Digite uma palavra chave ou escolha um item em BUSCAR EM:
postado em: 22/8/2008
Crente Neurótico Os distúrbios de personalidade podem afetar os religiosos, mas não são causados pela verdadeira religião. É muito difícil saber, quando se usa a palavra religião, a que a pessoa está se referindo. Pode ser uma ordem, uma igreja, uma experiência, um ritual, tudo isso. Pelo fato de não se saber a que se está referindo, num artigo anterior tentei esclarecer que religião verdadeira é uma experiência pessoal, interior, honesta, que vem do coração com uma entrega plena de si mesmo para aquilo em que se acredita. É uma visão que se opõe à religião exterior, utilitária, superficial e mercantilista. Aquela que, em vez de andar seguindo o jeito de Deus, procura fazer Deus andar do nosso jeito. Uma pessoa com tal religião é chamada de mero moralista humano pela escritora E. G.White no livro Parábolas de Jesus. O problema entre religião e psicologia começa a se configurar quando a religião deixa de ser um convite e passa a ser uma imposição individual, familiar ou estatal. Como convite ela é democrática, mas como imposição passa a ser autoritária, ditatorial e perigosa. Não importa a organização, a ordem ou seita. Os conflitos entre religião e psicologia ficam mais evidentes quando o psicólogo tenta explicar a religião tendo como objeto de estudos os distúrbios de personalidade, quer sejam nos seus aspectos emocionais, cognitivos, sexuais ou comportamentais. Daí generalizam para confirmar ou negar a existência de Deus. É um método totalmente inadequado de estudo da religião, principalmente para confirmar ou não a existência de Deus. A situação se agrava ainda mais quando o teólogo (não necessariamente o religioso), como o intelectual da religião, deixa seu objeto de estudo e tenta explicar (na maioria das vezes, combater) a psicologia. Claro que numa atmosfera de pontos de vistas opostos dificilmente vão chegar a um acordo, em especial quando os preconceitos de ambos os lados prevalecem nas investigações. Essa divergência era maior no início do século por causa de algumas afirmações precipitadas de Freud. As necessidades dos seres humanos têm forçado uma reavaliação e uma reaproximação. É em função das necessidades humanas que me aventuro a escrever esta série de artigos sobre psicologia e religião. Acredito que, quanto mais perto da verdade se chega, menos divisão existe, menos preconceito governa as interações e mais abertura se percebe para uma compreensão definitiva do homem - criatura de Deus em busca de uma comunhão perdida com o Criador; criatura dependente do Criador que através da religião pode religar-se e retornar ao paraíso. Mas, ao mesmo tempo, é uma criatura com uma natureza própria que, quanto mais compreendida pela psicologia, mais verdadeiro se torna na sua busca, na sua comunhão, na sua entrega, no seu retorno ao paraíso. Muitas vezes, o objeto de estudo da psicologia e da religião se entrelaça. Ambas se preocupam com o homem, com o comportamento, com a conduta, mas o enfoque, as pressuposições e os paradigmas de que partem são diferentes. Não é meu propósito embrenhar-me por estes campos, mas focalizar alguns ângulos que possam nos ajudar a ter uma vida religiosa mais tranqüila e menos neurótica. Normal e anormal Vamos mergulhar diretamente no lago profundo dos distúrbios de personalidade. O comportamento do indivíduo pode ser normal ou anormal. Apesar de não haver acordo na definição de anormalidade, todos reconhecem que alguns comportamentos são estranhos, absurdos, esquisitos, impróprios, fora de propósito e de lugar. Parece que ultimamente esses comportamentos estão se multiplicando. Chega ao ponto de alguns pensarem que estamos vivendo em tempos malucos, numa era de loucura. Não importa se o comportamento é normal ou não. O fato é que ele reflete a forma que o indivíduo julga ser mais apropriada para satisfazer suas necessidades. A adequação ou inadequação do comportamento do indivíduo está sujeita a dois fatores em forma de pressão: a pressão externa, do ambiente, personalizada nas dificuldades familiares, nos problemas maritais, na discriminação racial, social, econômica, cultural, sexual, nos problemas educacionais, vocacionais ou profissionais; e a pressão interna, interior e pessoal, manifestada através dos conflitos, dilemas e dubiedades entre o amor e o ódio, o sucesso e o fracasso, a independência e a dependência, o altruísmo e o egoísmo, a realidade e a fantasia. Da dinâmica inerente na interação da pressão externa com a pressão interna, o indivíduo sai rejeitado ou aceito, humilhado ou valorizado, ridicularizado ou respeitado, criticado ou elogiado, superprotegido ou confiante. Se as pressões forem criativas, positivas e estimulantes, o indivíduo se torna seguro, autêntico e disposto a correr os riscos impostos pelas tarefas de vida cotidiana. Se as pressões forem improvisadas, negativas, inibidoras e constrangedoras, vão fazer com que o indivíduo saia marcado pela insegurança, inferioridade, timidez, culpa e vergonha de ser o que é. Com esta carga negativa se desqualifica para as soluções dos problemas impostos pela luta em favor de sua sobrevivência. Seu comportamento começa a ser tumultuado pela ansiedade do inesperado, pela preocupação com o insignificante, pela irritação com as variações, pela apreensão com o depois, pela hostilidade contra todos, pelo nervosismo consigo mesmo. Daí, entra num beco sem saída, numa busca desesperada de perfeccionismo, frustração e autopunição. Ao caminhar pelas sendas do fracasso, no seu processo de desenvolvimento, o indivíduo desemboca na patologia da neurose ou psicose. É nesse campo da patologia psíquica que muitos críticos da religião a colocam. Entretanto, uma religião verdadeira, aquela em que o caráter do Criador se revela na criatura, a justiça de Cristo é aceita pela fé, o bem é praticado e as obras confirmam a fé de um coração honesto, não tem nada de patológico. Por outro lado, uma religião mercantilista, de troca, que tenta transformar Deus à nossa imagem, colocando-O à nossa disposição como servo, pode virar patologia. Neurose e Psicose Para entender melhor as relações entre religião e patologia, é necessário dar uma olhadinha nas características da neurose e depois da psicose. Um neurótico é uma pessoa em constante estado de conflito. Ele não tem conflito, é conflitado. Tem dúvida do que vai fazer e se arrepende do que fez. Como conseqüência, é hipersensível e vive com os “nervos à flor da pele”. Então, sua relação é sempre exagerada. Não importa se é um elogio ou uma crítica. Aliás, ele não aceita nem uma coisa nem a outra, porque é muito egocêntrico. Só pensa, vê e percebe a si mesmo: suas esperanças, seus sentimentos, seus desejos, muitas vezes caprichos, sua ambições. O outro não existe. Representa uma imaturidade emocional muito grande, sem condição de uma vida autônoma, independente e auto-suficiente. Para compensar, busca neuroticamente um parceiro ou alguém de quem depender para satisfazer suas necessidades. Tem uma vida ineficiente, porque experimenta muitas frustrações emocionais. Avalia e interpreta mal os problemas e dificuldades do meio. Ele é incapaz de harmonizar suas necessidades e desejos com as obrigações sociais e exigências da vida. Vive com dores pelo corpo, ou seja, reclamando de dores que não correspondem a uma causa orgânica. Com tudo isso, acaba numa insatisfação e infelicidade crônicas. Deixemos o neurótico e vamos para o psicótico. Enquanto o neurótico pode levar uma vida normal, o psicótico não. O psicótico, por perder o contato com a realidade, torna-se incapaz de cuidar das obrigações e deveres requeridos no dia-a-dia de qualquer um. Pode perder a capacidade de se orientar no ambiente, no tempo e no espaço, perdendo às vezes a própria identidade. Mas os dois sintomas mais complicados são a ilusão e a alucinação. Por ilusão se entende uma crença falsa, absurda logicamente, ou com provas concretas do contrário, mas que o indivíduo continua defendendo com veemência. É uma ilusão ou crença que nada tem a ver com ignorância, preconceito ou falta de informação, características da maioria dos mortais. A ilusão do psicótico é persistente e prejudica sua relação com o mundo. Como se trata de crença, e em religião a crença é a base da salvação, vamos entrar mais fundo no conceito de ilusão de culpa e pecado. Sua primeira ilusão é a crença, sem fundamento, de ter cometido um pecado horrível e imperdoável, cujas conseqüências provocaram uma calamidade para os outros e de que jamais, jamais será perdoado (nada tem a ver com o pecado contra o Espírito Santo). A segunda ilusão é a hipocondríaca. É a crença de que seja portador de uma doença incurável, horrível e que ninguém descobre. Em função da doença, emite mau cheiro e acha que está apodrecendo ou sendo comido. A terceira ilusão é de niilismo, a crença de que nada existe. Vive num mundo de sombras, de espíritos, de neblina, de vapor. Na quarta ilusão, o ponto central é a perseguição. Não é uma sensação passageira, mas uma crença de estar sofrendo interferência direta, sendo discriminado, ameaçado e maltratado. (Você não precisa ficar com medo, porque se estiver lendo este artigo seu caso não é grave.) A ilusão de referência aparece como a crença de que as outras pessoas estão falando de você, referindo-se a você, desenhando sua vida em gibis, cinemas ou televisão. A sexta ilusão é de influência, a crença de estar sendo influenciado de várias maneiras, via instrumentos sofisticados de eletrônica que interferem com seus pensamentos ou derramam sujeira na sua mente. Por fim, há a ilusão de grandeza, a crença de ser uma pessoa nobre e importante, quer seja um político, físico, economista, profeta, religioso, o próprio Deus ou Seu enviado. Elas, as ilusões, circulam em tomo de problemas sexuais, religiosos e de valor pessoal ou auto-estima. São o resultado de elaboração dos vários meios de defesa do ego. A alucinação não é uma crença; é uma percepção. É a percepção de objetos e eventos na ausência de estímulo sensorial externo, concreto e real. A alucinação pode ser auditiva, quando se ouvem vozes ordenando o que fazer, criticando as ações tomadas, comentando sua conduta (geralmente, são vozes que conferem poder para interferir na vida dos outros e desempenhar uma missão no mundo); pode ser visual, quando enxerga coisas concretas ou abstratas; pode ser olfativa, quando sente odores quase sempre de gases venenosos e letais; pode ser gustativa, quando sente o paladar de veneno na comida, onde não há nenhum veneno. Além da fadiga, uso de drogas, delírio da febre e patologia cerebral, outros fatores podem levar à alucinação com um projeto bem-elaborado de projeção e o pensamento desejoso ou mágico. São formas de explicar ou compensar as dificuldades pessoais. É bom enfatizar que as diferenças entre o “normal” e o “anormal” são apenas uma questão de quantidade, de intensidade, de continuidade, e não de qualidade. É por isso que “de louco todo mundo tem um pouco”. Portanto, não se preocupe e relaxe! Autor: Dr. Belisário Marques (Doutor em Psicologia) Fonte: Sinais dos Tempos, janeiro de 98.