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postado em: 23/4/2008
Paradigmas de Sucesso Salomão ocuparia facilmente as páginas das revistas de tititi semanal, e certamente no topo da lista dos dez mais: os dez mais bem vestidos, os dez maiores empreendedores, os dez mais sedutores, e por aí vai. Imagino que seria capa de revistas para homens de negócios e sua foto seria muito popular nas revistas que fazem a moldura dos salões de cabeleireiros e consultórios dentários. Apareceria cada semana ao lado de uma beldade sorridente, seria case de empresário de sucesso, estadista com maior índice de popularidade e, muito provavelmente, ganharia Nobel em alguma coisa – talvez em literatura. Salomão, filho de Davi, rei em Jerusalém, seria o paradigma de sucesso. Também contribuiria para a audiência dos programas tipo “gente famosa no sofá”. O que a Bíblia conta a respeito de Salomão deixa os mais narcisos dos nossos se mordendo de raiva. As Escrituras dizem que ele teve 700 mulheres e 300 amantes. Foi o mais sábio do seu tempo. O mais rico. Seu povo comia, bebia e era feliz. Seu reino era inabalável. O homem era bom de romance, de negócios e de cabeça. Era um ícone da tríade mais celebrada de todos os tempos: poder, dinheiro e sexo, um digno representante do tripé do paraíso neoliberal – controle, conforto e prazer. Uau! Coisa para muito poucos mortais. O homem ideal, ponto de chegada de todo mundo que embalou na rat race do mundo ocidental, a corrida dos ratos pela trilha da fama e da prosperidade. Salomão mereceria enfoque. Mas Deus o tirou de cena. Rasgou sua foto da revista que os anjos lêem e que motiva a celebração da grande nuvem de testemunhas que anima o céu. O alfinete celestial fez murchar o balão mais inflado das páginas das Escrituras sagradas. O gigante tombou – e a queda foi grande. Não foi pior porque Deus o poupou por amor ao seu pai, Davi; esse sim, rei com todas as letras, com “R” dourado, prelúdio do Rei dos reis. Salomão foi o terceiro dos reis que ocuparam o trono de Israel enquanto foi um reino unido. Foram 120 anos, quarenta para cada rei: Saul, Davi – seu pai – e ele, Salomão. Se Saul representa o homem cujo coração jamais esteve nas mãos de Deus e Davi, o homem segundo o coração de Deus, Salomão representa a maioria absoluta de nós – pessoas com o coração dividido. Sua biografia é paradoxal, e começa maravilhosamente bem. Ele consegue ficar em pé diante de uma das mais estonteantes declarações de Deus a um homem: “Peça-me o que quiser, e eu lhe darei”. Então, pede sabedoria, capacidade para discernir entre o bem e o mal, senso de justiça para governar. O Senhor atende seu pedido e lhe faz promessas de fama, prosperidade e grandezas jamais vistas sobre os ombros de um mortal. Salomão abraçou tudo quanto Deus lhe prometeu e desfrutou de cada uma das benesses do divino. O paradoxo de sua história está revelado em Deuteronômio 17, onde Deus adverte que um rei de Israel jamais deveria acumular cavalos, isto é, exércitos, e também mulheres e tesouros. Mas aí é que está a confusão – o mesmo Deus que proíbe, promete. O mesmo Deus que, com mãos cautelosas, traça um risco de segurança no chão, apaga a marca com mãos dadivosas. O mesmo Deus que empacota o paradigma de sucesso e sela com estampa de proibido abre a caixa e coloca tudo em cima da mesa, à vista e ao alcance das mãos. Afinal de contas, meu Senhor e meu Deus, diria Salomão, o poder, as mulheres e os tesouros são proibidos ou legítimos? São coisas que jamais poderei ter nas mãos ou presentes que graciosamente me dás? Aí está o paradoxo, o dilema que o sábio não discerniu. Poder, dinheiro e sexo são ao mesmo tempo realidades das quais se deve fugir e benesses de que se deve desfrutar. Controle, conforto e prazer são tanto perigos que assolam a alma como experiências que definem o paraíso. Tentação e bênção, ao mesmo tempo – depende da maneira como nos relacionamos com elas, do coração que com elas convive e delas desfruta. Deus não cercearia o acesso do homem àquilo que ele mesmo promete. Não chamaria de ilegítimo algo que ele mesmo concede, nem trataria como transgressão a posse do que oferece. A discussão não é a respeito de ter ou não ter determinadas coisas A discussão é acerca de que lugar tais coisas ocupam no coração de quem as tem. O problema não é tanto o dinheiro, mas muito mais o amor ao dinheiro. A questão não é quanto se tem para comer, beber e vestir, mas sim a preocupação, ansiedade obsessão a respeito disso em detrimento da justiça do Reino de Deus. Em síntese, não é o que você tem, mas se o que você tem também tem você. Ou, como diz o poeta, quem é mesmo o dono de quem. Há gente de todo tipo, e basicamente, de dois tipos: gente que precisa ter e gente que já descobriu que o segredo não está na posse, mas no coração. Gente obcecada e gente desencanada. Quem é obcecado pode ter tudo, mas sempre sentirá a falta, pois “tudo não será bastante”. Gente desencanada pode não ter nada, mas viver como se esse nada fosse suficiente. Quem não está satisfeito com pouco não ficará satisfeito com muito – “Mais da mesma coisa nos deixa no mesmo lugar”, ensinou Hans Bürki. E, para quem está satisfeito com pouco, o muito é irrelevante; pode vir e pode não vir, tanto faz. Quem encontrou a liberdade é capaz de mandar e obedecer, ter e não ter, rir e chorar, com a mesma grandeza de alma. Não sou bobo nem nada. Concordo com o judeu que disse “Fui rico, agora sou pobre. Ser rico é melhor”. Fico com sir Churchill, quando afirmou “Não sou um homem exigente; contento-me com o melhor”. Faço coro com João, apóstolo, que nos deseja a prosperidade em tudo, principalmente na alma. Mas sei que o segredo mesmo está em alcançar a sabedoria que Salomão mesmo descobriu: “Maior é aquele que conquista a si mesmo do que aquele que conquista uma cidade”. Ou, como Jesus ensinou: Ganhar o mundo sem perder a alma, ou jamais ter qualquer coisa que exija a alma em troca. Doar sempre. Ter para dar. Aprender a viver contente, pleno e satisfeito em qualquer situação. Acho que ainda não aprendi – mas ainda chego lá. Autor: Ed René Kivitz, escritor, conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo Fonte: Eclésia, edição 99.