De Silvestre (314) a Gelásio (496)
Com Gelásio, nascem oficialmente o alto e o baixo clero
Do bispo Silvestre (314-335) já falamos várias vezes. Os historiadores apressados escreveram que converteu Constantino. Mentira! Constantino nunca se converteu; ele recebeu o batismo, antes de morrer, confiando na palavra do bispo Silvestre, que lhe disse que com a água do batismo Deus lhe perdoaria todos os pecados.
É verdade que a maioria dos historiadores eclesiásticos ligam o nome deste bispo à conversão de Constantino, mas é evidente que não passa de um boato espalhado na época pelos eclesiásticos de Roma que já estavam de olho no poder político.
O que é mais grave no bispo Silvestre é a acusação que vários bispos lhe fizeram junto ao imperador, de ter desonrado o sacerdócio (interessante essa afirmação, pois já nos revela o "sacerdócio cristão" como sendo um estado social!) oferecendo incenso aos ídolos e entregando as Sagradas Escrituras aos pagãos.
Diz a História que Silvestre se defendeu junto ao imperador, porque, no momento, não existia nenhum concilio perante o qual pudesse comparecer (M. Lachatre; V.I. pg. 119). (Ora, esta é uma prova de que os bispos de então, inclusive o bispo de Roma, se consideravam subordinados à autoridade civil: estamos no século IV!)
Os escritores católicos escreveram que Silvestre mandou construir as basílicas de São Pedro e de São João (Latrão). A verdade é que não construiu nada! Quem as havia já mandado construir foi o imperador.
Seguiram-se dois bispos romanos sem nenhum prestígio. Então apareceu Dâmaso que tem uma história de aventureiro. Os fatos são estes: com a morte do bispo Libério (352-366), dois valentões disputaram a cadeira episcopal de Roma: Dâmaso e Ursino.
Cada um tinha uma turma de valentes cristãos que os apoiava. Houve lutas porque Dâmaso foi ordenado e eleito bispo numa basílica e Ursino numa outra.
O prefeito de Roma e Julião, prefeito dos alimentos, expulsaram Ursino da cidade, com sete padres e dois diáconos. Foi o sinal de uma grande batalha.
Dâmaso e seus partidários armados de espadas e bordunas cercaram a igreja onde estava Ursino; arrombaram as portas e mataram todo mundo: homens, mulheres, crianças, um total de 137 mortos (M; Lachatre; op. cit.; V.I.; pg. 127). O prefeito teve medo e fugiu.
Quem também nos conta essas aventuras eclesiásticas é Ammianus Marcelinus (330-400) em "Rerum Gestarum libri (XXXI"; XVII; 3). Também é o famoso Duchesne (II; pg. 364). O bispo Dâmaso hoje é santo: São Dâmaso papa, e na sua biografia oficial lemos: "condenou os apolinaristas e os macedonianos; fixou o cânon das Escrituras; enviou embaixadores ao concilio de Constantino e incumbiu São Gerônimo de rever a tradução da Bíblia". (Enciclop. Mírador: Nada sobre as matanças...).
O Gibbon também fala de papa Dâmaso (VI, II; pg 485 n.) Eis o que Gibbon escreve: "Diziam as línguas irreverentes que este Dâmaso era "ariscalpius matronarum" isto é: grande bajulador das damas mais ricas de Roma, das quais conseguia habilmente tirar doações.
O que sabemos com certeza é que São Gerónimo e São Gregório Mazianzeno se queixaram com veemência do luxo da Igreja romana.
Quanto a Ursino, que sobreviveu à matança, continuou a reunir-se com seus partidários agindo como se fosse o verdadeiro bispo de Roma. Mas o bispo Dâmaso conseguiu que o imperador lhe enviasse uma ordem para acabar com o cisma.
Então "reuniu os seus fiéis e com a tiara na cabeça e de armas na mão, penetrou na igreja dando o sinal de combate. Foi demorada a mortandade e os assassinatos profanaram o templo de Deus".
Eram tempos duros. Era uma cultura diferente da nossa... Imagine o leitor que no ano de 370 os imperadores Valentiniano, Valente e Graciano promulgaram uma lei que proibia os eclesiásticos irem às casas de viúvas ou moças que vivessem sozinhas...
Permitindo que os parentes delas, em caso de flagrante delito, entregassem esses eclesiásticos aos tribunais civis.
Parêntese: foi a revolta eclesiástica contra essa lei humilhante que breve, breve, dará início ao "privilegium fori", isto é: os eclesiásticos gozam do privilégio de serem julgados somente pelo bispo.
Este privilégio vigora até hoje em alguns países oficialmente católicos da Europa e representa, desde o século V, uma das formas de poder político da Igreja Católica romana.
Como se vê, Roma, a capital do império, com sua história de grandeza, perturbava a cabeça de muitos bispos que se achavam, por isso, os naturais chefes do cristianismo.
O curioso é que nenhum bispo (que eu saiba) até então se considerava "vicarius Petri", ou "vicarius Christi" e nenhum deles pretendia para si esta chefia com a desculpa de ser o sucessor de São Pedro!
Depois de Dâmaso veio Sirício, Anastásio, Inocêncio e finalmente Zósimo.
De Sirício sabemos apenas que escreveu aos bispos de Gállia para que exigissem dos seus sacerdotes a continência com suas esposas, para não acabar como Adão e Eva "e serem expulsos do paraíso" (Uta Ran-ke; "Eunucos pelo reino de Deus"; II ed.; pág. 117).
Zósimo (417-418) era um tipo que se julgava o chefão por ser bispo da antiga capital. Então aproveitou-se do fato de um padre africano apelar para ele, que mandou três legados a Cartago com uma carta que continha quatro artigos: um, entre eles, que dizia que todos os bispos podiam recorrer ao bispo de Roma, ficando proibidos de viajar até a corte imperial para resolver seus problemas.
Os bispos africanos, que por acaso estavam reunidos em concilio, desprezaram os legados romanos. Mas a coisa se tornou mais grave porque os bispos africanos descobriram que Zósimo havia inventado alguns cânones acrescentando-os ao Concilio de Nicéia.
Foi uma vergonha para a Igreja de Roma. O concilio dos bispos africanos declarou impostor e infame o bispo Zósimo. É um "pormenor" que os escritores católicos omitem, infelizmente! Mas é um fato que prova como andava crescendo a ideologia do poder eclesiástico romano.
Seguem-se os bispos romanos: Bonifácio, Celestino e Sisto, sem nenhuma importância.
Mais importante é Leão I, dito Magno (440-461) porque quando Hilário de Poitiers se recusou a aceitar as suas ordens, numa disputa com um outro bispo gaulês, o imperador de Constantinopla, mediante um edito imperial, confirmou a sentença dada por Leão I, acrescentando e confirmando também a autoridade do bispo de Roma sobre todas as igrejas cristãs (W. Durant; "Hist, da Civil."; 1955; pág. 72).
Isto mostra mais um passo à frente na ideologia e na realização do poder eclesiástico romano: um poder que deriva do imperador e não de Jesus Cristo!!!
Aconteceu, todavia, que os bispos do Ocidente, por medo do imperador, aceitaram as ordens.
Mas os bispos do Oriente recusaram-se; aliás, os metropolitas [bispos metropolitanos] de Constantinopla, Antioquia, Jerusalém e Alexandria, não só recusaram a ordem imperial, mas também reivindicaram, para si, o decreto de Nicéia (325), que lhes dava a mesma autoridade que o imperador estava dando só a Roma, e apontavam o cânon 28 do Concilio de Calcedônia (451), que decretava haver igual dignidade e jurisdição patriarcal tanto para o bispo de Roma como para os demais quatro metropolitas.
Mas Leão I recusou-se a aceitar o cânon 28 de Calcedônia e foi, por mais um motivo, que aumentou a divisão entre cristianismo oriental e cristianismo ocidental, ou, melhor, entre as igrejas do Oriente e do Ocidente.
A História é clara, embora os historiadores católicos esqueçam: Roma, pela segunda vez, foi causa de divisão entre Oriente e Ocidente.
Na realidade a Igreja de Roma vivia um momento histórico particular: o imperador residia no Oriente bem longe dos problemas político-religiosos do Ocidente; freqüentemente o governo civil romano fugia perante as invasões dos bárbaros enquanto que bispos e clero ficavam em seu lugar, como "representante de Deus", fato este que gerava medo e respeito e por fim aceitavam-se mais facilmente os veredictos dos pontífices romanos.
Com efeito, foi este Leão I Magno que enfrentou sozinho Átila e Genserico e salvou Roma e o território romano de uma inevitável catástrofe.
Como não reconhecer-lhe um poder político juntamente com um poder eclesiástico?
Átila e Genserico eram animais ferozes... Quando marcharam sobre Roma, todas as autoridades civis e militares fugiram. Ao obedecer ao bispo Leão Magno e retirando-se para o Norte, Átila, sem saber, colocou os alicerces mais poderosos do poder político pontifício sobre toda a Europa.
Ao bispo Leão Magno seguem-se: Hilário, Simplicio, Félix e Gelásio.
Este Gelásio (492-496) nos interesse não tanto pela sua Teologia, sem nenhum fundamento, (escreveu ao bispo de Piceno que as crianças que morrem sem receber a eucaristia vão para o inferno!
Veja Sto. Agostinho: "Opera Omnia"; II; 640 - o que será condenado pelo Concilio de Trento) mas pela sua ideologia do poder eclesiástico. Com efeito, ele escreveu ao bispo Honório da Dalmácia pedindo informações sobre o pelagianismo que lá reapareceu.
Honório lhe respondeu que cuidasse da sua Igreja porque ele, Honório, sabia muito bem o que fazia. Gelásio respondeu-lhe que o bispo de Roma "por ordem do imperador cuidava das igrejas do mundo inteiro para conservar a pureza da fé", mas que não impunha a sua vontade aos bispos da Dalmácia. (M. Lachatre; op. Cit.; V.I; pg. 168).
Mais tarde esse mesmo Gelásio, ao saber que o imperador Anastácio havia se queixado por não ter ainda recebido uma carta sequer do bispo de Roma, escreveu-lhe dizendo, entre outras coisas, que "os bispos são responsáveis perante Deus pelos atos dos reis". (É bom frisar isto, pois Gregório VII desenvolverá as idéias de Gelásio dizendo que o bispo de Roma não só é o responsável pela salvação eterna dos reis, mas também pela política deles).
Gelásio proibiu que os padres fizessem aquilo que, segundo foi estabelecido, só os bispos podiam fazer, como benzer os santos óleos, ordenar outros padres e diáconos, tornando-se assim o primeiro pontífice a distinguir entre “clero alto" e "clero baixo" colocando o clero baixo bem em baixo do ponto de vista jurídico.
Quanto aos bens de uma paróquia, ordenou que se fizessem quatro partes: uma para o bispo (!!!); outra para o clero; outra para os pobres; outra para a mesma paróquia.
Gelásio também quis mexer no Antigo Sacramentário, alterando alguns pontos de acordo com o seu modo de julgar as coisas. Este Antigo Sacramentário será publicado mais tarde, em 1680.
Conclusão: com Gelásio, bispo de Roma, estamos no fim do V século. Quinhentos anos de cristianismo deveriam ser suficientes para entender o que significa ser cristão. Pois bem! A prova de estar dentro da fé cristã, isto é, a prova de ser cristão não é a comunhão com o bispo de Roma, como pensam os hodiernos teólogos católicos, e sim a aceitação dos decretos dos concílios de Nicéia (325) e de Éfeso (431).
Até o ano 1000, será cristão quem aceitar os decretos destes quatro concílios. Só!
■ Atenção, leitor! Mais uma vez permita-me dizer que esta não é História da Igreja e multo menos História do Cristianismo, mas tão-somente a História dos homens que ocuparam o cargo de bispos na cidade de Roma; portanto, saiba distinguir e diferenciar as coisas. As expressões “Santa Sé” e “Igreja” que eu uso simplesmente significam “os bispos de Roma”.
Continua na próxima postagem desta seção...
Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.
Comentários do IASD Em Foco
Junto com a erudição do Dr. Carlo Bússola, enfatizamos a sua total isenção e honestidade intelectual [tão carente, diga-se de passagem, entre historiadores, teólogos, proclamados apologetas, pastores e outros líderes religiosos da atualidade].
Quanto a isso, veja-se a nota de advertência que com freqüência aparece na maioria dos artigos da série. No entanto, ressalte-se que os fatos falam por si mesmo sobre a origem insidiosa deste sistema da falsa religião, como predita pelo profeta Daniel, apóstolo Paulo, João e outros (Daniel 7:8-10; Atos 20: 28-30; II Tessalonicenses 2:3-4 e 7-12; Apocalipse 13:1-10).
Dada a sua importância crucial, estes assuntos aqui abordados dizem respeito a todos os cristãos – católicos, evangélicos, ortodoxos, renovados, protestantes, etc. – independente da coloração ideológica ou denominacional; pois, a Bíblia afirma taxativamente que este sistema da falsa religião, erigido em cima da “ideologia do poder”, contaminou praticamente todas as religiões cristãs: “Seguiu-se outro anjo, o segundo, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria da sua prostituição” (Apocalipse 14:6). “... pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição...” (Apocalipse 18:3, p.p.).
Fazendo, em tempo, uma correção no “endereço” desta solene mensagem de advertência, nós verificamos que ela se destina a todos os habitantes da Terra; afinal, agora nos derradeiros momentos da História o complexo babilônico da falsa religião abarcará toda a Terra e, portanto, todo habitante deste planeta terá que tomar a sua decisão de um lado ou do outro, a favor da Verdade (Apocalipse 14:12) ou do lado do erro (Apocalipse 14:9-11).
Repetimos: o domínio da falsa religião será planetário; é a globalização do erro: “Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação; e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a Terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13:7-8).
Em tempo, “vinho” em linguagem profética significa “doutrina” e, por conseguinte, a Bíblia afirma que, embora repudiem a idolatria e outras práticas abomináveis de Babilônia, suas “filhas”, praticamente todas as religiões ditas cristãs, beberam – assimilaram em seu corpo doutrinário – as principais doutrinas do “cardápio” de Babilônia.
Para Quem Quiser Saber Mais Sobre o Assunto:
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