Gregório II e III e a Doação de Constantino
Gregório III afirmava que a Sé de Roma podia dirigir reis e nações para onde lhe fosse conveniente
Nunca esqueçamos que do ponto de vista do cristianismo oficial, isto é, do ponto de vista dos granes concílios ecumênicos, o bispo de Roma é apenas bispo qualquer e se distingue dos demais pelas insígnias de patriarca (privilégio concedido só a cinco bispos).
Mas o fato de ser patriarca não lhe dava jurisdição específica sobre os demais bispos, mas apenas um respeito e uma honra que o tornava "primus inter pares".
Isso oficialmente. Mas na prática, desde muitos anos, estava vigorando uma política que visava tornar o bispo de Roma o substituto do imperador, na Europa, e o “chefão” na cristandade.
Isto ficou evidente também com Gregório II (715-731), pois logo "após tentar reedificar os muros de Roma, abatidos nas invasões ' dos longobardos, se apercebeu que podia e devia fazer muito mais para salvar a Itália inteira dos longobardos.
Não conseguiu; mas alguém lhe sugeriu um estratagema que deu certo: espalhar padres de absoluta confiança em todas as dioceses da Europa e até em Constantinopla. Estes padres eram os espiões diretos de Gregório II. Deste modo, só ficando em Roma, ele coordenava uma política de interesses eclesiásticos romanos.
Breve, todas as igrejas da Alemanha, inclusive a Bavária, sujeitaram-se ao domínio da Sé de Roma. O mesmo aconteceu com as igrejas da Gallia. Mas conseguiu pouco na Itália... M. Lachatre (op. cit.; v.I; pg. 304) conta uma história muito interessante a propósito de Gregório II. Certa vez São Corbiniano de Chartres fez uma visita a Roma para confessar suas amarguras e seus receios de que as freqüentes visitas de moças e mulheres bonitas na sua casa fossem causa de condenação eterna... Gregório II tranqüilizou-o logo, fazendo-lhe ver que ele também recebia em seus aposentos todas as belas damas da cidade...
Era o ano de 716 quando morreu e sucedeu-lhe Gregório III (731-741), que provavelmente foi aquele que mandou forjar a falsa doação de Constantino. Com efeito, costumava expressar-se junto aos demais bispos com as mesmas frases que encontramos no decreto da falsa doação.
Gregório III dizia em reuniões sinodais e conciliares que a Sé de Roma "estava acima dos tronos da terra e que os pontífices romanos podiam dirigir todas as nações para onde lhes aprouvesse sem ninguém ter o direito de os acusar pois não estavam sujeitos ao julgamento dos mortais".
Quem nos relata isto é Anastásio, o Bibliotecário, da Igreja romana (815-878). Numa carta que mandou ao imperador Leão, do Oriente, entre outras coisas escrevia: "Deixai que os fiéis apliquem ao embelezamento da casa de Deus as riquezas que tiram de Satanás. Não priveis os pais e as mães de mostrarem aos filhos as imagens dos santos. Não desvieis os simplórios da veneração que têm pelas representações das histórias santas. A credulidade dos povos é a vossa força como é também a nossa". (M. Lachatre; op. cit.; v.I. pág. 310).
Princípio extremamente útil para a ideologia do poder: "A credulidade dos povos (...) é a nossa força!" (Estas eram as idéias romanas que Anastásio, o Bibliotecário, resume tão bem!
Em seguida Gregório III convocou um concilio para condenar os destruidores das imagens. Foi um concilio muito concorrido e teve lugar na basílica de São Pedro. Depois de muitas discussões, o concilio estabeleceu que não só era permitido, mas que era coisa boa e salutar venerar as imagens do Senhor Jesus, de Maria, sua mãe e dos santos e se devia punir severamente todos os destruidores de imagens sagradas.
Esses decretos assinados pelos bispos europeus foram enviados ao imperador Leão de Constantinopla, que ficou irritadíssimo e mandou um exército para saquear Roma e a Itália. Mas uma grande tempestade impediu a travessia do mar e tudo acabou em nada.
Mas quando os longobardos souberam que os exércitos de Leão não conseguiram entrar na Itália, então eles desceram até Roma. Deste modo o problema ficava bem pior!
Não restava outra alternativa a não ser pedir ajuda a Carlos Martel (685-741), que era "prefeito do Palácio" sob os últimos merovíngíos. Através de Clóvis, os bispos de Roma eram grandes amigos e aliados dos merovíngios.
Mas agora a política havia mudado e as exigências do poder mandaram esquecer os merovíngios e fazer aliança com o primeiro carolíngio que havia se tornado senhor dos Francos da Austrásia e da Néustria.
Mas como Carlos Martel não aceitava certas declarações de Gregório III, como por exemplo o princípio de soberania pontifícia sobre todos os reis e príncipes, não correu em sua ajuda. E Gregório III teve que fazer as pazes com Liutprando, rei dos longobardos. Gregório III morreu em 741.
Antes de continuar com a história dos bispos de Roma, temos que falar da Doação de Constantino: o documento que irá modificar todo o poder da Igreja de Roma, que se tornará, em primeiro lugar, poder político enquanto que o poder espiritual só servirá para aumentar esse mesmo poder político.
A Doação de Constantino
Mais ou menos no ano de 754 os eclesiásticos de Roma pensavam como tirar vantagem do fato de estarem na cidade que foi a capital do mundo.
Diz a lenda que o imperador Constantino era leproso, mas que o batismo que o bispo Silvestre lhe conferiu o sarou completamente. Então o imperador, agradecido, teria presenteado Silvestre e seus sucessores, os bispos de Roma, com a cidade de Roma; com o território da Itália; com as províncias ocidentais; isto é: as regiões setentrionais que incluíam a Lombardia, a Venécia e a Ístria.
Além disso o bispo de Roma teria sido proclamado "senhor dos bispos" e a Sé de Roma teria plenos poderes sobre os patriarcas de Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Jerusalém.
Era o velho sonho de poder político e de dominação que, fazia séculos, incubava nos bispos romanos. Era o sonho que vez ou outra vinha à tona nas expressões e nos escritos e, quando não havia perigo de enfurecer o imperador de Constantinopla, até nas mensagens dos embaixadores romanos.
Mas o ano de 754 era o momento mais certo de dar forma e vida à lenda, colocando-a por escrito, e, depois, fazer passar o escrito como um velho documento de Constantino.
O historiador jesuíta padre Cantel, na sua volumosa ópera "História Metropolitanarum urbium" escreve à página 196: "a origem do documento é evidentemente romana, tendo sido escrito, com a permissão ou por vontade do papa, por um certo diácono romano chamado João".
"A finalidade deste documento não era só construir o tal de Patrimônio de São Pedro, mas também devia ser usado junto aos reis cristãos dos Francos (Clóvis foi o primeiro) para torná-los avalistas dos bens da Santa Sé de Roma, em primeiro lugar entre os longobardos, que eram uma ameaça constante nestes séculos; e, depois, contra os imperadores gregos que se recusavam aceitar os domínios territoriais da Sé romana".
(O historiador Cenni explica exaustivamente toda a situação histórica que se refere não só à "Donatio Constantini" mas também à "Epistula Sancti Petri", nas suas obras "Monumento Dominationis Pontificum"; I; pág. 154).
Esse (falso) documento foi apresentado ao rei Pepino o Breve (715-768) filho mais novo de Carlos Martel, que em 751, com a ajuda do bispo de Roma, Zacarias, depôs o merovíngio Childerico III e passou a governar os Francos, tendo sido ungido rei, em 751, por São Bonifácio e reconhecido como tal pela Igreja de Roma.
Foi a este Pepino que o bispo de Roma apresentou o documento de doação de Constantino. Pepino acreditou logo! E como poderia não acreditar se nenhuma pessoa letrada acompanhava o rei? (Veja: "História Literária da França" dos padres Beneditinos; IV; 3).
Alguns anos mais tarde Pepino presenteou o bispo de Roma com o Exarcato de Ravena, que conquistou dos longobardos, e mais 20 cidades da Emilia e da Romanha, na Itália central.
Tudo isto pode ser encontrado no (falso) "Liber Pontificalis".
Observação: que a Doação de Constantino seja uma obra falsa foi criticamente provado pelo humanista italiano Lorenzo Valla (1407-1457), autor de várias obras de Filosofia e Teologia. (Observe-se que L. Valia era antiaristotélico e antiescolástico).
Este mesmo (falso) documento foi apresentado a Carlos Magno, que o ratificou e o acrescentou com o presente de novas terras.
E, assim, colecionando cidades após cidades e terras após terras, realizou-se o domínio temporal dos bispos de Roma, agora senhores de metade da Itália: a ideologia do poder estava dando seus frutos.
Autor: Carlo Bússola, professor aposentado de Filosofia da UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.
Nota e Comentários do IASD Em Foco
Temos aqui, na postagem destes excelentes artigos, enfatizado reiteradamente a erudição, imparcialidade e honestidade intelectual do Dr. Carlo Bússola. Tudo o que ele escreve aqui em termos de História e a “ideologia de poder dos bispos” é fidedigno...
Numa carta que mandou ao imperador Leão, do Oriente, entre outras coisas escrevia: "Deixai que os fiéis apliquem ao embelezamento da casa de Deus as riquezas que tiram de Satanás. Não priveis os pais e as mães de mostrarem aos filhos as imagens dos santos. Não desvieis os simplórios da veneração que têm pelas representações das histórias santas. A credulidade dos povos é a vossa força como é também a nossa". (M. Lachatre; op. cit.; v.I. pág. 310).
Por mais que esta verdade doa aos católicos sinceros – e eles existem aos milhões – isso não se aplica ao Cristianismo como um todo, mas, sim, à Igreja Católica Apostólica Romana. Este poder que, como estava profetizado centenas de anos antes, nas suas duas fases (imperial e papal) substituiria a Verdade da Palavra de Deus pelas mentiras das tradições humanas.
Vejamos, de forma sucinta, o que diz a Bíblia sobre isso:
“De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou” (Daniel 8:9-12).
Foi Roma, repetimos e provamos bíblica e profeticamente, que nas suas duas fases – imperial e papal – atacou todo o conjunto de verdades bíblicas e o jogou por terra. É o quarto animal de Daniel 7 (ler: Daniel 7:7) exatamente o quarto Império Mundial e, das suas cinzas, surge um poder (Roma papal) simbolizado pelo “chifre pequeno” ou “ponta pequena” (ler: Daniel 7:8, Apocalipse 13:1-10).
Nosso Senhor Jesus e profetas e escritores bíblicos já haviam advertido sobre o gravíssimo perigo de substituir a Palavra de Deus pelas tradições humanas:
“Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós o Mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? [...] E, assim, invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mateus 15:3 e 6).
“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mateus 15:8-9).
“E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente [com astúcia, falsificações da verdade, embustes, enganos de toda sorte] rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Marcos 7:7-9).
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia [os padres dão show de filosofia: Tenho amigos que estudaram em seminários católicos e, hoje, são padres. Com eles é assim: Filosofia 10 X Bíblia 0] e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8).
Quando entram em campo questões religiosas, espirituais, questões de salvação: das quais dependem o nosso destino terno, é bom lembrar sempre que:
- O importante não é o que o presbítero diz!
- O importante não é o que o missionário diz!
- O importante não é o que o evangelista diz!
- O importante não é o que o bispo diz!
- O importante não é o que o obreiro diz!
- O importante não é o que o “apóstolo” diz!
- O importante não é o que o padre diz!
- O importante não é o que o pastor diz!*
- O importante não é o que o teólogo diz!
O importante é o que Deus diz!!! O importante, e nisto está a nossa segurança eterna, é o que a Palavra de Deus diz!!! E ela nos ordena:
“Retirai-vos dela, povo Meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Apocalipse 18:4).
Ela nos indica para onde devemos ir e que caminho devemos seguir, em meio aos enganos finais dos últimos dias:
“Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os Mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14:12).
* Digo isso na condição acadêmica e espiritual de quem cursou 3 faculdades (reconhecidas pelo MEC, incluindo Teologia) e uma Pós-Graduação em Ciências da Religião. Nesse caso não importa títulos ou formação acadêmica: o que importa é o conhecimento da Palavra de Deus – deixar Deus falar e o Espírito Santo agir...
Para Quem Quiser Saber Mais Sobre o Assunto:
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