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postado em: 14/5/2008
O Monge e o Executivo Este é o título do livro do momento no mundo corporativo, escrito pelo consultor norte-americano James Hunter e com mais de 100 mil exemplares vendidos no Brasil. Ele conta a história de um executivo que busca respostas para seus problemas pessoais e profissionais num mosteiro beneditino. Publicado em 1998 com o título original The servant (“O servo”), o livro defende que “liderar é servir” e deu origem a um outro livro, ainda não publicado em português, cujo título seria algo como “O mais poderoso princípio de liderança: como se tornar um líder servidor”. O fenômeno foi capa da revista Você S.A. no mês de abril, que aborda o tema “Seja o líder que as empresas precisam”. Ali, o líder é apontado como alguém ético, que serve à equipe em vez de ser servido. Segundo a reportagem, ele coopera com os colegas, não tem vergonha de dizer que precisa da equipe para crescer e, pasmem, é espiritualizado. O que chama a atenção é a distinção que se faz entre religiosidade e espiritualidade, esta última definida como capacidade de pensar, sentir e agir com base na crença de que existe algo maior do que os aspectos materiais. “É uma postura de vida, não envolve rituais”, diz o texto; “tem elementos comuns a todas as religiões, como amor, esperança, liberdade, igualdade”. James Hunter é entrevistado e contribui com algumas pérolas baseadas no modelo de liderança de Jesus. Por exemplo: “As pessoas devem seguir você de livre e espontânea vontade. Isso significa liderar baseado na autoridade, e não no poder”, e também que “muitas vezes as organizações usam apenas as pernas, braços e mãos dos funcionários. Nesse caso, a empresa conta com eles do pescoço para baixo. Para ser bem sucedida, é preciso contar com os funcionários do pescoço para cima”. Uma pesquisa do Instituto Gallup apontou que “dois terços dos funcionários que deixam seus empregos na verdade estão se demitindo de seus chefes e não das empresas”. O trecho que mais gostei trata da relação de amor no trabalho: “Nós associamos essa palavra [amor] a sentimento. Mas o que importa é o comportamento. O verdadeiro amor significa espontaneamente servir o outro e ajudá-lo a ser o melhor que ele pode ser. Esse é o grande teste da liderança. Quando as pessoas partem, elas estão melhores do que quando chegaram? Se desenvolveram? São profissionais melhores? Ajudá-las a fazer isso exige amor – o que não significa ser bonzinho. Algumas vezes, amar significa ‘abraçar’. Em outras, ‘bater’. É isso o que precisamos entender. Amar é uma escolha”. A proposta do “líder servo”, baseada no modelo de liderança de Jesus, não é nova. Foi desenvolvida por Bill Hybles, Ken Blanchard e Phil Hodges, em Liderando com a Bíblia (Editora Campus) e também por Gene Wilkes, em O último degrau da liderança (Mundo Cristão), entre outros autores. Espiritualidade no ambiente de trabalho é um dos temas do momento. As pessoas desejam mais do que a remuneração ao fim do mês. Desejam alinhar sua atividade profissional com seus valores mais profundos, experimentar a sensação de fazer diferença, encontrar um sentido perene para o trabalho e vivenciá-lo como caminho de amadurecimento e realização pessoal. Como disse o teólogo Leonardo Boff, “a espiritualidade está relacionada com aquelas qualidades do espírito humano – tais como amor e compaixão, paciência e tolerância, capacidade de perdoar, contentamento, noção de responsabilidade, noção de harmonia, que trazem felicidade tanto para a própria pessoa quanto para os outros (...) Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca desenfreada de bens materiais, da compra, do negócio e do interesse. As cinzas de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E então irradiaremos. Seremos como o sol”. Então, já não basta cumprir horários, desempenhar funções e realizar tarefas. Queremos trabalhar em “ambientes espirituais”, sacudir as cinzas e expressar nossa chama sagrada, curtir a felicidade coletivamente. Imaginei um encontro com estes consultores de espiritualidade–trabalho–negócios, onde pudéssemos oferecer nossas comunidades cristãs como espaço para seminários vivenciais voltados a executivos e profissionais liberais que desejassem se aperfeiçoar na liderança espiritual e aprender como ser um líder servo. Mas confesso que não sei se daria certo. Suspeito que nossos bastidores eclesiásticos e nossas “empresas cristãs” não diferem muito da selva que é o mundo dos negócios e os departamentos de qualquer empresa secular – competição desleal, fraudes contábeis, puxadas de tapete, sonegação, plágios, informalidade, inadimplência e outros horrores fazem parte do nosso dia-a-dia. Além disso, temos ambientes nocivos, construídos por pessoas que escondem sua incompetência atrás de uma pseudo-espiritualidade. É gente que tenta amenizar as exigências das relações profissionais confundindo “cliente” com “irmão” e acredita que tem licença para o destrato, a estupidez, a falta de educação e a negligência, tudo em nome do perdão. Também conhecemos líderes despóticos cujas igrejas são negócios de família. Eles lêem a cartilha de Maquiavel mais do que a Bíblia e usam os mesmos chavões gospel-espirutualóides para explorar, remunerar mal, abusar emocionalmente, usurpar direitos e injustiçar seus funcionários. Fiquei imaginando os modernos consultores numa reunião de presbitério ou diretoria de uma igreja local, onde os líderes oriundos das famílias fundadoras da instituição lutam pela manutenção do seu poder em detrimento das lideranças emergentes. Fiquei imaginando as centenas e milhares de igrejas e impérios eclesiásticos liderados com mão de ferro por um homem (ou mulher) só. Concluí que talvez fosse mais adequado contratar o James Hunter como consultor do que oferecer nossas comunidades como parceiras do processo de desenvolvimento uma liderança eficaz para a sociedade brasileira. Autor: Ed René Kivitz é escritor conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo Fonte: Eclésia, Edição 110.