O Primado, do começo até o ano 1000

Por serem bispos da capital do Império Romano, os bispos de Roma sempre sonharam com o poder

 

 

No ano de 870 foi realizado o IV Concilio de Constantinopla, que condenou Fózio e reafirmou a legitimidade do culto das imagens sacras. Este foi o oitavo concilio ecumênico e o último a ser realizado no Oriente.

 

Era bispo de Roma Adriano II e haviam se passado cerca de 24 anos desde que a Sé romana havia forjado o "Pseudo-Isidoro" (veja artigo passado n" 636).

 

Pois bem! Até esta altura nenhum cristão, bispo ou simples fiel, havia lançado ou propagandeado a idéia do Primado do bispo de Roma sobre a Igreja Universal. Ainda havia cinco patriarcados: Bizâncio, Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Roma.

 

Nenhuma destas cinco igrejas tinha poderes de qualquer espécie sobre a Igreja Universal. O imperador, às vezes (é importante frisar este "às vezes", pois dependia sempre de situações políticas e até humorais) reconhecia ao bispo de Roma o título de "primus inter pares", o que não significava nenhuma jurisdição eclesiástica sobre quem quer que fosse; isso aparece claro nos cânones: 13", 17°, 21", 26°.

 

Os teólogos católicos, para dizer que o patriarcado de Roma tinha uma jurisdição especial, invocavam o cânon 2o: ledo engano! Pois este cânon 2o era uma simples congratulação ou, se quiser, uma adesão especial ao procedimento de Nicolau I e Adriano II em suas lutas contra Fócio.

 

O texto em língua latina do cânon 2" se encontra em "Concilia ecumenica", do historiador Labre(Ed. de Paris; 1671; T. XII).

 

A invenção do "Primado" é totalmente romana. Quem quiser avaliar esta espúria situação teológica, é só considerar os fatos históricos:

 

Primeiro: por 870 anos nenhum concílio ecumênico foi convocado pelo bispo de Roma. Os grandes concílios e sínodos foram sempre convocados pelos imperadores sem perguntar nada ao bispo de Roma. Dois bispos romanos, Inocêncio e Leão Magno, não queriam sínodo nenhum, mas tiveram que aceitar a vontade do imperador.

 

Segundo: a presidência dos grandes concílios muito raramente era concedida por breve período de tempo ao representante do bispo de Roma. Não tiveram a presidência em Nicéia (325), nem nos dois sínodos de Éfeso (431 e 449), nem no Concílio de Constantinopla em 553. Os enviados do bispo de Roma só tiveram a presidência em Calcedônia (451) e no VI de Constantinopla (680).

 

Terceiro: os decretos dogmáticos, ou as leis administrativas para a Igreja Universal, nunca foram confirmadas pelo bispo de Roma. Às vezes lemos em pequenas histórias da Igreja que o papa tal confirmou ou aprovou os decretos tais... e tais...

 

Isso acontecia quando tratava-se de pequenos sínodos de uma ou outra região da Europa que estava ligada ao patriarcado de Roma; nunca quando se tratava de concílios ecumênicos que envolviam toda a Igreja.

 

Quarto: pelo prazo de mil anos nenhum bispo de Roma dirigiu decisões sobre matéria de fé e costumes à Igreja Universal. As declarações romanas sempre chegavam a esta ou àquela igreja particular por intermédio de sínodos regionais ou locais e nunca eram aceitas se antes não fossem aprovadas sinodalmente: este é um ponto que deve ser muito bem frisado.

 

Quinto: nenhum bispo de Roma teve, nem em sonho, os poderes efetivos e reais da soberania: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O Poder Judiciário que em 343 foi concedido de forma pessoal e transeunte ao bispo Júlio pelo sínodo de Sárdica, não tem nada a ver com isto, haja vista que as igrejas do Oriente e da África não aceitaram essa disposição.

 

Aliás, os bispos africanos escreveram em 419 ao bispo de Roma, Bonifácio I (que tinha pretensões a isto): "Estamos resolvidos a não consentir jamais esta usurpação". (Non sumus jam istum tipum possuri";  em  "Epist. Pont."; Ed. Constant.; pág. 1013).

 

Nestes mil anos de cristianismo o único modo de governar as igrejas particulares ou o conjunto de todas as igrejas era por meio de sínodos e concílios onde se reuniam todos os bispos de uma região (sínodos) ou os bispos da Igreja Universal (concílios). Não havia, em Roma, nem cúria nem delegados.

 

Sexto: por um prazo de mil anos nunca bispo algum pensou em pedir ao bispo de Roma qualquer dispensa que fosse das decisões dos sínodos ou dos concílios. O tal poder de "atar e desatar" (conceder ou negar o perdão dos pecados) era igual para todos os bispos.

 

Sétimo: os bispos de Roma não tinham o poder de excomungar, no Sentido hodierno. Um bispo podia cortar ura fiel da sua comunhão, mas não da comunhão de outros bispos.

 

Oitavo: até o sínodo de Sárdica (343), nenhum bispo de Roma ousou dizer que São Pedro deixou uma certa primazia aos seus sucessores. Só depois de Sárdica, com o bispo Julio I, é que se tentou afirmar um direito positivo de alta judicatura, esquecendo que o poder concedido a Julio I foi pessoal, intransferível e transeunte.

 

O fato era tão evidente que o bispo Inocêncio I (402-417), para afirmar a sua autoridade sobre a Igreja, não se apoiou nos sínodos, mas em alguns padres conciliares; o mesmo fez Zósimo (417-418), afirmando que esses padres conciliares (do círculo dele) haviam lhe concedido o privilégio de julgar em última instância.

 

Foi somente no Concilio de Éfeso (431) que os delegados romanos declararam que "Pedro, a quem Cristo havia dado o poder de atar e desatar, continua a viver e julgar em seus sucessores" (Mansi; "Concilia Oecumenica"; IV; pág. 366). Mas ninguém lhes deu importância.

 

O bispo Leão I a toda hora reivindicava este poder... E, no entanto, o Concilio de Calcedônia, no célebre cânon 28° declarou que se os padres conciliares reconheceram uma certa proeminência ao bispo de Roma era por causa da posição política da cidade que era o centro do império.

 

Então Leão I calou-se e aceitou que a Igreja romana se pusesse no mesmo lugar que a Igreja de Constantínopla, isto é: nenhuma posição de destaque. Por isso, esse bispo romano Leão I havia forçado o imperador Valentiniano III a emitir um edito em benefício da Igreja de Roma ordenando que todos os bispos do Ocidente estivessem submetidos ao bispo de Roma.

 

E antes de morrer o mesmo Leão I dizia que ele se apoiava no 6o cânon do Concilio de Nicéia (325), que dava à Sé de Roma os direitos sobre parte das igrejas italianas: o poder! Sempre o poder político-eclesiástico!

 

Nono: o bispo romano Gregório Magno (590-604) rejeitou com horror o título de "bispo ecumênico" (universal) entendido como plenitude da autoridade eclesiástica. Ele chegou a chamar este título de "criminoso e blasfemo a Deus” (ver sua epíst. 18°: "Ad Johannem"; L. V; e a epist. 30a “Ad Eulogium"; L. VIII).

 

Décimo: havia muitas igrejas que nunca se submeteram ao bispo de Roma e ainda hoje não se submetem, sem, todavia, deixarem de considerar-se cristãs. Eram e ainda são as chamadas "Igrejas Autocefalas", a mais antiga das quais é a da Armênia, que eu conheci na Síria por intermédio de seu bispo, o padre Andrauss.

 

Também na Mesopotâmia nas regiões ocidentais do antigo império sassânido, como por exemplo a Igreja siro-persa.

 

O mesmo aconteceu com a Igreja etiópica e egípcia. Em nenhuma destas igrejas jamais chegou o braço de Roma! Por muitos séculos também ficaram autônomas as igrejas irlandesas e da Antiga Bretanha.

 

Cada uma destas igrejas tem seus evangelhos, seus sacramentos, suas ordens sagradas, e, sobretudo, uma profunda e total devoção à pessoa do Senhor Jesus.

 

Em 1274 Santo Tomás de Aquino, a pedido do bispo de Roma, introduziu pela primeira vez na Teologia a tese do Primado Romano. Depois vieram os jesuítas, que conseguiam fazer da tese do Primado um dogma de fé que inclui o poder monárquico e a autoridade absoluta de magistério.

 

Deste modo o bispo de Roma se apoderou do cristianismo de Jesus Cristo, com a pequena exceção daqueles que não se deixaram laçar...

 

Este é o motivo pelo qual grande número de teólogos pensam que o "episcopado universal" do papa nunca será reconhecido pelos ortodoxos; mas também duvidam que este "episcopado universal" do papa seja realmente um dogma definido pelo Concilio Vaticano I: veja: L. Oeing-Hanhoff, em "J. Ratzinger": "Dienst an der Einheit"; Dusseldorf; 1978; pág. 130. Veja também: H. J. Vogels; "Priester dürfen heirateri"; Bonn; 1992.

 

 

Autor: Carlo Bússola, professor aposentado de Filosofia da UFES

Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.

 

Nota e Comentários do IASD Em Foco

 

Temos aqui, na postagem destes excelentes artigos, enfatizado reiteradamente a erudição, imparcialidade e honestidade intelectual do Dr. Carlo Bússola. Tudo o que ele escreve aqui em termos de História e a “ideologia de poder dos bispos” é fidedigno...

Analisem com “espírito desarmado” e sinceridade as seguintes colocações do Dr. Carlo Bússola: 

“[...] por 870 anos nenhum concílio ecumênico foi convocado pelo bispo de Roma. Os grandes concílios e sínodos foram sempre convocados pelos imperadores sem perguntar nada ao bispo de Roma”.

“[...] pelo prazo de mil anos nenhum bispo de Roma dirigiu decisões sobre matéria de fé e costumes à Igreja Universal”.

Foi somente no Concilio de Éfeso (431) que os delegados romanos declararam que "Pedro, a quem Cristo havia dado o poder de atar e desatar, continua a viver e julgar em seus sucessores" (Mansi; "Concilia Oecumenica"; IV; pág. 366). Mas ninguém lhes deu importância.

 

O bispo romano Gregório Magno (590-604) rejeitou com horror o título de "bispo ecumênico" (universal) entendido como plenitude da autoridade eclesiástica. Ele chegou a chamar este título de "criminoso e blasfemo a Deus”.

Por mais que esta verdade doa aos católicos sinceros – e eles existem aos milhões – isso não se aplica ao Cristianismo como um todo, mas, sim, à Igreja Católica Apostólica Romana. Este poder que, como estava profetizado centenas de anos antes, nas suas duas fases (imperial e papal) substituiria a Verdade da Palavra de Deus pelas mentiras das tradições humanas.   

Vejamos, de forma sucinta, o que diz a Bíblia sobre isso:

“De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou” (Daniel 8:9-12).

Foi Roma, repetimos e provamos bíblica e profeticamente, que nas suas duas fases – imperial e papal – atacou todo o conjunto de verdades bíblicas e o jogou por terra. É o quarto animal de Daniel 7 (ler: Daniel 7:7) exatamente o quarto Império Mundial e, das suas cinzas, surge um poder (Roma papal) simbolizado pelo “chifre pequeno” ou “ponta pequena” (ler: Daniel 7:8, Apocalipse 13:1-10).

Nosso Senhor Jesus e profetas e escritores bíblicos já haviam advertido sobre o gravíssimo perigo de substituir a Palavra de Deus pelas tradições humanas:

“Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós o Mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? [...] E, assim, invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mateus 15:3 e 6).

“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mateus 15:8-9).  

“E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente [com astúcia, falsificações da verdade, embustes, enganos de toda sorte] rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Marcos 7:7-9).

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia [os padres dão show de filosofia: Tenho amigos que estudaram em seminários católicos e, hoje, são padres. Com eles é assim: Filosofia 10 X Bíblia 0] e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8).  

Quando entram em campo questões religiosas, espirituais, questões de salvação: das quais dependem o nosso destino terno, é bom lembrar sempre que:

- O importante não é o que o presbítero diz!

- O importante não é o que o missionário diz!

- O importante não é o que o evangelista diz!

- O importante não é o que o bispo diz!

- O importante não é o que o obreiro diz!

- O importante não é o que o “apóstolo” diz!

- O importante não é o que o padre diz!

- O importante não é o que o pastor diz!*

- O importante não é o que o teólogo diz!

O importante é o que Deus diz!!! O importante, e nisto está a nossa segurança eterna, é o que a Palavra de Deus diz!!! E ela nos ordena:

“Retirai-vos dela, povo Meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Apocalipse 18:4).

Ela nos indica para onde devemos ir e que caminho devemos seguir, em meio aos enganos finais dos últimos dias:

“Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os Mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14:12).

 * Digo isso na condição acadêmica e espiritual de quem cursou 3 faculdades (reconhecidas pelo MEC, incluindo Teologia) e uma Pós-Graduação em Ciências da Religião. Nesse caso não importa títulos ou formação acadêmica: o que importa é o conhecimento da Palavra de Deus – deixar Deus falar e o Espírito Santo agir...

 

Para Quem Quiser Saber Mais Sobre o Assunto:

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