoso que envolverá todas as religiões e assim inaugurar o mundo utópico da paz, prosperidade, progresso e unidade.
Como pode uma coleção de tradições religiosas diferentes, competitivas e freqüentemente contraditórias ser combinada para introduzir o ideal utópico? A fórmula proposta se acha num grupo relativamente simples de elementos:
1. Não julgar. Uma religião não mais pode ser tratada como superior à outra.
2. Mérito. Cada tradição possui validade em sua própria esfera, e assim merece ser respeitada por todas.
3. Aceitação. Como toda tradição religiosa é válida, seu lugar precisa ser assegurado dentro de um todo pluralístico.
4. Diversidade. Dentro dessa aceitação plenária, toda pessoa deve poder praticar sua própria convicção, livre de qualquer nesga de proselitismo.
5. Comunalidade. O foco deve convergir para um elemento comum — serviço humanitário.
6. Subjetividade. Cada um pode transcender crenças e práticas particulares para participar da experiência interior que todas as religiões têm em comum. Afinal, é um relacionamento com o divino como cada um concebe que é o que conta.
A despeito desta fórmula de milenialismo utópico, a Bíblia com efeito aponta para um milênio totalmente diferente em propósito e significado.
O milênio bíblico
Ao nos voltarmos para as Escrituras, surpreendentemente apenas umas poucas passagens se referem diretamente ao milênio. De longe a passagem mais explícita se acha no capítulo 20 do Apocalipse. Os evangelhos nada dizem do milênio, e Paulo o menciona só incidentalmente. Temas relacionados tais como julgamento e consumação final aparecem através das Escrituras.
Para abarcar todo o ensino bíblico notaremos diversas passagens teologicamente relacionadas umas com as outras. Paulo fala aos coríntios da ressurreição por ocasião da última trombeta (I Coríntios 15:51-55). Embora ele não faça nenhuma referência direta à volta de Cristo, bem claramente ele assume que a igreja em Corinto tinha conhecimento daquilo que neste momento ele estava ensinando aos crentes em Tessalônica (I Tessalonicenses 4:13-18; II Tessalonicenses 2:1-12).
A volta de Cristo é o acontecimento central em volta do qual o fim do mundo e a ressurreição giram. Paulo foi o fundador e primeiro mestre da igreja de Corinto (Atos 18:11, 18). Parece impensável que seu ensino básico sobre a volta de Jesus não seja fundado sobre o que ele diz em I Coríntios 15. Apesar disso, em parte alguma dos escritos de Paulo faz ele ligação entre o segundo advento com um período de tempo específico.
O Apóstolo Pedro faz duas referências aos 1000 anos no mesmo verso: “Não ignoreis uma coisa: que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (II Pedro 3:8). Contudo, a intenção é claramente retórica em vez de profética. Pedro não está dando um período de tempo profético específico, mas simplesmente sublinhando a verdade que Deus está acima do tempo, contrariamente à experiência humana.
João usa a expressão “mil anos” seis vezes em Apocalipse 20. De forma sumária, ele prevê o clímax grandioso da história. Satanás, o arquinimigo, é preso e confinado por mil anos (versos 1-3). Os justos levantam-se na primeira ressurreição e reinam com Cristo no Céu durante mil anos (versos 4-6). No final dos mil anos, Satanás é solto para liderar seus sequazes que acabam de ressuscitar num assalto contra os santos e a cidade santa (versos 5, 7-10), quando fogo do céu destrói todos os ímpios.
A breve afirmação de Pedro em II Pedro 3:8, onde ele cita o Salmo 90:4, tem dado margem a uma variedade de propostas, baseadas na idéia de que aí ele está oferecendo uma fórmula para interpretar as muitas referências bíblicas a dias, geralmente fora de qualquer contexto profético. Baseando-se na premissa que os sete dias da Criação são paralelos a sete épocas de 1000 anos, alguns acrescentam outra premissa de que o sexto período de mil anos termina com o ano 1999.
Proponentes desta teoria avançam a idéia de que com o ano 2000 entraremos num cumprimento que corresponde ao sétimo dia literal da Criação — um milênio de paz e prosperidade. Este argumento apareceu primeiro em especulações judaicas antes do tempo de Cristo e tem reaparecido ocasionalmente em escritos cristãos posteriores, mas não tem uma verdadeira base bíblica.
Outra pergunta pode ser feita: Onde o povo de Deus passará os mil anos? A resposta se encontra em outras passagens do Novo Testamento. A primeira ressurreição é a do povo de Deus, e ocorre no segundo advento de Cristo (I Tessalonicenses 4:16, 17), quando os ressuscitados serão “arrebatados juntamente com eles os santos vivos, nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares” (verso 17).
Jesus mesmo prometeu voltar para levar os crentes à casa de Seu Pai (João 14:3). Os remidos passarão os mil anos no Céu, onde participarão do julgamento (Apocalipse 20:4), para em seguida voltar com a Nova Jerusalém a fim de presenciar o fim do pecado (Apocalipse 21:2-8). Tentativas de descrever o milênio como uma era magnífica com Cristo presidindo sobre um reino terrestre não se enquadra de modo algum com o ensino bíblico sobre os eventos finais.
Embora a maioria dos intérpretes cristãos do milênio argumente a favor de teorias dispensacionalistas que pressupõem um reino messiânico no qual Cristo reina sobre a Terra, os adventistas preferem seguir Pedro e Paulo ensinando uma devastação total da Terra por ocasião da vinda de Cristo.
Esse acontecimento torna a Terra inabitável aos seres humanos, mas um lugar apropriado para a prisão de Satanás. Baseados no livro do Apocalipse, nós prevemos no final dos mil anos a erradicação do mal e a restauração de tudo à pureza original, um mundo “no qual habita a justiça”.
Teorias milenares
Hoje, o termo milênio recebeu um novo significado. Além da simples referência ao período bíblico de mil anos, está se tornando a chave dos acontecimentos finais. Esta espécie de especulação tem uma longa história. Começando no período entre o Velho e o Novo Testamentos, os rabinos discutiam sobre o reino messiânico vindouro. No tempo de Jesus este ensino sem dúvida permeava os conceitos populares que Ele encontrava ao tentar explicar a natureza do Seu reino.
Quarto Esdras, um livro apócrifo, oferece um bom exemplo. Segundo ele, o Messias Se revelaria, estabeleceria um reino terrestre no qual todos haviam de prosperar durante 400 anos, depois dos quais o Messias e a humanidade toda morreriam, fazendo a terra voltar ao silêncio primordial. Então uma ressurreição geral teria lugar, seguida de um paraíso terrestre com uma Jerusalém restaurada.
O Talmud ensina que, dependendo da escolha que fizermos, os dias do Messias durariam 40 anos, ou 70 anos, ou três gerações. Alguns rabinos preferiam 400 anos, 365 anos, 7000 anos ou 2000 anos (Sanhedrin 916). Freqüentemente a era dourada é apresentada em termos de prosperidade abundante, casas e terras, abundantes colheitas e descendência, a satisfação de todos os desejos sensuais. Tais idéias, logo se introduziram na visão cristã de um milênio vindouro.
Quando é que tudo isso começaria? Haveria de seguir a 85 jubileus, depois de 7000, 6000, 5000, 2000 anos, 600, ou justamente quando? O rabino Akiba argumentava a favor de 40 anos. Vários esquemas foram propostos e alguns deles foram adotados por cristãos influentes tais como Irineu, Justino Mártir, Eusébio e outros. Jerônimo (c. 380) argumentava a favor de uma história mundial de 6000 anos, seguida de um sábado milenial.
Mesmo alguns não-cristãos como os seguidores de Zoroastro e os etruscos ensinavam que a raça humana duraria 6000 anos. Por causa do materialismo grosseiro incorporado em idéias sobre o milênio, outros pais da igreja rejeitaram mesmo a idéia de um milênio, ao ponto de negar a canonicidade do Apocalipse.
Mas foi Agostinho que captou a cristandade medieval com sua idéia de que o milênio não é um período de tempo, mas uma experiência, começando com a conversão e culminando com um entusiasmo espiritual comparável à segunda vinda de Cristo (Cidade de Deus, 20:6, 7).
Estas idéias provocaram o excitamento público sobre a aproximação do ano 1000. Baseados no pensamento de Agostinho, os cristãos começaram a antecipar acontecimentos solenes naquele ano. Ao se aproximar o ano, mesmo quando o papa Silvestre II ocupava o trono papal, a tensão subiu, mas nada de notável ocorreu.
Embora especulações fantásticas circulassem nos mosteiros, o Vaticano acalmou os temores quanto ao fim do mundo. Em 998 o Concílio de Roma impôs a Roberto, rei da França, sete anos de penitência por violações graves da lei canônica, e o imperador alemão, Otão III, continuou a fazer planos de restaurar o antigo Império Romano.
Os adventistas hoje e a especulação sobre o milênio
Sendo profundamente interessados em profecia, os adventistas do sétimo dia são particularmente vulneráveis a especulações. Através da história adventista temos confrontado especulações sobre o fim, apesar de advertências bíblicas e de Ellen White desacreditando toda tentativa de prever eventos futuros.
Em vista disso precisamos tratar da agitação em círculos adventistas sobre os 6000 anos. Geralmente os que propõem cálculos específicos baseiam seus argumentos sobre a afirmação de Ellen White quanto a uma cronologia de 6000 anos para a Terra. Com efeito, a cronologia bíblica é complexa e inclui várias incertezas que tornam um cálculo exato cronologicamente impossível. Essas não afetam a mensagem das Escrituras, mas nos impedem de datar os acontecimentos bíblicos com precisão para o período anterior aos reis de Israel.
Ellen White não fez questão de criar uma cronologia. Em seus escritos ela faz 43 referências aos 6000 anos e 42 aos 4000 anos. Como regra ela simplesmente cita a cronologia de Ussher impressa acima das colunas de sua Bíblia. O método é de aproximação, e não de datação rígida. Em 1913 ela escreveu que a Terra tem “quase seis mil anos”. No todo, estudantes cuidadosos da Bíblia e dos escritos de Ellen White evitarão construir cronologias sobre este tipo de evidência.
Princípios para nos proteger
Assim surge a pergunta: Há princípios sãos que nos ajudam tratar de especulações milenares e evitar sermos enganados? Os seguintes poderiam ajudar:
1. As especulações milenares têm um longa história quase sempre errada.
2. O desejo de novidade profética superficial deve ceder lugar a cuidadoso estudo da Bíblia.
3. Fixar tempo para o fim é em si um empreendimento sem apoio na Bíblia.
4. Ellen White firmemente endossa a abordagem historicista de interpretação profética, nunca propondo reciclagem futura de profecias apocalípticas relacionadas com tempo.
5. Estudo judicioso das profecias bíblicas continua sendo um componente válido e essencial da mensagem adventista, mas não deve levar a qualquer forma de projeção de tempo exato para a volta de Jesus ou outros acontecimentos que devem ocorrer em conexão com Sua volta.
Autor: George W. Reid (Th.D., Southwestern Baptist Theological Seminary) é diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia e consultor de Diálogo. Seu endereço: 12501 Old Columbia Pike; Silver Spring, Maryland 20904; E. U. A.
Fonte: Diálogo Universitário, publicado em 1999.