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postado em: 29/8/2008
A Entrevista Que Não Foi Publicada
Teólogo adventista fala sobre dispensacionalismo e acontecimentos finais
No fim de 2004, o Dr. José Carlos Ramos, professor de teologia no Unasp, campas de Engenheiro Coelho, SP, foi contatado por alguém do corpo editorial da revista Eclésia. Queriam que ele concedesse uma entrevista sobre Daniel e Apocalipse. Sete perguntas lhe foram enviadas por e-mail, duas das quais sobre o dispensacionalismo como forma de interpretação profética.
A revista, entretanto, publïcou apenas dois ou três parágrafos da entrevista, no contexto de uma ampla reportagem sobre o cumprimento profético dispensacionalista. Por essa razão, decidimos divulgar na integral, as respostas do professor José Carlos Ramos, uma vez que esse assunto é de interesse dos adventistas do sétimo dia.
O senhor acredita que estamos vivendo no fim dos tempos? Há base bíblica para se crer nisso?
José Carlos Ramos: Respondo com um enfático ‘sim!’: precisamente pelo que a Bíblia afirma. Para o leitor crente na Palavra de Deus não há como pensar de outro modo.
Poderia nos dar exemplos do testemunho bíblico sobre essa questão? Há outra evidência, além da bíblica, de que o fim está próximo?
Jesus disse: “Quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas” (Mt 24:33).
Em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 21, Jesus previu alguns fatos indicadores da proximidade do fim, entre os quais angústia entre as nações, homens desmaiando de terror (literalmente aconteceu quando as torres de Nova lorque caíram), guerras, fomes, pestes, terremotos, surgimento de falsos profetas, multiplicação da iniqüidade e a pregação do evangelho em todo o mundo. Tudo isso está ocorrendo.
O discurso de Jesus faz coro com o restante do Novo Testamento. Paulo afirmou (II Tm 3:1-5) que os dias finais seriam difíceis por causa do egoísmo, da arrogância, irreverência de homens mais amigos dos prazeres que de Deus, cruéis (todos testemunhamos a escalada galopante da violência), piedosos na aparência (muito da prática religiosa hoje é mero formalismo sem sentido), etc.
Fica a nítida impressão deque as palavras do apóstolo refletem o mundo atual. E Tiago fala do conflito entre o capital e o trabalho “nos últimos dias’ resultando em arrocho salarial por um lado e, por outro, em grandes fortunas acumuladas (Tg 5:1-6). Quem negaria o atual desequilíbrio econômico no mundo?
A tudo isso se somam as advertências de cientistas, estadistas e sociólogos quanto aos perigos da poluição, do aquecimento global, da explosão demográfica, dos avanços da Aids, do acúmulo de lixo não reciclável, da redução da camada de ozônio e das reservas de água potável, e outras questões.
Como alguns evangélicos, o senhor acredita na restauração de Israel, que muitos dizem ter começado em 1948, a reconstrução do templo em Jerusalém e mesmo o arrebatamento, como naquela série de livros “Deixados para trás’ como sinal da volta de Cristo?
Tenho dado atenção a esse assunto e chego à conclusão de que muito do que por aí se afirma é fruto mais de especulação do que de um estudo criterioso da Palavra de Deus. A série “Deixados para trás” comprova esse fato. Não há, por exemplo, um só texto que sugira um arrebatamento secreto da igreja sete anos antes da volta de Jesus. O único arrebatamento referido na Bíblia é o de I Tessalonicenses 4:16, 17 e textos paralelos, e que poderá ser qualquer coisa, menos secreto.
Esse texto fala de alarido (grego keleúsmati, “grito de comando”), voz do Arcanjo, sonido de trombetas, mortos que ressuscitam, salvos que sobem “para o encontro do Senhor nos ares’; etc. O que há de secreto aqui?
Além disso, o texto revela que o arrebatamento ocorrerá no momento da segunda vinda; não antes. São eventos simultâneos. E-nos dito que ele ocorrerá quando Jesus descer do Céu. Assim, se o arrebatamento vai ocorrer na volta de Jesus, não pode ser um sinal da proximidade dessa volta. A Bíblia desconhece qualquer dicotomia entre arrebatamento e segunda vinda.
Quanto à restauração de Israel, tenho também algumas reservas. Primeiramente, é preciso saber de que restauração se está falando: política, étnica, religiosa, ou qual? Pensamos apenas no sionismo, o atual processo de ocupação da Palestina pelos judeus? Então, o sentido da restauração é de ordem política.
Portanto, é temerário afirmar que a restauração política implica uma restauração religiosa que inclua a conversão dos judeus mais a reconstrução do Templo com o retorno dos sacrifícios do Antigo Testamento, como é suposto. A luz do Novo, todos os sacrifícios perderam a razão de ser com a morte de Jesus. Os judeus daquele tempo seguiram oferecendo tais sacrifícios porque O rejeitaram como Messias e Salvador, o que os privou do status de “nação eleita’: Não há, de fato, como imaginar um grupo de cristãos oferecendo holocaustos, etc.
Pode até ser que, com o sionismo, os judeus logrem os limites da extensão territorial a eles dada por Deus no passado. Isso, contudo, não traria qualquer significado escatológico especial, mesmo porque foram doze tribos, e não apenas judeus, que ocuparam aquela extensão nos tempos de Davi e Salomão, quando Israel, em toda a sua história, atingiu o máximo da ocupação territorial.
É mesmo impróprio falar de “restauração de Israel hoje porque dez das tribos que compunham essa nação se diluíram com o cativeiro assírio em 722 a.C. Biblicamente, Israel engloba doze tribos, e as profecias de restauração se aplicam a todas elas. Portanto, o que está acontecendo hoje na Palestina, com uma tribo só, não é cumprimento dessas profecias.
Prefiro, então, ficar com a revelação normativa do Novo Testamento, segundo a qual a igreja, constituída de judeus e gentios (Rm 9:24), é o novo Israel. Deus sabe a que tribo cada membro pertence. A dedicatória da epístola de Tiago é verdade quanto a todo o Novo Testamento; ele a dedicou às doze tribos que se acham dispersas (1:1), as quais permanecerão assim até que o Senhor retorne e envie “os Seus anjos” para reunir “os Seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mt 24:3 1). Aí, e só aí, será Israel plenamente restaurado (Rm 11:25, 26).
Acerca dos judeus é dito que a ira “sobreveio contra eles, definitivamente” (grego eis télos, “até o fim” — lTs 2:15, 16). Isso, naturalmente, não significa que eles estejam fora do alcance da salvação. Paulo deixa claro que, individualmente, podem se converter (2Co 3:16), e isso é uma indicação de que não foram totalmente rejeitados (Rm 11:1).
O Israel étnico, como qualquer outra nação, tem direito ao evangelho porque “Deus a todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos” (v. 32). Creio, também, que Deus tem um plano especial com os judeus para a conclusão de Sua obra na Terra, mas jamais nos termos do dispensacionalismo.
Até que ponto séries como “Deixados para trás” são benéficas para a evangelização e esclarecimento dos evangélicos, já que há muitas interpretações do Apocalipse?
Inegavelmente, essas séries chamam a atenção para Daniel e Apocalipse. E como profecia se conjuga perfeitamente com evangelho, os não-crentes que se voltam para esses livros bíblicos acabam aceitando a Jesus como Salvador pessoal.
Mas tais séries são urna faca de dois gumes. Estou convencido de que, se as pessoas aceitam a interpretação profética distorcida que elas defendem, são mais desencaminhadas do que conduzidas à verdade. E não sei dizer o que é pior: não estudar profecias ou interpretá-las incorretamente. Talvez a segunda hipótese, já que ilude o pesquisador com uma base bíblica falsa.
O terrorismo e a crescente tensão mundial aumentam o interesse das pessoas em questões sobre o Apocalipse?
Não há dúvida de que na hora da dor mais se pensa em Deus e mais atenção se dá à Sua Palavra. Mas o interesse no Apocalipse aumenta na proporção em que os estudiosos da Bíblia estejam prontos, nos momentos críticos, para exaltar a Palavra de Deus como a única fonte de resposta segura para as indagações humanas.
A escalada da violência e de outros males de ordem natural, social e moral, gera urna gama de tensões que resultam em estresse, neurose, angústia e desespero. O ser humano se sente mais vulnerável e, portanto, mais dependente de uma força maior, soberana, que esteja acima de tudo isso.
Essa força maior é Deus, mas as pessoas que ignoram a revelação bíblica não sabem como se aproximar dEle, tornar-se íntimas dEle, desfrutar comunhão com Ele, sentir Seu amparo, Seu amor, Seu interesse! Então, agem mais ou menos como Nabucodonosor em Daniel 2: volvem-se às “fábulas’; àquilo que não tem urna resposta autêntica às suas indagações e necessidades.
Urna grande parcela da humanidade valoriza o que não tem valor e espera receber de quem não tem nada para dar. Estão atrás de tarôs, de mães menininhas, de búzios, de horóscopos, de um sem-número de coisas, menos de Jesus, o único que leva a Deus (jo 14:6), que garante tudo o que é necessário.
Muitos querem saber o significado último dos fatos que ocorrem, e o que eles ensinam. Isso tem que ver com o que os historiólogos chamam de filosofia da História, a qual envolve questões fundamentais da existência como: Para onde caminha a humanidade? O que trará o ‘dia seguinte”? E o dia depois do “dia seguinte”? O que virá depois do último “depois”?
E ai que os seguidores de Jesus devem estar preparados para dar o seu testemunho e apresentar as verdadeiras respostas. A Bíblia, no geral, e o Apocalipse, em particular, contêm essas respostas.
É verdade que, independentemente do testemunho humano, as pessoas podem até se lembrar do Apocalipse na hora da tragédia, porque é precisamente com um sentimento trágico que encaram esse precioso livro.
Para alguns, a simples palavra apocalipse incomoda, porque, pensam, significa algo mau, sinistro, misterioso, ligado a dragões, serpentes, monstros, pragas, fogo caindo do céu, etc. O Apocalipse, porém, é um livro de boas-novas que dá a certeza de que Deus continua no controle e conduz a História rumo ao glorioso clímax.
Milenismo, dispensacionalismo, pré-tribulacionismo, pós-tribulacionismo. É possível acabar com tantos termos teológicos, esclarecer as pessoas, minimizando falsos conceitos, mitos e mesmo teorias fantásticas, e instruir as pessoas devidamente sobre questões escatológicas?
Esses são termos técnicos que identificam conceitos OU temas. E existem outros, pois certos temas se subdividem em subtemas, requerendo um desdobramento terminológico.
Dispensacionalismo define um sistema de interpretação também chamado futurismo por jogar o cumprimento dos principais lances proféticos para o futuro, Há mais três linhas de interpretação: o preterismo: antepõe o cumprimento profético para o tempo do próprio profeta; o historicismo: as profecias se cumprem no curso da História (aqui me situo); e o idealismo: os quadros apocalípticos não trazem visões literais de eventos a ocorrerem em qualquer época.
É evidente que alguns desses termos têm que ver com teorias equivocadas, como as contidas nas séries acima referidas e, usando a expressão desta pergunta, coincidem com “falsos conceitos, mitos e teorias fantásticas’.
Se é verdade que é difícil conceituar um tema sem cunhar termos apropriados, é verdade, também, que o instrutor bíblico deve simplificar ao máximo o ensino, visando à compreensão e ao aprendizado daqueles que almejam o conhecimento dos propósitos divinos. Para tanto, o instrutor se fundamentará apenas na verdade, pois o mais simples “assim diz o Senhor” se sobrepõe às mais bem elaboradas fantasias humanas.
Gostaria de acrescentar algo mais?
Creio que vivemos no tempo áureo do cumprimento profético e também da especulação profética. Devemos nos manter duplamente despertos: com total atenção à maneira como Deus conduz a História, e prontos a dizer não a ensinos distorcidos, que nos desviam do caminho por Ele proposto.
Diante dos eventos escatológicos que ocorrem, Jesus nos desafia com a necessidade de “vigiar” (Mt 24:42). Sua volta será a culminação da História e a concretização de todos os sonhos. Mas “a respeito daquele dia e hora ninguém sabe” (v. 36).
Quem, de acordo com o dispensacionalismo, decide aguardar o arrebatamento secreto da igreja para só então se preparar para a volta de Jesus, na esperança de que depois ainda haverá sete anos até que Ele venha, não se preparará nunca, porque tal arrebatamento jamais ocorrerá. Cumpre-nos estar
prontos agora.
Fonte: Revista Adventista, Dezembro de 2007.